16. Lily

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A pessoa perde as manhãs depois que tem filhos.
Eu costumava abrir os olhos e passar vários minutos deitada
antes de pegar o celular e ver tudo o que perdi enquanto dormia. Tomava um café e planejava mentalmente o dia enquanto tomava banho.
Agora que tenho Emmy, porém, seu choro matinal me arranca da cama e eu vivo em função dela antes mesmo de ter tempo de fazer xixi. Corro para trocar sua fralda, corro para vesti-la, corro para alimentá-la. Quando termino minhas tarefas maternais, já estou atrasada para o trabalho e mal tenho tempo de cuidar de mim mesma.
É por isso que gosto das manhãs de domingo. Parece que é o único dia da semana em que consigo sentir uma certa calma. Quando Emmy acorda no domingo, sempre a coloco na cama comigo. Ficamos deitadas juntas e a escuto balbuciar, sem nenhuma pressa para levantar ou ir a outro lugar.
Às vezes, como agora, ela volta a dormir e tudo o que faço é fitá- la por longos períodos, maravilhada com o encanto que é a maternidade.
Pego o celular e tiro uma foto de Emmy para enviar a Ryle, mas hesito antes de apertar o botão. Não sinto nenhuma falta dele, mas, em momentos como este, fico triste por Ryle não poder compartilhar isso com a gente ou por eu não poder compartilhar os instantes de alegria que eles têm juntos. Não há nada melhor do que curtir a criança que você gerou com a pessoa que também a criou, e é por isso que sempre tento mandar fotos e vídeos para ele. Porém, ainda estou chateada com a noite de ontem e não estou muito a fim de entrar em contato com ele ainda. Salvo a foto para um dia mais tranquilo.
Porra, Ryle.

O divórcio é difícil. Sabia que seria, mas é muito mais do que eu esperava. E passar por um divórcio com uma criança no meio é um milhão de vezes mais complicado. Você será obrigada a interagir com aquela pessoa pelo resto da vida. Precisa dar um jeito de planejar as festas de aniversário em conjunto ou de aceitar duas comemorações separadas. Precisa planejar os feriados que cada um vai passar com a criança e também quais dias da semana, às vezes até as horas do dia.
Não dá para se livrar num piscar de olhos da pessoa com quem você se casou e de quem se divorciou. Você é obrigada a conviver com ela. Para sempre.
Serei obrigada a lidar com os sentimentos de Ryle para sempre e, sendo bem sincera, estou me cansando de sempre me sentir mal por ele, de me preocupar com ele, de temer sua reação, de ser cuidadosa com seus sentimentos.
Quanto tempo devo esperar antes de começar a namorar alguém sem que o ciúme de Ryle seja justificável? Quanto tempo devo esperar antes de lhe contar que estou saindo com Atlas, caso nos tornemos um casal? Quanto tempo preciso esperar antes de poder tomar decisões sobre minha própria vida sem me preocupar com os sentimentos dele?
Meu celular vibra. É minha mãe ligando. Saio da cama silenciosamente para ir à sala antes de atender.
— Oi.
— Posso ficar com Emerson hoje?
Rio ao perceber que ela não está nem aí para a filha agora que
tem uma neta.
— Tudo bem comigo, sim, e com você?
Minha mãe ama Emmy tanto quanto eu, tenho certeza disso.
Quando Emmy completou seis semanas, minha mãe começou a cuidar dela por algumas horas enquanto eu trabalhava. Emmy até dormiu na casa dela no mês passado — foi sua primeira noite longe de mim desde que nasceu. Ela tinha pegado no sono e não quisemos acordá-la, então fui buscá-la na manhã seguinte.
— Rob e eu estamos por perto. Podemos buscá-la daqui a vinte minutos. Vamos ao jardim botânico e pensei que seria divertido levar Emerson. E imagino que um descanso possa ser bom pra você.

