11. Atlas

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Queria que o dia passasse mais rápido, então decidi ajudar na cozinha do Bib's, mesmo tendo chamado a equipe inteira para a noite de hoje. Agora estou fedendo a alho. É a terceira vez que tento esfregar as mãos para tirar o cheiro, mas não adiantou. Porém, se eu não sair agora, vou me atrasar para buscá-la.
Estamos indo devagar, então vou encontrá-la no trabalho dela, e não em seu apartamento. Não faço ideia de onde esteja morando agora, nem sei se ainda mora no mesmo prédio onde estive quase dois anos atrás, quando ela precisou de ajuda. Por algum motivo, não mencionamos as nossas casas quando conversamos. Ela provavelmente não sabe que vendi minha casa e me mudei para a cidade no início do ano. Estou curioso para saber a que distância estamos um do outro agora.
— Estou sentindo cheiro de perfume — Darin comenta depois de passar por mim. Ele para de andar na direção do freezer e se vira para me dar uma encarada. — Você passou perfume? Por que está arrumado?
Cheiro as mãos.
— Não estou com cheiro de alho?
— Não, está com cheiro de quem vai sair. Vai sair mesmo?
— Estou saindo. Mas volto mais ou menos na hora de fechar.
Pensei em passar a noite aqui e ver se consigo flagrar quem quer que esteja vandalizando os restaurantes.
Houve um período de vários dias de calmaria entre os incidentes, mas ontem à noite fomos atacados de novo, apesar de os estragos não terem sido grandes. Desta vez, a pessoa apenas espalhou o lixo por toda parte outra vez. É bem mais fácil limpar lixo do que refazer a pintura. Talvez seja porque Brad sempre traz Theo para ajudar. Eu deveria avisar a Theo que, quanto mais ele reclama de uma tarefa, mais provável é que ele seja obrigado a fazê-la.

Esta noite pretendo confrontar a pessoa que está causando os problemas para ver se consigo entender seus motivos e convencê-la a parar antes que seja preciso envolver a polícia. Tenho certeza de que a maioria das coisas pode ser resolvida com uma conversa simples e franca, em vez de uma intervenção dramática, mas não faço ideia de com quem estou lidando.
Darin se aproxima e diz em voz baixa:
— Com quem vai sair? Com a Lily?
Seco as mãos numa toalha e assinto.
Darin sorri e se afasta. É bom ver que meus amigos gostam de
Lily. Eles a mencionaram algumas vezes depois da nossa noite de pôquer, mas acho que notaram que aquilo me incomodou. Eu não gostava de falar da Lily quando ela não fazia parte da minha vida.
Agora, no entanto, é possível que ela esteja de volta. Talvez. É por isso que estou tão nervoso, pois sei que sair comigo esta noite é um grande risco para ela. Se as coisas entre nós progredirem, isso afetará sua vida de uma maneira negativa. Talvez seja por isso que, duas horas atrás, comecei a me sentir imensamente pressionado para garantir que nosso jantar esteja à altura dela.
Mas estou com cheiro de alguém que tem pavor de vampiros, então as coisas já não estão correndo muito bem.
Paro no estacionamento quando faltam cinco minutos para as 18h. Lily devia estar me esperando, pois sai da floricultura e tranca a porta atrás de si antes mesmo de eu sair do carro.
Assim que a vejo, fico ainda mais nervoso. Ela está linda. Está de macacão preto e salto alto. Lily veste o casaco e me encontra no meio do estacionamento.
Eu me aproximo e a cumprimento com um beijo rápido na bochecha.
— Você está maravilhosa.
Juro que ela cora um pouco depois que digo isso.
— Estou mesmo? Não dormi ontem à noite. Parece que estou
com cara de uma senhora de noventa anos.
— Por que não dormiu?
— Emmy passou a noite inteira com febre. Ela está melhor
agora, mas... — Lily boceja. — Desculpe. Acabei de tomar café,

daqui a pouco o efeito bate.
— Tudo bem. Eu não estou cansado, mas estou com cheiro de
alho.
— Eu gosto de alho.
— Que bom.
Lily se inclina para trás e olha para a própria roupa.
— Eu não sabia o que vestir, nunca fui a esse restaurante.
— Nem eu, então não faço ideia. Mas posso apostar que vai se
sair bem.
Escolhi um restaurante novo que eu estava querendo conhecer.
Fica a uns quarenta e cinco minutos de carro, mas imaginei que assim teríamos tempo de botar a conversa em dia no caminho.
— Tenho um presente para você — anuncia ela. — Está no meu carro. Vou pegar.
Eu a acompanho até o carro e a vejo pegar alguma coisa no porta-luvas. Quando ela me entrega, não consigo deixar de sorrir.
— É seu diário?
Ela leu outro trecho curto para mim ontem à noite, mas ficou tão envergonhada de ler em voz alta que preferiu parar.
— É um deles. Vamos ver como vai ser a noite antes que eu te dê o outro.
— Sem pressão.
Acompanho-a até meu carro e abro a porta do carona para Lily. Ela começa a bocejar de novo enquanto fecho sua porta.
Eu me sinto mal, como se talvez ela estivesse cansada demais para o nosso jantar. Não faço ideia de como é cuidar de uma criança. Parece egoísmo da minha parte não sugerir que remarquemos, então, antes de dar a ré, eu digo:
— Se você preferir voltar para casa e dormir, podemos sair no próximo fim de semana.
— Quero que tenhamos o nosso encontro, Atlas. Vou dormir quando estiver morta. — Ela afivela o cinto de segurança. — Você está mesmo com cheiro de alho.
Acho que está brincando. Ela costumava fazer muitas piadas quando éramos mais jovens. Era uma das coisas de que eu mais gostava nela: Lily sempre parecia estar de bom humor, apesar de todas as coisas ruins que a cercavam. É a mesma força que admirei

É assim que começa Where stories live. Discover now