19. Atlas

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Não faço ideia se um menino de doze anos é novo demais para pegar um Uber sozinho, mas não quis deixar Josh desacompanhado na minha casa de novo depois da escola, então chamei um carro para trazê-lo ao restaurante. Decidimos alguns dias atrás que ele deveria ajudar aqui para compensar os danos que causou.
Estou acompanhando o Uber no aplicativo, então vou encontrá- lo lá na entrada. Quando ele sai do carro, parece um menino completamente diferente do que conheci dias atrás. Está com roupas do seu tamanho, o cabelo cortado e a mochila cheia de livros, em vez de latas de tinta spray.
Duvido que Sutton fosse reconhecê-lo se o visse.
— Como foi lá na escola?
Hoje foi o segundo dia na escola nova. Ontem ele disse que foi
tudo bem, mas não entrou em detalhes.
— Foi tudo bem.
Imagino que não vou conseguir arrancar mais do que isso de um
menino de doze anos. Abro a porta do restaurante, e Josh para antes de entrar. Ele olha o estabelecimento e o avalia.
— O engraçado é que dormi duas semanas aqui, mas é a primeira vez que estou entrando pela porta da frente.
Rio e o acompanho pelo restaurante. Estou animado para que ele conheça Theo, apesar de eu ainda não ter tido a oportunidade de contar a ele a respeito de Josh. Theo chegou alguns minutos atrás e entrou pelos fundos bem na hora em que eu estava indo buscar Josh.
Theo não vem ao restaurante desde a semana passada, e eu ainda não havia trazido Josh porque precisei tirar uns dias de folga para tentar resolver mais a vida dele. Ao passar pelas portas duplas que levam à movimentada cozinha, Josh fica imóvel, espantado. Encara o tumulto de olhos arregalados. Em comparação a quando

ele dormia aqui à noite, com certeza o lugar é bem diferente durante o dia.
A porta do meu escritório está aberta, então Theo deve estar fazendo o dever de casa lá dentro. Levo Josh até lá, e ele me segue enquanto entramos no escritório. Theo está sentado à minha escrivaninha, lendo. Ele me olha, depois olha para Josh. Recosta-se na cadeira e abaixa o queixo.
— O que você está fazendo aqui?
— O que você está fazendo aqui? — pergunta Josh para Theo. Estão agindo como se já se conhecessem. Eu não esperava
isso, pois as escolas aqui são imensas, e são muitas. Nem sabia em que escola Theo estudava.
— Vocês dois se conhecem?
Theo me diz:
— Sim, ele é o novato lá da escola. — Depois ele diz para Josh:
— Mas como é que você conhece Atlas?
Josh solta a mochila e aponta a cabeça para mim enquanto se
joga no sofá.
— Ele é meu irmão.
Theo olha para mim, depois para Josh. Depois de volta para
mim.
— Por que eu não sabia que você tinha um irmão?
— É uma longa história — digo.
— Não acha que seu terapeuta deveria saber de algo assim?
— Você passou a semana inteira sem vir aqui — respondo.
— Eu tive treino de matemática depois das aulas todos os dias
— Theo se defende.
— Treino de matemática? Como é que se treina matemática? Josh interrompe:
— Espera aí. Theo é seu terapeuta?
Theo responde:
— Sou, mas ele não me paga. Ei, seu professor de matemática é
o Trent?
— Não, é o Sully — responde Josh.
— Que pena. — Theo olha para mim, depois para Josh. Depois
para mim de novo. — Por que você nunca mencionou que tinha um irmão?

