23. Atlas

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Eu realmente deveria voltar para casa, mas é tão difícil sair desta cama depois das últimas duas horas com ela. Depois do sofá, foi a vez do chuveiro. Agora nós dois estamos cansados demais para fazer qualquer coisa além de falar.
Lily está deitada de costas, com os braços sob a cabeça. Está me encarando, ouvindo atentamente enquanto conto da minha reunião de ontem com o advogado.
— Ele disse que fiz certo em levá-lo ao hospital. Eles foram obrigados a chamar o Conselho Tutelar. Mas não sei o que acho disso. Assim o poder fica nas mãos do governo. E se eles não acharem que sou a melhor opção para Josh?
— Por que eles achariam isso?
— Eu trabalho demais. Não sou casado, então Josh vai passar um tempo sozinho. E não tenho experiência cuidando de crianças. Talvez eles achem que é melhor Josh ficar com Tim, já que ele é o pai biológico. Eles podem até devolvê-lo para minha mãe. Nem sei se o que ela fez é suficiente para perder a guarda.
Lily se aproxima de mim e beija meu antebraço.
— Vou te dizer uma coisa que você me disse na nossa primeira chamada de vídeo. Você disse: "Você está estressada com coisas que nem aconteceram ainda."
Comprimo os lábios por um instante.
— Eu realmente disse isso.
— Disse, sim — confirma ela. Lily se aconchega em mim,
colocando a perna por cima da minha coxa. — Vai dar tudo certo, Atlas. Você é a melhor opção para ele, e qualquer pessoa que dê atenção ao caso vai perceber isso. Prometo.
Eu me acomodo em torno dela, deixando sua cabeça sob meu queixo. É incrível que, apesar de termos passado por muitas mudanças físicas desde a adolescência, nós ainda nos encaixamos perfeitamente um no outro.

— Eu estava querendo te perguntar uma coisa — diz ela, afastando-se o suficiente para me olhar. — Se você se lembra da nossa primeira vez? Do que aconteceu mais tarde naquela noite? Depois que meu pai bateu em você?
O fato de ela estar pensando nisso não me surpreende, porque isso também passou pela minha cabeça. É a primeira vez que ficamos juntos desde aquela noite que teve um fim tão terrível, então é difícil não comparar os dois momentos.
O último texto que ela escreveu no diário era sobre isso. Foi difícil lê-lo e ver o quanto ela estava sofrendo. Como eu queria que aquela noite tivesse acabado melhor!
— Não me lembro de muita coisa daquela noite — admito. — Acordei no hospital no dia seguinte, confuso. Sabia que quem me bateu tinha sido seu pai, isso eu lembrava, mas não fazia ideia se ele tinha feito a mesma coisa com você. Apertei a campainha do meu leito várias vezes e, como ninguém apareceu no meu quarto, fui mancando até o corredor, com o tornozelo quebrado. Estava agitado, perguntando se você estava bem, mas a pobre da enfermeira não fazia ideia do que eu estava falando.
Lily se aconchega mais em mim enquanto falo.
— A enfermeira finalmente me acalmou o suficiente para conseguir obter suas informações comigo, depois voltou para me avisar que somente eu tinha sido trazido. Ela me perguntou se seu pai era Andrew Bloom. Disse que sim e que gostaria de denunciá-lo. Quando lhe pedi para chamar um policial para o meu quarto, ela me olhou com pena. Eu me lembro exatamente do que ela disse. Suas palavras foram: "A lei está do lado dele, meu bem. Ninguém o denuncia. Nem mesmo a esposa."
Lily suspira no meu peito, então paro e dou um beijo no topo da sua cabeça.
— E depois? — sussurra ela.
— Eu o denunciei mesmo assim — digo. — Se eu não o denunciasse, sua mãe nunca teria saído daquela situação. Pedi para a enfermeira chamar um policial, e quando ele finalmente chegou naquela tarde, não foi para que eu prestasse meu depoimento. Ele estava lá para explicar que, se eles fossem prender alguém, não seria seu pai. O policial disse que seu pai poderia

mandar me prenderem por eu ter invadido casas e feito coisas à força com a filha dele. Foi exatamente o que ele disse, como se meu relacionamento com você fosse algo criminoso. Passei anos me sentindo culpado por isso.
Lily me olha e toca minha bochecha.
— O quê? Atlas, você é apenas dois anos e meio mais velho do que eu. Você não fez absolutamente nada de errado.
É bom ouvi-la dizer isso, mas não muda o fato de que me senti culpado por ter causado problemas na vida dela. Mas também me senti culpado por tê-la deixado depois de causar esses problemas.
— Acho que nenhuma decisão que eu tomasse naquela época teria me parecido certa. Eu não queria ficar e fazê-la correr mais perigo aparecendo na sua casa de novo. E não queria ser preso porque assim eu não entraria para a Marinha. Achei que a melhor opção seria a gente se afastar, e depois, no futuro, eu te procuraria para ver se você ainda pensava em mim como eu pensava em você.
— Todos os dias — sussurra ela. — Pensei em você todo santo dia.
Acaricio suas costas por um tempo, depois passo os dedos em seu cabelo. Fico me perguntando como ela pode fazer com que eu me sinta tão inteiro se não fazia ideia de que, sem ela, eu era só metade de mim mesmo.
É óbvio que senti sua falta durante todos esses anos, e se pudesse tê-la trazido para a minha vida num passe de mágica, era o que teria feito num piscar de olhos. Porém, cada um tinha construído a própria vida sem o outro, ela com Ryle e eu com minha carreira, e eu imaginava que esse seria o nosso destino. Eu tinha me acostumado a viver sem ela. Agora que Lily voltou, entretanto, acho que nunca mais me sentirei completo de novo sem ela. Ainda mais depois desta noite.
— Lily — sussurro.
Ela não responde. Afasto-me um pouco e vejo que seus olhos se fecharam e que seu braço relaxou ao meu redor. Tenho medo de me mexer e acordá-la. Mas eu disse a Josh que voltaria somente umas duas horas depois do horário combinado, e já se passaram três horas. Nem sei se posso deixar dois meninos de doze anos sozinhos.

Quando perguntei se os dois ficariam bem sozinhos, Brad não viu nenhum problema nisso. E se ele nem deixa Theo ter celular, duvido que fosse permitir que eu os deixasse sozinhos se ele próprio já não tivesse feito o mesmo com Theo.
Talvez eu devesse pesquisar no Google a partir de que idade uma criança pode ficar sem supervisão em Boston.
Estou exagerando. É óbvio que eles estão bem. Nenhum deles ligou ou mandou mensagem por causa de alguma emergência, e às vezes crianças de doze anos até cuidam de outras crianças.
Acho que está tudo bem, mas preciso voltar mesmo assim. Ainda não conheço Josh o bastante, e não estou convencido de que ele não está dando a maior festa lá em casa agora. Lentamente, tiro o braço de baixo da cabeça de Lily e saio da cama. Visto-me no maior silêncio, depois procuro papel e caneta. Não quero acordá-la, mas não quero ir embora sem dizer nada. Especialmente depois da nossa noite juntos.
Encontro um caderno e uma caneta na gaveta da cozinha, então me sento à mesa e lhe escrevo uma carta. Quando termino, levo-a para o quarto e a coloco no travesseiro ao seu lado. Então lhe dou um beijo de boa-noite.

É assim que começa Where stories live. Discover now