— Está bem. Vou arrumá-la.
Meia hora depois, ouço alguém bater à porta. Abro-a e deixo minha mãe e Rob entrarem. Minha mãe vai direto para a sala de estar, onde Emmy está dormindo num moisés.
— Oi, mãe — digo brincando.
— Mas que roupinha mais linda — diz minha mãe, pegando-a. — Fui eu que comprei para ela?
— Não, era da Rylee, na verdade.
É legal que a diferença entre as duas seja de apenas seis meses. Não precisamos comprar tantas roupas para Emmy porque Allysa me dá muitas que eram de Rylee. E elas estão sempre em ótimas condições, pois acho que Rylee nunca repete a mesma roupa.
Emmy está usando o conjunto que Rylee usou na sua festa de um ano. Estava torcendo para que Emmy o herdasse, pois é uma fofura. É uma legging rosa com estampa de melancias e uma camiseta verde de manga comprida com uma fatia de melancia no meio.
Minha mãe comprou quase todas as outras roupas de Emmy, inclusive a jaqueta azul que estou colocando nela agora.
— Não combina com o conjuntinho — minha mãe censura. — Cadê a jaqueta rosa que comprei para ela?
— Está pequena demais. É só uma jaqueta, e ela tem um ano de idade. Não faz diferença se combina ou não.
Minha mãe bufa, e pela sua cara percebo que Emmy vai voltar para casa com uma jaqueta novinha em folha. Beijo a bochecha de Emmy, e minha mãe se dirige à porta.
Entrego a bolsa maternidade para Rob, e ele a pendura no ombro.
— Quer que eu a pegue? — pergunta ele para minha mãe.
Ela aperta Emmy ainda mais.
— Não precisa — responde ela por cima do ombro. — A gente
volta em algumas horas.
— Que horas? — pergunto.
Não costumo marcar horário com ela, mas estou pensando em
perguntar a Atlas o que ele está fazendo agora. Talvez a gente

possa almoçar, já que nós dois estamos de folga hoje e não vou estar com Emmy.
— Eu mando uma mensagem. Por quê? Vai sair? — pergunta. — Achei que você fosse apenas botar o sono em dia.
Não tenho coragem de lhe dizer que talvez eu vá sair com um cara. Ela ficaria me fazendo perguntas até muito depois de o jardim botânico fechar.
— Pois é, acho que vou só dormir mesmo. Mas deixo o celular ligado. Divirtam-se.
Minha mãe já saiu e está no corredor, mas Rob para e me olha.
— Lembre-se de parar o carro na mesma vaga. Se estacionar em outro lugar, ela vai perceber e vai fazer perguntas.
Rob dá uma piscadela, deixando evidente que me entende melhor do que ela.
— Valeu pela dica — sussurro.
Fecho a porta e vou procurar o celular. Arrumei Emmy para o passeio na pressa, então não olho o celular desde que encerrei a ligação com minha mãe. Tem uma chamada perdida de Atlas de vinte minutos atrás.
Sinto um frio de expectativa na barriga. Espero que ele esteja de folga hoje. Uso a câmera do celular para conferir minha aparência e faço uma chamada de vídeo para ele.
Na primeira vez que Atlas me ligou pelo FaceTime, eu detestei, mas agora essa me parece a opção mais natural. Sempre quero vê- lo. Gosto de ver o que está vestindo, onde está e as caras que faz quando diz as coisas que diz.
Já estou sorrindo quando ouço o som indicando que ele aceitou a chamada. Atlas ergue o celular e, quando finalmente entendo o que estou vendo, percebo que está numa cozinha que não conheço. Ela é branca, bem-iluminada e diferente da cozinha de que me lembro de quando visitei sua casa quase dois anos atrás.
— Bom dia — Atlas me cumprimenta.
Ele está sorrindo, mas parece cansado, como se tivesse acabado de acordar ou estivesse prestes a dormir.
— Oi.
— Dormiu bem? — pergunta ele.

