Josh não confia em mim, mas vou vencê-lo pelo cansaço. Aposto que não confia em ninguém, então não vou levar para o pessoal. Se a infância dele tiver sido parecida com a minha, tenho certeza de que ele já endureceu bem mais do que qualquer menino de doze anos deveria endurecer.
Por mais que me olhe com desconfiança, posso ver que também está curioso a meu respeito. Ele não faz muitas perguntas, mas me observa de uma maneira que denuncia os milhares de perguntas que tem na ponta da língua. Por algum motivo, no entanto, Josh prefere guardá-las para si. Deve estar se perguntando por que peguei tão leve com ele ontem à noite, depois que descobri que era ele causando danos aos meus restaurantes. Também deve estar se perguntando por que eu não sabia da existência dele e como acabei com uma vida tão diferente da minha mãe e de Tim.
Quaisquer que sejam suas perguntas, ele está tentando conter bastante suas expressões. Não quero constrangê-lo, então tenho falado mais enquanto ele toma o café da manhã. Não é tão difícil, pois as perguntas que tenho para ele são igualmente numerosas. Foi também por isso que não consegui dormir ontem à noite depois que enfim chegamos à minha casa. Fiquei alerta para ver se ele não ia tentar ir embora de fininho, e realmente me surpreendi quando vi que ele ainda estava aqui pela manhã.
Por mais que minhas perguntas possam irritá-lo, lembro como é ter doze anos. Tudo o que eu queria era que alguém se interessasse por quem eu era, mesmo que fosse um interesse falso. Se a vida dele tiver sido parecida com a minha, ele passou doze anos sendo ignorado, e não vou deixar que se sinta desse jeito na minha casa. Porém, tenho feito apenas perguntas fáceis, abrindo caminho para os assuntos mais difíceis.
Josh come uma coisa de cada vez. Primeiro um pãozinho, depois o bacon. Ele está cortando as panquecas pela primeira vezquando digo:
— Do que você gosta? Tem algum hobby?
Ele dá uma mordida, e uma das suas sobrancelhas se ergue um
pouco, mas não sei se é por causa da comida ou da minha pergunta.
— Por quê?
— Quer saber por que estou perguntando do que gosta?
Seu pescoço está rígido quando assente.
— Perdi doze anos da sua vida. Quero te conhecer.
Josh desvia o olhar e põe mais panqueca na boca.
— Mangá — murmura.
Fico surpreso. Mas, graças a Theo, eu até que conheço mangá. — Qual sua série favorita?
— One Piece. — Ele balança a cabeça, pensando melhor. —
Não, deve ser Chainsaw Man.
É só até aí que consigo chegar na conversa sem parecer
ignorante.
— A gente pode passar numa livraria mais tarde se você quiser. Ele assente.
— As panquecas estão gostosas.
— Obrigado.
Observo-o dar um gole no suco, e, enquanto coloca o copo na
mesa, ele diz:
— Do que você gosta? — Ele vira a cabeça para o prato. —
Além de cozinhar.
Não sei responder. Passo a maior parte do tempo nos
restaurantes. Gasto o tempo que me sobra fazendo consertos pela casa, lavando roupa, dormindo.
— Gosto de assistir ao canal de culinária. Josh dá uma risadinha.
— Que parada mais triste.
— Por quê?
— Eu falei "além de cozinhar".
É uma pergunta mais difícil do que imaginei, agora que sou eu que tenho de responder.
— Gosto de museus — acrescento. — E de ir ao cinema. E de viajar. Só não faço nada disso.
— Porque está sempre trabalhando?
— Isso.
— Como eu disse: que parada mais triste.
Ele se inclina por cima do prato para comer outra garfada de
panqueca.
As perguntas para nos conhecermos melhor não estão
funcionando, então vou direto ao ponto:
— Por que vocês brigaram?
Ele dá de ombros.
— Na metade do tempo, nem sei qual foi a merda que eu fiz. Ela
apenas se irrita sem motivo.
Sei como é. Deixo-o comer mais um pouco antes de fazer outra
pergunta.
