25. Atlas

47 2 0
                                    

— Que horas você chegou ontem à noite? — pergunta Josh.
Ele está se arrastando pela cozinha usando duas meias diferentes. Uma delas fui eu que comprei para ele, e a outra é minha. Theo e Josh estavam dormindo quando cheguei, mas mesmo assim acordei três horas antes deles. Brad veio buscar Theo
uns vinte minutos atrás.
— Não é da sua conta. — Aponto para a mesa onde está seu
dever de casa, que ele ainda não terminou. Josh me prometeu que terminaria ontem se eu deixasse Theo dormir aqui, mas imagino que os video games e os mangás e os animes o atrapalharam. — Você não fez o dever de casa.
Josh olha para a pilha de papéis e depois para mim.
— Não.
— Vá terminar — digo com firmeza, mas não faço ideia de como
fazer isso.
Nunca precisei mandar uma criança ir fazer o dever de casa
antes. Nem sei como deixá-lo de castigo se ele não fizer. Sinto como se estivesse atuando. Estou mesmo. Sou um impostor.
— Não estou evitando — admite Josh. — É que não sei fazer.
— É difícil demais? O que é, matemática?
— Não, o de matemática eu fiz. Matemática é fácil. É esse
caralho que eu preciso fazer para a aula de computação que é difícil.
— Cacete — digo, corrigindo-o, eu acho... Talvez "cacete" seja igualmente ruim.
Sento-me ao lado de Josh para ver com o que ele está tendo dificuldade. Ele empurra o dever para mim e eu dou uma olhada.
É uma pesquisa sobre ancestralidade. São cinco coisas para fazer ao longo do trimestre, e uma delas é uma árvore genealógica que devia ter sido entregue na sexta-feira passada. Ele também tem

um trabalho sobre gerações para a próxima sexta, usando um site sobre ancestralidade.
— É pra gente encontrar nossos parentes usando um site. Não sei o nome de nenhum deles, nem por onde começar — admite. — Você sabe o nome de alguém?
Balanço a cabeça.
— Não. Conheci o pai de Sutton uma vez, mas ele faleceu quando eu era criança. Nem me lembro do nome dele.
— E os pais do meu pai? — pergunta Josh.
— Também não sei nada sobre a família dele.
Josh pega os papéis comigo.
— Eles deviam parar de pedir para as crianças fazerem coisas
assim. As famílias são diferentes hoje em dia.
— Pior que você está certo.
Ouço uma notificação de mensagem vindo do meu celular na
cozinha, então me levanto para ir ver.
— Você tentou encontrar meu pai pra mim? — pergunta Josh. Eu tentei, mas Tim não respondeu à mensagem de voz que lhe
deixei. Só não quero contar isso para Josh, pois sei que ele vai se decepcionar. Pego meu celular, mas volto para perto de Josh antes de olhar a mensagem.
— Ainda não tive tempo de investigar a fundo. Tem certeza de que quer que eu faça isso?
Josh assente.
— Talvez ele queira falar comigo. Aposto que Sutton fez de tudo para manter a gente longe um do outro.
Sinto uma pontada de preocupação no peito. Tinha esperanças de que Josh estivesse se sentindo tão confortável aqui que não quisesse mais encontrar o pai, mas era uma esperança tola. Ele é um menino de doze anos. É óbvio que quer encontrar o pai.
— Vou te ajudar a encontrá-lo. — Aponto para os papéis. — Mas, por enquanto, faça o que der para a pesquisa. Apenas tente, pois eles não podem te dar uma nota ruim por você não conhecer seus avós.
Josh se inclina por cima do dever de casa, e eu finalmente olho a mensagem. É de Lily.
Posso te ligar?