— Dormi. Finalmente. — Semicerro os olhos tentando ver o que há atrás dele. — Você reformou a cozinha?
Atlas olha por cima do ombro e depois para mim.
— Eu me mudei.
— O quê? Quando?
— No início do ano. Vendi minha casa e encontrei um lugar mais
perto do restaurante.
— Ah. Que bom. — Mais perto do restaurante significa mais
perto de mim. Qual será a distância entre a gente agora? — Está cozinhando?
Atlas vira o celular para a bancada. Tem uma frigideira com ovos, uma pilha de bacon, panquecas e... dois pratos. Dois copos de suco. Sinto um aperto no coração.
— Quanta comida — comento, tentando disfarçar o imenso ciúme que estou sentindo.
— Não estou sozinho — explica ele, virando a tela para o rosto de novo.
Minha decepção deve ter ficado evidente, pois ele balança a cabeça na mesma hora.
— Não, Lily. Não é isso...
Atlas ri e parece nervoso. Sua reação é encantadora, mas não me tranquiliza por completo. Ele ergue um pouco mais o celular até eu conseguir ver quem está atrás dele. Não sei quem é, mas não é outra mulher.
É um garoto.
Um garoto igualzinho a Atlas, e ele está me encarando com seus olhos idênticos aos de Atlas. Ele tem um filho e eu não sei?
O que está acontecendo?
— Ela acha que sou seu filho — diz o menino. — Você está apavorando ela.
Na mesma hora, Atlas vira o celular para o próprio rosto. — Não é meu filho. É meu irmão.
Irmão?
Atlas move o celular para que eu veja seu irmão de novo. — Diga oi para a Lily.
— Não.
Atlas revira os olhos e me encara como que se desculpando.

— Ele é um pouco babaca — justifica, bem na frente do irmão caçula.
— Atlas! — sussurro, chocada com tudo que está sendo dito.
— Está tudo bem, ele sabe que é babaca.
Vejo o menino rir atrás dele, então percebo que ele sabe que
Atlas está brincando. Mas também estou confusa.
— Eu não sabia que você tinha um irmão.
— Nem eu. Descobri ontem à noite, depois do nosso encontro. Penso na noite de ontem e em como ficou óbvio que ele estava
chateado com a mensagem que recebeu, mas não fazia ideia de que era uma questão familiar. Acho que isso explica por que a mãe estava tentando falar com ele.
— Pelo jeito, você tem muito o que resolver hoje.
— Espere, não desligue ainda — pede ele. Atlas sai da cozinha e vai para outro cômodo para ter privacidade. Fecha a porta e se senta na cama. — Os pãezinhos só ficam prontos em dez minutos. Posso falar.
— Nossa. Panquecas e pãezinhos. Que menino de sorte! Meu café da manhã foi café preto.
Atlas sorri, mas é um sorriso fraco. Ele parecia de bom humor na frente do irmão, mas agora que estou sozinha com ele, percebo o estresse na maneira como está se portando.
— Cadê Emmy? — pergunta.
— Minha mãe vai ficar com ela por algumas horas.
Quando ele nota que nós dois não vamos trabalhar e que não
estou com Emmy, ele suspira como se estivesse desanimado.
— Então está com o dia de hoje livre?
— Tudo bem, a gente vai fazer tudo devagar, lembra? Além
disso, não é todo dia que você descobre que tem um irmão mais novo.
Atlas passa a mão no cabelo e suspira.
— Era ele que estava vandalizando os restaurantes.
Isso me surpreende. Preciso ouvir o resto da história.
— Foi por isso que minha mãe tentou me ligar na semana
passada. Ela queria saber se ele tinha falado comigo. Agora me sinto mal por ter bloqueado o número dela.