Parece que Theo ainda não superou esse fato, mas não tenho tempo de lhe explicar agora. As coisas estão ficando para trás na cozinha.
— Josh te conta. Preciso cuidar da comida.
Deixo-os no escritório e volto para ajudar com o que está atrasado.
Achei bom eles já se conhecerem, mas achei ainda melhor ver que Theo parece se sentir à vontade com Josh. Conheço Theo bem mais do que conheço meu irmão mais novo, e imagino que Theo teria reagido de outra maneira se não tivesse gostado de vê-lo.
Cerca de uma hora depois, a cozinha está com a equipe inteira, e tenho alguns minutos de intervalo. Quando entro no escritório, Josh e Theo parecem estar conversando intensamente sobre um mangá que Theo está segurando.
— Desculpem pela interrupção. — Gesticulo para que Josh me acompanhe. — Terminou o dever de casa?
— Tá tranquilo — responde ele.
— Tá tranquilo? — Eu não o conheço o bastante para saber o que significa tá tranquilo. — Isso é sim? Não? Quase tudo?
— Sim. — Ele suspira e sai da cozinha comigo. — Quase tudo. Eu termino à noite, minha cabeça não aguenta mais.
Apresento-o a algumas pessoas da cozinha, deixando Brad por último.
— Josh, este é Brad. Ele é o pai do Theo. — Aponto para Josh. — Este é Josh, meu irmão mais novo. — Brad franze a testa confuso, mas não diz nada. — Josh tem uma dívida a pagar. Tem algum trabalho para ele?
— Eu tenho uma dívida? — pergunta Josh, atordoado.
— Tem que pagar pelos croutons.
— Ah. Isso.
A ficha de Brad cai imediatamente. Ele assente devagar, depois
diz para Josh:
— Já lavou louça alguma vez?
Josh revira os olhos e vai até a pia com Brad.
Fico mal por obrigá-lo a trabalhar, mas me sentiria ainda pior se
não houvesse nenhuma consequência depois dos milhares de

dólares que ele me fez gastar. Vou deixá-lo lavando louça por uma hora, e então estaremos quites.
No entanto, o que eu queria mesmo era tirá-lo do meu escritório para poder conversar com Theo a respeito dele. Não tive a oportunidade de falar com ele sem Josh por perto.
Theo está sentado à minha escrivaninha, guardando papéis na mochila. Sento no sofá, preparado para fazer perguntas sobre Josh, mas Theo fala primeiro:
— Já beijou a Lily?
Eu é que sempre sou o assunto. Nunca é ele.
— Ainda não.
— Caraca, Atlas. Você é muito mané de vez em quando.
— Você conhece bem o Josh? — pergunto, mudando de
assunto.
— Faz só dois dias que ele chegou lá na escola, então não
muito. Temos algumas aulas em comum.
— E como ele está se saindo?
— Não faço ideia. Não sou professor dele.
— Não estou falando das notas dele, mas da vida social. Ele
está fazendo amigos? Está sendo legal?
Theo inclina a cabeça.
— Está perguntando para mim se seu irmão é legal? Você não
deveria saber isso?
— Eu acabei de conhecê-lo.
— Pois é, eu também — rebate Theo. — E você está me
fazendo uma pergunta complicada. Às vezes as crianças são maldosas. Você sabe disso.
— Está dizendo que Josh é maldoso?
— Existem tipos diferentes de maldade. Josh é maldoso de um jeito bom.
Não estou entendendo nada. Theo percebe, então explica:
— Ele faz bullying com quem faz bullying, se é que isso faz sentido.
Esta conversa está me deixando desconfortável.
— Então Josh é... o rei dos valentões? Isso não parece nada bom.
Theo revira os olhos.

— É difícil de explicar. Mas não sou o menino mais popular da escola, e imagino que isso não seja nenhuma surpresa. Sou da equipe de matemática e sou... — Ele dá de ombros em vez de completar. — Mas não preciso me preocupar com garotos como Josh. Quando você me pergunta se ele é legal, eu não sei como responder, pois ele não é legal. Mas também não é maldoso. Ou pelo menos não com as pessoas legais.
Não respondo de imediato, porque estou tentando assimilar todas essas informações. Talvez eu esteja mais confuso do que antes da conversa. Mas é bom saber que Theo não tem medo de Josh.
— Enfim — diz Theo, fechando o zíper da mochila. — E você e a Lily? As coisas já esfriaram, foi?
— Não, estamos ocupados, só isso. Mas amanhã vou a um casamento com ela.
— E aí você vai beijá-la, finalmente?
— Se ela quiser.
Theo faz que sim.
— Ela provavelmente vai querer, a não ser que você diga
cafonices do tipo: Olha ali o naviozinho, me dá aqui um beijinho! Pego uma das almofadas no sofá e a jogo em cima dele.
— Eu vou é arranjar um terapeuta novo que não faça bullying
comigo.

É assim que começa Where stories live. Discover now