Lily deveria saber que pode me ligar a qualquer segundo do dia e eu vou atender. Levo o celular para o quarto e ligo para ela sem responder a mensagem. Ela atende ao primeiro toque.
— Oi — diz ela.
— Olá.
— O que está fazendo?
— Ajudando Josh com o dever de casa. Tentando fingir que não
estou pensando em você. — Ela fica quieta depois que digo isso, então percebo na mesma hora que há algo de errado. — Você está bem?
— Estou, é que... não quero ir para casa. Será que posso dar uma passada aí?
— Claro que sim. Emmy ainda está com sua mãe?
Ela suspira.
— Esse é o problema. Ela está aqui comigo. Sei que é estranho,
mas eu explico quando chegar aí.
Se ela vai trazer Emerson para a minha casa, é porque há
mesmo algo de errado. Ela não queria de jeito nenhum que eu chegasse perto da filha antes de Ryle saber da gente.
— Vou mandar meu endereço por mensagem.
— Obrigada. Daqui a pouco eu chego aí.
Ela desliga, e eu me deito no colchão me perguntando o que
diabos aconteceu entre o momento em que saí da sua cama ontem à noite e esta ligação.
Será que ela leu minha carta? Será que eu disse algo errado? Ela está prestes a terminar tudo entre a gente?
Todas essas preocupações reviram meu estômago enquanto a
espero, mas minha maior preocupação é uma que prefiro afastar da mente: será que Ryle bateu nela?
Estou aguardando quando seu carro para aqui na frente, então vou encontrá-la do lado de fora. Quando Lily sai do carro, percebo na hora que há algo de errado. Mas acho que não tem a ver comigo, pois ela parece aliviada em me ver. Puxo-a para um abraço porque ela parece estar precisando.
— O que aconteceu?

Lily põe as mãos no meu peito e se afasta para me olhar. Parece estar hesitando em falar. Ela olha o banco de trás para conferir como está a filha, que dorme na cadeirinha.
E então começa a chorar. Ela encosta o rosto no meu peito e soluça na minha camisa, e é realmente de partir o coração. Pressiono os lábios no seu cabelo e lhe dou um instante.
Lily não precisa de muito tempo. Ela se recompõe com bastante rapidez e enxuga os olhos.
— Desculpe — lamenta ela. — Passei a manhã inteira segurando o choro desde que Ryle saiu lá de casa.
A menção ao nome dele faz minhas costas se enrijecerem. Sabia que tinha a ver com ele.
— Ele sabe da gente — revela.
— O que aconteceu? — Preciso de todas as minhas forças para ficar parado aqui em vez de sair correndo atrás dele. Meus ossos parecem estalar de raiva. — Está machucada?
— Não. Mas ele está muito chateado, e não quero ficar sozinha em casa no momento. Sei que eu ainda não devia trazer Emmy para perto de você, mas me sinto mais segura com ela aqui do que se Ryle tentasse passar lá em casa e levá-la. Desculpe, só não quero estar num lugar onde ele possa me encontrar.
Levanto seu rosto para que ela possa me encarar.
— Gosto que esteja aqui. Vocês duas. Pode passar o dia inteiro se quiser.
Ela expira e pressiona os lábios nos meus.
— Obrigada. — Lily vai até o banco de trás para tirar a filha da cadeirinha. Emerson nem acorda. Está com o corpo mole nos braços da mãe, apagada. — Ela passou um tempo no parquinho, está exausta.
Encaro Emerson admirado, ainda surpreso com o quanto ela se parece com Lily. Ela é a cara da mãe, e acho excelente que não tenha puxado ao pai.
— Precisa que eu pegue alguma coisa?
— A bolsa maternidade está no banco do passageiro.
Pego a bolsa e nós entramos em casa. Josh olha por cima do
ombro quando me ouve entrar. Lily acena para ele, e ele a

cumprimenta de volta, mas, quando percebe Emerson, se vira completamente na cadeira.
— É um bebê — diz ele.
— É, sim — responde Lily. — O nome dela é Emerson.
Josh me olha.
— É sua filha? — Com o marcador permanente na mão, ele
aponta para Emmy. — Ela é minha sobrinha?
Lily ri, um pouco constrangida.
Deveria ter avisado a Josh antes de elas chegarem.
— Não, eu não sou pai, e você não é tio.
Josh nos encara por um minuto, depois dá de ombros e diz:
— Tudo bem.
Ele se vira e volta a prestar atenção no dever de casa.
— Foi mal por isso — digo baixinho. Deixo a bolsa de Emerson
perto do sofá. — Quer que eu pegue um cobertor para ela?
Lily faz que sim, então pego uma manta grossa no armário do corredor e a coloco no chão, ao lado do sofá. Dobro-a para que fique mais espessa, e Lily coloca Emerson em cima. Emerson
dorme o tempo todo.
— Não se engane, ela tem o sono bem leve.
Lily tira os sapatos e se senta no sofá, em cima dos pés. Sento
ao seu lado, esperando que esteja no clima para me contar o que aconteceu, pois preciso saber o motivo de ela estar assustada.
Josh não consegue nos ver da sala de jantar, então dou um beijo rápido em Lily. Duvido que ele consiga nos escutar de onde está, mas sussurro, de todo jeito:
— O que aconteceu?
Ela suspira profundamente e se encosta no sofá, virada para mim.
— Ryle apareceu para buscar Emmy, e eu não o estava esperando. Ele viu nossas taças de vinho. Minhas roupas. Juntou dois mais dois e reagiu exatamente como eu temia.
— Como ele reagiu?
— Ficou furioso. Mas foi embora antes que a situação se tornasse feia demais.
Feia demais? O que isso significa? — Ele sabe que era eu?