— Não tinha como você saber. — Estou de pé no meio da sala, mas quero estar sentada para esta conversa. Vou até o sofá e deixo o celular no braço dele, apoiando-o no suporte de dedo. — Ele sabia sobre você?
Atlas assente.
— Sabia, e achava que eu sabia da existência dele, e é por isso que estava descontando a raiva nos meus restaurantes. Tirando os milhares de dólares que me fez gastar, ele me parece um bom menino. Ou pelo menos parece ter potencial para ser um bom menino. Sei lá, ele passou pelas mesmas merdas que eu com minha mãe, então não sei como isso o afetou.
— Sua mãe também está aí?
Atlas balança a cabeça.
— Ainda não contei para ela que o encontrei. Falei com um
amigo que é advogado e ele disse que, quanto mais cedo eu contar, melhor; assim ela não vai poder usar isso contra mim.
Usar isso contra ele?
— Você quer tentar obter a guarda dele?
Atlas assente sem titubear.
— Não sei se é o que Josh quer, mas não consigo aceitar outra
opção. Sei o tipo de mãe que ela é. Ele mencionou que queria ir atrás do pai, mas Tim é ainda pior do que minha mãe.
— Você tem algum direito como irmão dele?
Atlas balança a cabeça.
— Somente se minha mãe deixar que ele more comigo. Não
estou nada a fim de ter essa conversa. Ela vai negar só para me irritar, mas... — Atlas suspira fortemente. — Se Josh ficar com ela, não vai ter nenhuma chance na vida. Ele já é mais calejado do que eu era com aquela idade. Mais raivoso. Fico com medo do que essa raiva pode virar se ele não tiver alguma estabilidade na vida. Mas não sei se consigo fazer algo assim. E se eu fizer mais merda com ele do que minha mãe?
— Isso não vai acontecer, Atlas. Você sabe que não.
Ele aceita meu consolo com um sorriso rápido.
— É fácil para você dizer isso. Você leva muito jeito para cuidar
da sua filha.

— Eu apenas sei fingir bem — admito. — Não faço ideia do que estou fazendo. Nenhum pai ou mãe sabe. Todos nós sofremos de síndrome do impostor e nos viramos como dá a cada minuto do dia.
— Por que isso é reconfortante e apavorante ao mesmo tempo?
— Você acabou de resumir a paternidade e a maternidade em uma frase.
Atlas expira.
— Acho melhor eu voltar e conferir se ele não está me roubando. Eu te ligo mais tarde, tá?
— Tudo bem. Boa sorte.
A maneira como Atlas articula silenciosamente a palavra tchau é sexy pra cacete.
Quando encerro a chamada, me deito e suspiro. Adoro como me sinto depois de falar com ele. Atlas me deixa toda boba e energizada e feliz, mesmo quando a chamada é tão maluca e caótica como essa de agora.
Queria saber onde ele mora. Eu passaria na casa dele só para fazer um delivery de abraço, assim como ele fez comigo na outra noite. Odeio o fato de Atlas estar lidando com isso, mas ao mesmo tempo fico feliz por ele. Não consigo imaginar sua solidão desde que o conheci, não tendo nenhum familiar em sua vida.
E pobre criança. É a história de Atlas se repetindo, como se um único menino sendo tão maltratado pela mãe não bastasse.
Meu celular apita, indicando uma nova mensagem. Sorrio quando vejo que é dele. Sorrio ainda mais quando vejo o tamanho da mensagem.
Obrigado por ser a parte mais reconfortante da minha vida neste momento. Obrigado por sempre ser o farol de que eu preciso toda vez que me sinto perdido, quer você queira me iluminar ou não. Eu me sinto grato pela sua existência. Estou com saudade. Deveria demais ter te beijado.
Estou cobrindo a boca com a mão quando termino de ler. Sinto emoções tão fortes que não sei como lidar.
Sorte de Josh ter você na vida dele neste momento.
Após alguns segundos, Atlas reage à mensagem com um coração. Então mando outra:
E você tem razão. Deveria demais ter me beijado.

Atlas reage com outro coração.

É assim que começa Where stories live. Discover now