— Onde você estava dormindo?
Josh não me olha. Ele empurra a comida no prato por um
instante, depois diz:
— No seu restaurante. — Seus olhos sobem devagar até
encontrarem os meus. — O sofá do seu escritório é bem confortável.
— Você estava dormindo dentro do restaurante? Há quanto tempo?
— Duas semanas.
Fico chocado.
— Como você estava entrando?
— Não tem alarme naquele restaurante, e finalmente descobri
como forçar a fechadura depois de algumas tentativas. Já no outro, é bem difícil de entrar.
— Você sabe forçar fe... — Não posso deixar de rir. Brad e Darin vão adorar me dizer eu te avisei. — E por que, depois de um tempo, você começou a vandalizar também?
Josh me olha com relutância.
— Sei lá. Acho que estava com raiva. — Ele empurra o prato e se recosta na cadeira. — E agora? Preciso voltar a morar com ela?
— O que você quer que aconteça?
— Quero morar com meu pai. — Ele coça o cotovelo. — Pode me ajudar a encontrá-lo?
Minha vontade de encontrar Tim é a mesma que eu tinha de encontrar minha mãe: nenhuma.
— Sabe alguma coisa sobre ele? — pergunto.
— Acho que agora está morando em Vermont. Só não sei onde. — Quando foi que o viu pela última vez?
— Alguns anos atrás. Mas ele não sabe mais onde me
encontrar.
Agora Josh está refletindo bem sua idade. Um menino frágil,
abandonado pelo pai, mas que se recusa a perder a esperança. Não quero ser a pessoa que acaba com ela, então apenas concordo.
— Está bem, vou ver o que posso fazer. Mas, por enquanto, preciso avisar a sua mãe que você está bem. Preciso ligar para ela.
— Por quê?
— Se eu não ligar, isso pode ser considerado sequestro.
— Não se eu estiver aqui por vontade própria.
— Mesmo que você esteja aqui por vontade própria. Você não
tem idade para decidir onde quer morar, e no momento é sua mãe que tem sua guarda.
Ele fica nitidamente irritado. Mete o garfo na comida franzindo a testa, mas não dá outra mordida.
Saio de perto e ligo para Sutton. Desbloqueei seu número depois que ela saiu do meu restaurante ontem à noite, para o caso de ela querer entrar em contato comigo. Disco seu número e a espero atender. Após chamar algumas vezes, ela enfim atende com um "alô" bem grogue.
— Oi. Eu o encontrei.
— Quem está falando?
Fecho os olhos rapidamente enquanto espero que ela acorde e
lembre que o filho está desaparecido. Após alguns segundos de silêncio, ela diz:
— Atlas?
— Isso. Encontrei Josh.
Ouço um ruído do outro lado da linha, como se ela estivesse
saindo da cama.
— Onde ele estava?
Não quero responder. Sei que ela é a mãe de Josh, mas me
parece que o paradeiro dele não é da sua conta, o que é uma
opinião incomum de se ter.
— Não sei onde ele estava, mas agora está comigo. Escute...
Queria saber se ele não pode passar um tempo aqui comigo. Talvez isso te desse um descanso, não?
— Quer que ele fique com você?
A maneira como ela enfatiza a última palavra me faz estremecer. Vai ser bem mais difícil do que imaginei. Ela é o tipo de pessoa que briga só por brigar, independentemente do resultado que queira.
— Eu poderia matriculá-lo em uma escola e me certificar de que ele frequente as aulas — ofereço. — Você não precisaria se preocupar mais com isso. — Ela faz uma pausa como se estivesse considerando a alternativa.
— Mas que mártir você é — resmunga. — Traga-o de volta. Agora.
Ela desliga.
Tento ligar de novo três vezes, mas ela encaminha as chamadas para a caixa postal.
— Isso não me pareceu muito promissor — comenta Josh.
Ele está parado na porta da cozinha. Não sei o quanto da conversa escutou, mas ao menos não conseguiu ouvir o que Sutton disse.
Guardo o celular no bolso.