Lily assente.
— Foi praticamente a primeira coisa que ele perguntou. Ryle ficou com raiva, e eu pedi para ele ir embora. E ele foi... mas...
Ela para de falar, e pela primeira vez reparo que sua mão está tremendo. Meu Deus, como eu o odeio! Puxo-a para perto de mim, deixando sua bochecha encostada no meu peito enquanto a abraço.
— O que ele fez que te assustou, Lily?
A mão dela está bem em cima do meu coração. Ela sussurra:
— Ele me empurrou contra a porta e ficou bem perto do meu
rosto e achei que ele ia me bater ou... sei lá. Mas ele não me bateu. — Ela deve ter sentido meu coração disparar no peito, pois ergue a cabeça e me olha. — Eu estou bem, Atlas. Juro. Depois disso, não aconteceu nada. É que faz muito tempo que não o vejo furioso daquele jeito.
— Ele te empurrou contra a porta. Isso não é nada.
Lily desvia o olhar e encosta a cabeça de novo no meu peito.
— Eu sei. Eu sei. É que não sei o que fazer depois disso. Não
sei o que fazer a respeito de Emmy. Eu estava quase deixando que ela dormisse na casa dele, e agora não quero nem que ele tenha direito a visitas sem supervisão.
— Ryle não merece visitas sem supervisão. Você precisa entrar na Justiça.
Lily suspira, e dá para perceber que essa deve ser a parte de sua vida que mais a estressa. Não consigo nem imaginar como deve ser para ela vê-lo ir embora com sua filhinha no carro, sabendo do que ele é capaz. Que bom que ela veio para cá hoje. Sei que, para ela, era importante esperar antes que eu convivesse com Emmy, mas ela tomou a decisão certa. Ryle poderia voltar para se desculpar e pegar Emmy, e ele a encontraria nos locais onde Lily costuma estar.
Aqui ele não vai encontrá-la. Além disso, Lily e eu sabemos que o que está acontecendo entre nós é pra valer. Ela não precisa se preocupar com a possibilidade de Emmy se apegar a mim e depois eu desaparecer. Enquanto Lily me quiser por perto, eu não vou a lugar nenhum.
Ela ergue o rosto para me olhar de novo, e tem uma mancha de rímel perto da sua têmpora. Eu a limpo.

— Esse conflito com ele... — prossegue. — Foi isso que tentei te avisar. Talvez isso se torne algo constante, sobretudo agora que ele sabe que você reapareceu na minha vida.
Ela diz isso como se estivesse me oferecendo uma oportunidade de cair fora. Como ela pode achar que eu cogitaria essa ideia?
— Você poderia ter cinquenta ex-maridos tentando infernizar a nossa vida. Enquanto eu tiver você, não vou ser afetado pela interferência de ninguém. Prometo.
Isso a faz sorrir pela primeira vez desde que chegou aqui. Não quero fazer nem dizer nada que faça sumir o seu sorriso, então mudo de assunto e não falo mais do patético do seu ex-marido.
— Está com sede?
Lily se afasta do meu peito e sorri ainda mais.
— Estou. Com sede e com fome. Por que outro motivo eu estaria
na casa de um chef?
Lily e Emerson estão aqui há umas quatro horas. Depois que Josh fez o que podia do dever de casa, ele começou a brincar com Emerson. Lily disse que ela começou a andar algumas semanas atrás, e Josh morre de rir quando ela o segue pelos cantos. Ele ficou andando por uma hora enquanto Emmy cambaleava atrás dele, mas agora ela pegou no sono de novo. Ela adormeceu no chão, do meu lado, com a cabeça na minha perna. Lily se ofereceu para tirá-la daqui, mas não deixei.
Estaria mentindo se dissesse que isso não me parece um pouco surreal. No fundo, sei que Lily e eu vamos dar certo. Ela é a pessoa certa para mim, e eu sou a pessoa certa para ela, e sei disso desde a semana em que nos conhecemos. Porém, quando olho para Emerson, sabendo que ela eventualmente vai se tornar uma parte bem importante da minha vida... Isso é algo grande. Talvez um dia eu seja seu padrasto. É provável que eu vá influenciar mais a sua vida do que seu pai biológico, pois Lily e eu vamos acabar morando juntos. Vamos acabar nos casando.
Jamais admitiria essas coisas em voz alta, pois pessoas como Theo diriam que estou me adiantando demais, mas a verdade é que já estou anos atrasado em relação ao ponto em que eu queria estar com Lily. Ao ponto em que poderia estar com ela.

