27. Atlas

54 5 2
                                    

Faz apenas meia hora que dei uma olhada no celular, então me assusto ao ver várias chamadas perdidas e três mensagens de Lily.
Me liga, por favor.
Eu estou bem, mas Ryle está furioso.
Ele apareceu aí? Atlas, me liga, por favor.
Merda.
— Darin, você pode assumir aqui?
Darin vem terminar de empratar para mim, e vou imediatamente
até o escritório e ligo para ela. A ligação cai na caixa postal. Tento de novo. Nada.
Estou me preparando para ir até o carro quando meu telefone toca. Atendo na mesma hora, dizendo:
— Você está bem?
— Estou — responde ela.
Paro de correr até a porta e encosto o ombro na parede.
Lily parece estar dirigindo.
— Estou indo buscar Emmy. Só queria te avisar que ele está
furioso. Estava preocupada achando que ele podia passar aí.
— Obrigado por me avisar. Você está bem mesmo?
— Estou. Me liga quando chegar em casa. Não importa a hora. Ryle irrompe pelas portas da cozinha no meio da frase de Lily.
Causa um alvoroço tão grande que todos percebem e param o que estão fazendo. Derek, meu maître, está logo atrás dele.
— Eu disse que ia chamá-lo — Derek está dizendo para Ryle.
Derek me olha e joga as mãos para o alto, indicando que tentou impedir a intrusão.
— Eu ligo quando estiver indo para casa — aviso.
Não menciono que Ryle acabou de chegar. Não quero deixá-la preocupada. Desligo bem na hora em que os olhos de Ryle se fixam em mim.
Não acho que ele esteja aqui para me parabenizar.

— Quem é esse aí? — pergunta Darin.
— Meu maior fã.
Aponto a cabeça para a porta dos fundos, então Ryle se dirige
para lá.
A cozinha começa a se agitar de novo, com todos ignorando a
intrusão de Ryle. Todos menos Darin.
— Precisa de mim para alguma coisa?
Balanço a cabeça.
— Está tudo bem.
Ryle empurra a porta dos fundos com tanta força, que ela bate
na parede externa.
Que babaquinha. Sigo naquela direção, mas assim que abro a
porta dos fundos e coloco os pés nos degraus, ele me ataca pela esquerda. Ryle me derruba e, quando tento me levantar, ele me dá um soco.
E é um soco dos bons. Isso eu admito.
Merda.
Enxugo a boca e me levanto, grato por ele ao menos me dar tempo de ficar de pé. Não é muito justo uma pessoa estar no chão quando os socos começam. No entanto, Ryle não me parece o tipo de cara que joga limpo.
Ele está prestes a me bater de novo, mas eu recuo e ele acaba tropeçando. Ryle se ergue e, quando fica de pé novamente, me encara furioso. Não parece estar querendo me atacar no momento.
— Já acabou? — pergunto.
Ryle não responde, mas não acho que ele vá tentar me esmurrar de novo. Ele ajeita a camisa e dá um sorrisinho.
— Gostei mais quando você bateu de volta na última vez.
Eu me seguro para não revirar os olhos.
— Não estou a fim de brigar com você.
Ele estala o pescoço e começa a andar de um lado para o outro.
Há tanta raiva dentro dele que nem consigo imaginar como deve ser para Lily precisar testemunhar isso. Ryle está ofegante, com as mãos nos quadris, os olhos me perfurando como facas. Não vejo apenas raiva no seu rosto. Vejo um bocado de dor.
Às vezes tento me colocar no lugar dele, mas, por mais que eu tente, não consigo. E nunca vou conseguir, pois nem ter o pior

passado do mundo justifica alguém agredir a pessoa que deveria proteger.
— Diga logo o que veio me dizer.
Ryle limpa os nós dos dedos ensanguentados com a manga da camisa, e percebo sua mão inchada. Pelo jeito, ele esmurrou algumas coisas antes de chegar aqui e me bater. Pelo menos sei que Lily está bem, senão ele não iria embora nas mesmas condições em que chegou.
— Acha que não sei que a advogada foi ideia sua? — dispara ele.
Tento disfarçar a surpresa, mas não faço ideia do que Ryle está falando. Será que ela conversou com uma advogada sobre sua situação? Sinto vontade de sorrir, mas tenho certeza de que um sorriso irritaria Ryle, e minha existência já o irrita o suficiente.
A ausência de uma resposta minha começa a exasperá-lo. Seu rosto se contorce de raiva.
— Você pode até ter enganado Lily agora, mas vai ter sua primeira briga com ela. E a segunda. Ela vai ver que casamento não é um maldito mar de rosas o tempo todo.
— Mesmo que a gente tenha um milhão de discussões, elas jamais vão acabar com Lily no hospital, isso eu posso garantir.
Ryle ri. Ele quer distorcer a situação para que eu pareça ridículo, não ele. Não fui eu que invadi seu local de trabalho porque não estava conseguindo controlar minhas emoções.
— Você não sabe pelo que eu e Lily passamos — continua. — Não sabe pelo que eu passei.
Parece que ele veio aqui atrás de briga e, como não estou entrando no seu jogo, agora está desabafando. Talvez eu devesse lhe dar o número de Theo. Não faço ideia de como agir nessa situação.
Não quero me lembrar deste momento amanhã e pensar que foi uma oportunidade perdida. Meu único objetivo é fazer com que a relação da Lily com este homem seja mais tranquila. A última coisa que quero é dificultar ainda mais as coisas entre todos nós, mas até Ryle entender que somente ele controla suas próprias reações, eu e Lily não saberemos muito bem como lidar com ele.