— Ela quer que você volte hoje. Mas amanhã eu ligo para um advogado. Posso até ligar para o maldito Conselho Tutelar se você quiser. Só que não tem muita coisa que eu possa fazer num domingo.
Os ombros de Josh despencam quando digo isso.
— Você pode pelo menos me dar seu número? — pede, como se tivesse medo de eu dizer não.
— É claro! Não vou abandoná-lo agora que sei que você existe.
Josh mexe num buraco na manga da camisa, evitando fazer contato visual comigo, enquanto diz:
— Entendo se estiver com raiva de mim. Você morreu numa grana por minha causa.
— É verdade — respondo. — Aqueles croutons custaram uma fortuna.
Josh ri pela primeira vez nesta manhã.
— Cara, aqueles croutons estavam gostosos pra caralho. Solto um gemido.
— Não diga essa palavra.
O Risemore Inn fica do outro lado de Boston. Demoramos quarenta e cinco minutos no trânsito para chegar até lá, e nem é dia útil. Quando entramos no estacionamento, Josh não sai do carro na mesma hora. Ele apenas fica sentado em silêncio no banco do passageiro, encarando o hotel como se fosse o último lugar onde quisesse estar.
Preferia não ter que trazê-lo de volta para a mãe, mas liguei para meu amigo advogado de novo após falar com Sutton. Ele disse que, se eu quiser fazer tudo certo, sem que ela tenha argumentos para usar contra mim, tudo o que posso fazer é levá-lo de volta. Depois, se eu quiser resolver a questão judicialmente, ele disse que vou precisar arranjar um advogado e entrar na Justiça.
Tudo que for feito fora do âmbito da Justiça pode me prejudicar.
Pelo jeito, não se pode sequestrar o próprio irmão, mesmo que você saiba que ele está correndo perigo.
Queria explicar tudo isso para Josh com mais detalhes — para mostrar que não estou apenas largando-o com ela —, mas ele está tão cismado em morar com o pai que nem sei se quer morar comigo. E não sei se estou preparado para criar um irmão mais novo, mas, enquanto eu estiver vivo, nem a pau que posso deixá-lo sob a guarda daquela mulher sem pelo menos tentar.
Até eu resolver o que fazer em seguida, não quero que ele se encontre numa situação em que não tenha o que comer ou não tenha dinheiro para pagar mais diárias do hotel. Tiro a carteira e lhe entrego um cartão de crédito.
— Posso confiar em você com isto aqui?
Josh olha o cartão na minha mão, e seus olhos se arregalam um pouco.
— Não sei por que você faria isso. Passei as duas últimas semanas tentando destruir seus restaurantes.
Empurro o cartão para ele.
— Use para necessidades básicas. Comida, recargas para o celular. — Nós paramos no caminho e compramos um celular pré-
pago para que ele possa manter contato comigo. — Talvez algumas roupas novas que caibam em você.
Josh pega o cartão da minha mão com relutância.
— Nem sei como usar isto aqui.
— É só aproximar. Mas não conte para Sutton que está com ele.
— Aponto para o celular. — Esconda-o entre a capa e o aparelho. Ele tira a capa do celular e guarda o cartão dentro dela. Depois
diz:
— Valeu. — Ele põe a mão na maçaneta do carro. — Você vai
entrar para falar com ela?
Balanço a cabeça.
— É melhor não. Acho que isso só a deixaria ainda mais irritada. Josh suspira e sai do carro. Nós nos entreolhamos por alguns
segundos antes de ele por fim fechar a porta do veículo.
Fico me sentindo o maior babaca por trazê-lo para cá. Mas preciso fazer isso da maneira certa. Se não o trouxesse de volta, ela poderia me denunciar. E como a conheço, ela provavelmente faria isso. É melhor eu apenas deixá-lo aqui hoje e, assim que a semana começar amanhã, fazer ligações e ver que providências posso
tomar para que ele vá morar comigo.