Hoje é um dia importantíssimo, mesmo que eu passe meses sem ver Emerson. Hoje pode ser o primeiro dia que estou passando com alguém que, algum dia, pode vir a se tornar minha filha.
Ponho os fios finos de cabelo ruivo atrás da orelha de Emerson e tento entender de onde está vindo parte da raiva de Ryle. Ele deve imaginar como Lily estar com outra pessoa vai afetar seu relacionamento com Emerson. Lily está com Emerson na maior parte do tempo, então quem quer que Lily escolha para participar de sua vida também vai passar a mesma quantidade de tempo com Emerson.
Não estou justificando o comportamento de Ryle de maneira nenhuma. Se dependesse de mim, ele arranjaria um emprego no Sudão e a gente só precisaria lidar com ele uma vez ao ano.
Mas essa não é a realidade. Ryle mora na mesma cidade que a filha, e sua ex-esposa está com outra pessoa. Isso não deve ser fácil para ninguém. Por mais que eu entenda como isso deve ser difícil para ele, jamais vou entender como Ryle não percebe que é o único culpado aqui. Se ele tivesse sido um homem mais maduro, mais racional, Lily jamais o teria deixado. Ele estaria com a esposa e a filha, e eu e Lily nem estaríamos nos falando.
Estou preocupado por Lily. Receio que Ryle seja um pouco como minha mãe e que decida retaliar, brigando só por brigar mesmo, sem ter nenhum outro motivo.
— Você denunciou Ryle alguma vez? — pergunto, olhando para Lily.
Ela está sentada no chão ao meu lado, observando Emerson dormir na minha perna.
— Não.
Ouço um pouco de vergonha em sua resposta.
— Vocês dois têm um acordo de guarda compartilhada?
Ela assente.
— Tenho guarda total dela, mas há requisitos. Devido aos
horários dele, eu preciso ser flexível. Mas, tecnicamente, ele tem direito a ficar com ela dois dias por semana.
— Ele paga pensão?
Ela confirma.
— Paga. Ele nunca atrasou.

É um alívio saber que ele lhe proporciona ao menos isso, mas, depois de ouvir essas respostas, estou achando a situação de Lily ainda mais precária.
— Por quê? — pergunta ela.
Balanço a cabeça.
— Não é da minha conta.
É da minha conta? Eu nem sei. Estou tentando ir devagar e dar
espaço a Lily, mas essa parte de mim luta com outra: a parte que gostaria de protegê-la.
Lily ergue a mão e chama minha atenção.
— É da sua conta, sim, Atlas. Agora nós estamos juntos.
Sua resposta faz meu coração bater mais forte. Ela acabou de
oficializar tudo?
— Estamos mesmo? Juntos? — Sorrio e a chamo para perto de
mim, com as veias latejando. — Eu e você somos um casal, Lily Bloom?
Seus lábios sorriem colados aos meus. Ela assente enquanto me beija.
Acho que nós dois já sabíamos que éramos um casal bem antes de ontem à noite, mas, se a filha dela não estivesse dormindo na minha perna neste momento, eu provavelmente ergueria Lily e rodopiaria com ela de tão feliz que estou.
E de tão envolvido que estou.
A adrenalina que explodiu dentro de mim começa a diminuir, fazendo com que eu volte a pensar no que estava refletindo sobre antes de Lily declarar que éramos um casal.
Ryle. Guarda. Imaturidade.
A cabeça de Lily está no meu ombro, e sua mão está no meu peito, então ela sente quando respiro fundo. Ela ergue a cabeça e me olha com ansiedade.
— Diga logo.
— Dizer o quê?
— O que acha sobre a minha situação. Suas sobrancelhas estão
grudadas uma na outra, como se você estivesse preocupado com alguma coisa.
Ela ergue a mão e usa o dedão para desfazer a expressão séria do meu rosto.