— Tem razão, Ryle. — Assinto lentamente. — Tem razão. Eu não sei pelo que você passou.
Sento-me no degrau para mostrar que ele não precisa se sentir ameaçado por mim. E se ele tentar me atacar de novo enquanto estou sentado, não serei mais tão compreensivo. Junto as mãos e me esforço ao máximo para falar de uma maneira que o faça entender.
— O que quer que tenha acontecido no seu passado fez de você um ótimo neurocirurgião, e o mundo precisa desse seu lado. Mas, por algum motivo, seu passado também fez de você um marido ruim pra caralho. Esse é um lado seu de que o mundo não precisa. O fato de você ter a oportunidade de desempenhar um certo papel não significa que você vai se sair bem nele.
Ryle revira os olhos.
— Quanto drama.
— Eu vi quando deram pontos nela, Ryle. Acorda pra vida, porra.
Você foi um marido de merda.
Ele me encara por um instante e diz:
— E por que acha que vai se sair melhor do que eu?
— Tratar Lily como ela merece ser tratada é a parte mais fácil da
minha vida. Acho que você deveria é sentir alívio por ela estar com alguém como eu.
Ele ri.
— Alívio? Eu deveria sentir alívio? — Ele dá vários passos na minha direção, com a raiva crescendo de novo. — É por sua causa que não estamos juntos!
Preciso de todas as minhas forças para continuar sentado e de toda a minha paciência para não responder aos seus gritos à altura.
— É por sua causa que vocês não estão juntos. Foi a sua raiva e os seus punhos que te colocaram nessa situação. Eu era apenas um conhecido da Lily quando ela estava com você, então aja com maturidade e pare de jogar a culpa pelas suas ações em mim, na Lily e em todos os outros. — Levanto-me, mas não para bater nele. Preciso apenas criar espaço no meu peito para expirar, caso contrário, não sei quanto tempo mais vou aguentar sem erguer a voz como ele. É difícil olhar para Ryle e manter a compostura

sabendo o que ele fez com Lily. — Porra — murmuro. — Que coisa ridícula.
Ryle e eu ficamos em silêncio por um instante. Talvez ele tenha percebido que cheguei ao meu limite, pois não estou mais controlando tão bem a minha frustração. Viro para ele e o encaro, suplicante:
— Essa é a nossa vida agora. Sua, minha, da Lily, da sua filha. Teremos que lidar com isso. Para sempre. Feriados, aniversários, formaturas, o casamento da Emerson. Todas essas coisas serão difíceis para você, mas você é o único que pode garantir que elas não serão difíceis para o restante de nós. Porque nenhum de nós deve a nossa felicidade a você. Especialmente a Lily.
Ryle balança a cabeça. Anda de um lado para o outro como se quisesse destruir o asfalto e deixar a terra à mostra.
— O que você espera que eu faça? Torça por vocês? Deseje felicidade a vocês? Incentive você a ser um bom pai para a minha filha, porra?
Ele ri de tão absurda que acha a ideia, mas eu continuo bem sério.
— Isso. Exatamente isso.
Acho que minha resposta o desorienta. Ele para e junta as mãos na nuca.
Dou um passo para perto dele, mas não de um jeito ameaçador. Não quero gritar. Quero que Ryle ouça a total sinceridade na minha voz.
— Por mais que eu saiba que posso fazer Lily feliz, ela jamais será completamente feliz sem sua aceitação e cooperação. E você está dificultando as coisas, apesar de saber que ela merece uma vida boa. As duas merecem. Se você quer que sua filha cresça com a melhor versão de Lily, ajude-a, por favor. Podemos todos fazer isso acontecer.
Ryle vira o pescoço para o lado.
— E por acaso agora a gente é uma equipe, é?
Odeio ver que ele está tentando fazer com que tudo isso soe
impossível.
— Uma equipe é a única coisa que as pessoas deveriam ser
quando tem uma criança envolvida.

