É incrível como uma noite pode deixar de ser algo que eu queria que acontecesse havia anos para ser algo que eu temia havia anos.
Se eu não tivesse acabado de receber aquela mensagem enquanto estava deixando Lily, eu certamente a teria beijado. Mas não quero que haja nenhuma distração durante nosso primeiro beijo como adultos.
A mensagem era de Darin me avisando que minha mãe estava no Bib's. Não contei a Lily da mensagem porque ainda não tinha lhe contado que minha mãe estava tentando voltar para a minha vida. Então, assim que lhe contei que minha mãe tinha ligado, me arrependi. O encontro estava indo tão bem, e isso arriscava encerrá- lo de uma maneira tão triste.
Não respondi a Darin porque não queria interromper meu tempo com Lily. Porém, mesmo depois que o encontro acabou e que fomos embora nos nossos próprios carros, não respondi à mensagem. Passei meia hora dirigindo sem rumo, tentando resolver o que ia fazer.
Estou torcendo para que minha mãe tenha se cansado de me esperar. Demorei para voltar ao restaurante, mas agora estou aqui e preciso confrontar a situação. Ela parece querer falar comigo de qualquer forma.
Estaciono no beco atrás do Bib's para poder sair pela porta dos fundos caso ela esteja esperando na entrada do restaurante ou sentada a uma mesa. Não sei se ela me reconheceria se me visse, mas prefiro ter a vantagem de me aproximar dela nos meus termos.
Darin me vê entrar pelos fundos e se aproxima de mim na mesma hora.
— Recebeu minha mensagem?
Faço que sim e tiro o casaco.
— Recebi. Ela ainda está aqui?
— Está, insistiu em esperar. Coloquei-a na mesa oito.— Valeu.
Darin me olha cautelosamente.
— Talvez eu esteja passando dos limites, mas... juro que você
me disse que sua mãe tinha morrido.
Isso quase me faz rir.
— Eu nunca disse morrido. Disse que ela tinha partido. É
diferente.
— Posso dizer a ela que você não vai voltar aqui hoje. — Ele
deve estar sentindo a tempestade se formando.
— Pode deixar. Tenho a sensação de que ela só vai embora
depois que eu falar com ela.
Darin assente e se vira para voltar à sua estação na cozinha. Ainda bem que ele não fez muitas perguntas, pois não sei por
que ela está aqui nem quem ela é no momento. Deve estar querendo dinheiro. Caramba, eu lhe daria dinheiro se isso significasse não precisar mais lidar com suas ligações nem com suas visitas inesperadas.
Deveria ter me preparado para isso. Vou até o escritório e pego algum dinheiro no cofre, depois passo pelas portas da cozinha e entro no restaurante. Hesito antes de olhar para a mesa oito.
Quando olho, fico aliviado de ver que ela está de costas para mim.
Respiro fundo para me acalmar e vou até lá em seguida. Não quero abraçá-la nem fingir ser educado, então, depois que fazemos contato visual, eu me sento na frente dela de uma vez, sem esperar.
Quando me olha do outro lado da mesa, sua expressão de indiferença é a mesma de sempre. O canto da sua boca está um pouquinho voltado para baixo, mas é sempre assim. Embora não perceba, ela vive de cara fechada.
Parece cansada. Faz apenas uns treze anos que não a vejo, mas há décadas de novas rugas ao redor de seus olhos e de sua boca.
Ela me observa por um instante. Sei que mudei demais desde a última vez que me viu, mas minha mãe não demonstra nenhuma surpresa em relação a isso. Está completamente impassível, como se fosse eu que devesse falar primeiro. Não falo.
— Tudo isso é seu? — pergunta, finalmente, gesticulando para o restaurante.
Assinto.
— Nossa.
Qualquer pessoa que estivesse nos vendo acharia que ela está
impressionada. Mas ninguém a conhece como eu. Essa palavra foi para me esculachar, como se ela estivesse dizendo: "Nossa, Atlas. Você não é inteligente o bastante para ter algo assim."
— De quanta grana você precisa?
Ela revira os olhos.
— Não estou aqui porque quero dinheiro.
— Então o que foi? Precisa de um rim? De um coração?
Ela se recosta na cadeira, apoiando as mãos no colo.
— Esqueci o quanto era difícil conversar com você.
— Então por que ainda tenta?
Minha mãe semicerra os olhos. Ela só conhecia a versão de mim
que se sentia intimidada por ela. Não me sinto mais assim. Apenas zangado e decepcionado.
Ela bufa, depois traz os braços de volta para a mesa e os cruza, me olhando com atenção.
— Não consigo encontrar o Josh. Estava na esperança de que estivesse em contato com ele.
Sei que faz muito tempo que não vejo minha mãe, mas não consigo de jeito nenhum lembrar quem é Josh. Quem diabos é Josh? Um namorado novo que ela acha que eu devia conhecer? Será que ela ainda está usando drogas?
— Ele vive fazendo isso, mas nunca por tanto tempo assim. Se não voltar para o colégio, estão ameaçando me denunciar por causa das faltas.
Estou absolutamente perdido.