— É tarde demais para avisar à Justiça que ele já representou um risco para você no passado? Talvez assim eles o impeçam de ter o direito de Emmy dormir na casa dele.
— Depois que duas pessoas chegam a um acordo de guarda compartilhada, não se pode mais usar provas do passado para modificá-lo. Infelizmente eu nunca o denunciei, então não posso usar a violência doméstica como argumento a esta altura.
Isso é uma pena. Mas entendo por que ela tentou manter a civilidade com ele naquela época. Temo apenas que isso acabe a afetando no futuro de uma maneira negativa.
— Na metade do tempo, Ryle está ocupado demais para ficar com ela ou até mesmo para que Emmy passe a noite com ele, na verdade. Duvido que vá tentar obter a guarda compartilhada dela em algum momento.
Cerro os lábios e assinto, esperando que Lily esteja certa. Não o conheço tão bem quanto ela, mas, pelo que já ouvi falar dele, Ryle parece ser rancoroso. E pessoas rancorosas costumam achar necessário retaliar. Pais e mães fazem isso o tempo todo. Um não gosta do que o outro está fazendo, ou da pessoa com quem o outro está saindo, e usa o filho como arma. E isso me preocupa. Consigo imaginar facilmente Ryle decidindo entrar na Justiça só para se vingar de Lily por ela estar comigo. E ele provavelmente conseguiria o que deseja. Ele nunca machucou Emerson, nunca foi denunciado por bater em Lily, nunca atrasou a pensão. E tem uma carreira bem- sucedida. Tem tudo isso a seu favor.
Quando olho para Lily, parece que ela está prestes a afundar no chão. Não queria chateá-la ainda mais falando disso.
— Desculpe. Não estou tentando ser pessimista. Podemos mudar de assunto.
— Você não é pessimista, Atlas. Você é realista, e eu preciso que seja assim. — Ela tira a cabeça do meu ombro e dá uma olhada em Emmy, que ainda está dormindo na minha perna. Depois Lily se aconchega em mim de novo, suspirando baixinho. — Sabe, mesmo que eu tivesse denunciado Ryle e tentado obter guarda unilateral, minhas chances eram poucas. Ele não tem antecedentes criminais e tem dinheiro para conseguir os melhores advogados. Quase todos os advogados com quem conversei me encorajaram a resolver a

situação amigavelmente, pois já tinham visto casos como o nosso, e o acordo que Ryle aceitou naquela época era a minha melhor opção.
Seguro sua mão e entrelaço meus dedos nos seus. Lily enxuga uma lágrima que escorre pela bochecha. Estou odiando ter mencionado esse assunto, mas esses medos já estão dentro dela. Acho importante que ela pense neles, pois precisa estar um passo à frente de Ryle.
— O que quer que aconteça, você não vai mais enfrentar isso sozinha.
Lily sorri em agradecimento.
Emerson começa a acordar na minha perna. Abre os olhos e me encara, procurando Lily logo em seguida. Ela vai direto para a mãe, passando por cima de mim. Quando está no colo de Lily, ergo a perna e a alongo. Passei mais de meia hora sem poder mexê-la, e agora ela está dormente.
— É melhor a gente ir — anuncia ela. — Só de estar aqui com ela já me sinto culpada. Eu ficaria furiosa se Ryle a levasse para conhecer uma namorada dele sem que eu soubesse.
— Acho que a situação de vocês dois é um pouco diferente. Ryle não está precisando procurar um lugar seguro para esconder a filha durante o dia por ter medo do seu pavio curto. Não seja tão dura assim consigo mesma.
Lily me olha com gratidão.
Ajudo-a a pegar suas coisas e a acompanho até o carro. Depois que Emerson está na cadeirinha, Lily se aproxima para se despedir. Ponho os dedos nos seus quadris e a puxo para perto. Abaixo a cabeça, roçando seu nariz, e depois encosto meus lábios nos seus. Dou um beijo bem intenso, querendo que ela o carregue consigo enquanto volta para casa.
Coloco as mãos nos bolsos de trás de sua calça jeans e aperto sua bunda. Isso a faz rir. Depois ela suspira melancolicamente.
— Já estou com saudade.
Faço que sim.
— Também tenho sentido muita saudade — admito. — Eu estou
meio que obcecado por você, Lily Bloom.
Beijo sua bochecha e depois me forço a soltá-la.

Este é o único aspecto negativo de finalmente estar com a pessoa com quem você deveria estar: você passa anos desejando ficar com ela e, quando ela enfim se torna uma parte importante da sua vida, de alguma maneira isso dói ainda mais.

É assim que começa Where stories live. Discover now