Isso mexe com ele. Percebo pela maneira como se contrai e depois engole em seco de repente. Ryle se vira, me dá as costas e anda enquanto reflete sobre o que eu disse. Quando se vira de volta e me olha, há um pouco menos de mordacidade nele.
— Quando as coisas entre vocês não derem certo e Lily precisar correr atrás de alguém, eu não vou ajudar desta vez.
Com isso, ele se afasta. Ryle não volta pelo restaurante. Em vez disso, segue pelo beco, em direção à rua.
Tudo o que consigo fazer é encará-lo com pena. Ele realmente não conhece Lily.
Não mesmo.
Lily não corre atrás de ninguém. Ela não correu atrás de mim quando fui embora do Maine. Ela não correu atrás de mim depois que terminou com Ryle. Ela se concentrou em ser mãe. Porém, é isso que ele espera que Lily faça se as coisas entre nós dois não derem certo? Ele espera que ela vá correndo atrás dele, como se ele fosse seu porto seguro?
O porto seguro da Lily é Emerson, e se ele ainda não enxergou isso é porque não tem noção de nada.
Se Lily tivesse ficado com Ryle, ele teria passado o resto da vida dos dois inventando motivos para justificar sua raiva excessiva. Porque eu nunca fui uma questão no casamento deles e jamais teria sido.
Achei que tinha pena de Ryle antes, mas ele está lutando por uma mulher que mal conhece. No fundo, está lutando só por lutar. Ele tem a personalidade bem parecida com a da minha mãe, e às vezes isso não tem conserto. A gente precisa simplesmente aprender a lidar com o fato.
Talvez seja isso que Lily e eu precisaremos fazer. Aprender a viver da melhor maneira possível, precisando lidar ocasionalmente com a ira ridícula de Ryle.
Tudo bem. Eu enfrentaria essa merda todo dia se fosse para poder dormir ao lado dela todas as noites.
Subo os degraus e volto à agitação da cozinha, retornando ao trabalho como se Ryle nunca tivesse estado ali. Não sei se minha postura esta noite tornou a situação melhor, mas com certeza não a deixou pior.

Darin me entrega um pano úmido.
— Você está sangrando. — Ele aponta para o lado esquerdo da minha boca, então pressiono o pano úmido ali. — Esse era o ex- marido?
— Era.
— Está tudo bem agora?
Dou de ombros.
— Não sei. Ele pode se irritar e reaparecer. Que merda, isso
pode se repetir por anos. — Olho para Darin e sorrio. — Mas Lily vale a pena.
Três horas depois, bato levemente à porta de Lily. Mandei uma mensagem avisando que estava vindo. Achei que talvez ela estivesse precisando de outro delivery de abraço.
Quando abre a porta, fica evidente que é exatamente disso que ela precisa. E do que eu preciso. Assim que chegamos à sala de estar, ela coloca os braços ao redor da minha cintura, e eu me aconchego nela. Passamos alguns minutos abraçados.
Depois que ela ergue o rosto, suas sobrancelhas se afastam quando ela vê o pequeno corte no meu lábio.
— Que babaca imaturo que ele é. Você colocou gelo? — Vou ficar bem. Nem chegou a inchar.
Lily fica na ponta dos pés e beija meu corte.
— Conte o que aconteceu.
A gente se senta no sofá e tento me lembrar de tudo o que foi dito, mas certamente esqueço algumas coisas. Quando termino de falar, ela está encostada no sofá, com a perna em cima da minha, concentrada e passando os dedos no meu cabelo.
Ela fica um bom tempo quieta. Depois apenas me olha com uma doçura que me faz derreter.
— Estou convencida de que você é o único homem do mundo que leva um soco e depois oferece conselhos e ajuda ao agressor. — Antes que eu possa responder, ela vem para o meu colo e aproxima o rosto do meu. — Não se preocupe, acho isso bem mais atraente do que se você tivesse batido nele de volta.
Minhas mãos sobem pelas suas costas, e fico surpreso por vê-la tão bem-humorada. Não sei por que achei que essa conversa seria

um fardo para ela. Mas imagino que esse é o melhor resultado possível. Ryle sabe que estamos juntos, eu tive a oportunidade de dizer o que penso e todos nós saímos da situação relativamente ilesos.
— Não posso demorar, mas acho que esse abraço pode durar mais uns quinze minutos antes que Josh perceba que estou atrasado.
Lily ergue a sobrancelha.
— Quando você diz abraço, está querendo dizer...
— Para você tirar a roupa, pois agora só temos catorze minutos. Deito-a e a beijo, e nós continuamos pelos catorze minutos
restantes. Depois dezessete. Depois vinte.
Trinta minutos se passam até eu deixar seu apartamento.

You've reached the end of published parts.

⏰ Last updated: Feb 02, 2023 ⏰

Add this story to your Library to get notified about new parts!

É assim que começa Where stories live. Discover now