Sei que se Josh ficar aqui com ela, ele não vai ter nenhuma
chance na vida. Dei sorte ao encontrar Lily. Ela me salvou. Mas não sei se há sorte o bastante no mundo para nós dois sermos salvos por uma desconhecida qualquer.
Sou tudo o que ele tem.
Continuo no carro enquanto Josh atravessa o estacionamento. Ele sobe a escada e bate à porta do segundo quarto antes do fim do corredor. Ele me olha por cima do ombro, então aceno bem na hora em que a porta se escancara.
Vejo a raiva nos olhos de Sutton de onde estou no estacionamento. Ela começa a gritar com ele na mesma hora. E depois dá um tapa na cara dele.
Minha mão está na maçaneta da porta antes mesmo que Josh tenha tempo de reagir ao tapa. Agora a mão de Sutton está agarrando o braço dele, puxando-o para dentro do quarto do hotel. Estou a vários metros de distância do carro quando o vejo tropeçar na soleira da porta e sumir para dentro do quarto.
Subo dois degraus de cada vez, com o coração em disparada. Chego à porta antes mesmo de Sutton a fechar. Josh está tentando se levantar, mas ela está parada ao lado dele, gritando:
— Eu podia ter sido presa, seu merdinha!
Sutton não faz ideia de que estou atrás dela. Coloco o braço ao redor de sua cintura e a puxo para longe de Josh, erguendo-a e a soltando no colchão atrás de mim. Acontece tão rápido que ela fica chocada demais para reagir.
Ajudo Josh a se levantar. Seu celular está no chão a alguns metros de distância, então o pego, devolvo-o para ele e o levo até a porta.
Sutton percebe o que está acontecendo e salta da cama. Ela sai atrás da gente.
— Traga-o de volta!
Agora sinto suas mãos em mim. Ela está puxando minha camisa, tentando me fazer parar ou me afastar para poder pegar Josh.
Peço que ele siga em frente.
— Vá para o carro.
Ele continua se dirigindo à escada, então paro de andar e me
viro para ela. Ela inspira rapidamente pela boca após ver a fúria absoluta nos meus olhos. Depois bate as palmas no meu peito e me empurra.
— Ele é meu filho! — grita ela. — Vou chamar a polícia!
Solto uma risada exasperada. Quero lhe dizer para chamar a polícia, quero gritar com ela. Mas, acima de tudo, quero tirar Josh de perto de Sutton. Só por cima do meu cadáver que ela vai arruinar a vida dele.
Não tenho energia para lhe dizer nada. Ela não merece minhas palavras. Simplesmente vou embora, deixando-a gritando como fazia antigamente.
Josh já está no banco da frente do carro quando volto. Bato a porta e agarro o volante com ambas as mãos antes de ligar o carro. Preciso me acalmar antes de dirigir.
Ele parece estranhamente calmo considerando o que acabou de acontecer. Fico pensando se essa não costuma ser uma interação comum entre os dois, pois nem ofegante ele está. Não está
chorando. Não está xingando. Está apenas me observando, e percebo que talvez ele vá se lembrar da minha reação neste momento pelo resto da vida.
Deslizo as mãos pelo volante e respiro com calma.
A bochecha de Josh está vermelha, e tem um pequeno corte sangrando em sua testa. Pego um lenço de papel no porta-luvas e o entrego a ele. Depois viro o visor para que saiba onde limpar.
— Vi quando ela te deu o tapa, mas de onde veio esse corte?
— Acho que bati no rack da .
Muita calma, Atlas. Dou a ré e saio do estacionamento.
— Talvez a gente deva passar em um pronto-socorro para dar
uma olhada no seu corte. Para garantir que não é uma concussão. — Está tudo bem. Eu geralmente sei quando é uma concussão. Ele geralmente sabe? Cerro os dentes assim que Josh diz isso.
Percebo que não faço a mínima ideia do inferno pelo qual esse menino já passou, e que eu estava prestes a lançá-lo de volta nas chamas.
— É melhor garantir — respondo.
Mas o que eu quero dizer é: "É melhor ter tudo documentado caso seja necessário provar os maus-tratos dela posteriormente."