— Quem é Josh?
Ela joga a cabeça para trás, como que irritada por eu não estar
acompanhando.
— Josh. Seu irmão mais novo. Ele fugiu de novo. Meu... irmão?
Irmão.
— Sabia que os pais podem ser presos quando os filhos levam muitas faltas no colégio? Eu posso ser presa, Atlas.
— Eu tenho um irmão?
— Você sabia que eu estava grávida quando fugiu de casa.
Eu não sabia mesmo...
— Eu não fugi de casa, você me expulsou.
Não sei por que preciso deixar óbvio esse fato, ela sabe muito
bem disso. Está apenas tentando se esquivar da culpa. Mas agora faz muito mais sentido ela ter me expulsado naquela época. Eles estavam com um bebê a caminho, e eu não me encaixava mais naquele cenário.
Ergo os dois braços e entrelaço as mãos atrás da cabeça, frustrado. Chocado. Depois os encosto na mesa de novo e me inclino para a frente tentando entender.
— Eu tenho um irmão? Quantos anos ele tem? Quem é o... Ele é filho do Tim?
— Ele tem onze anos. E sim, Tim é o pai, mas ele foi embora anos atrás. Nem sei mais onde ele mora.
Espero a ficha cair por completo. Eu estava esperando qualquer coisa, menos isso. Tenho tantas perguntas, mas o mais importante no momento é descobrir onde o menino está.
— Quando foi a última vez que o viu?
— Umas duas semanas atrás — responde.
— E você comunicou à polícia?
Ela franze o rosto.
— Não. É óbvio que não. Ele não desapareceu, está apenas
querendo encher meu saco.
Tenho que colocar a mão nas têmporas para não erguer a voz.
Ainda não entendo como ela me encontrou ou por que ela pensa que um menino de onze anos está tentando dar uma lição nela, mas agora meu único objetivo é encontrá-lo.
— Você voltou a morar em Boston? Ele desapareceu aqui? Minha mãe faz uma cara de confusão.
— Voltei a morar?
Parece que estamos falando duas línguas diferentes.
— Você voltou a morar aqui ou ainda mora no Maine?
— Ah, meu Deus — sussurra ela, tentando lembrar. — Eu voltei pra cá, tipo, uns dez anos atrás. Josh era apenas um bebê.
Ela está morando aqui faz dez anos?
— Eles vão me prender, Atlas.
O filho dela está desaparecido há duas semanas, e ela está mais
preocupada com a própria prisão do que com ele. Tem gente que não muda nunca.
— O que você precisa que eu faça?
— Sei lá. Estava esperando que ele tivesse entrado em contato com você e que talvez você soubesse onde ele estava. Mas se nem sabia que ele existia...
— Por que ele entraria em contato comigo? Ele sabe que existo? O que ele sabe?
— Além do seu nome? Nada. Você nunca esteve por perto.
A adrenalina me invade e fico chocado de ainda estar sentado na frente dela. Meu corpo inteiro está tenso quando me inclino para a frente.
— Deixe-me entender isso direito. Tenho um irmão mais novo que eu nem sabia que existia, e ele acha que eu não dava a mínima para ele?
— Não acho que ele pense muito em você, Atlas. Você esteve ausente durante a vida inteira dele.
Ignoro a alfinetada porque ela está enganada. Qualquer menino dessa idade pensa no irmão que ele acha que o abandonou. Tenho certeza de que ele me detesta. Cacete, é provável que seja ele que... merda. É óbvio.
Isso explica tanta coisa. Aposto meus dois restaurantes que é ele quem está por trás do vandalismo. E é por isso que a pronúncia errada me lembrou da minha mãe. O menino tem onze anos, tenho certeza de que ele é capaz de pesquisar minhas informações no Google.
— Onde você mora? — pergunto.
Ela praticamente se encolhe na cadeira.
— Estamos num período de transição de moradia, então
passamos os últimos meses no Risemore Inn.
— Fique lá para o caso de ele aparecer — sugiro.
— Não tenho mais dinheiro para ficar lá. Estou sem trabalho, então estou passando uns dias na casa de uma amiga.
Eu me levanto e tiro o dinheiro do bolso, depositando na mesa na frente dela.
— O número do qual você me ligou no outro dia... Era seu celular?
Ela assente, puxando o dinheiro da mesa e o colocando na mão.
— Eu ligo se descobrir alguma coisa. Volte para o hotel e tente conseguir o mesmo quarto de antes. Ele precisa que você esteja lá caso volte.
Minha mãe concorda, e pela primeira vez parece um tanto envergonhada. Deixo-a assimilando esse sentimento e saio sem me despedir. Espero que agora ela esteja sentindo ao menos uma parte do que me fez sentir durante anos. Do que ela provavelmente está fazendo meu irmão mais novo sentir.
Não consigo acreditar nisso. Ela foi lá e gerou outro ser humano e nem pensou em me contar?
Vou direto para a cozinha e saio pela porta dos fundos. Não tem ninguém no beco agora, então paro um instante para me recompor. Acho que nunca me senti tão perplexo.
O filho dela está andando sozinho pelas ruas de Boston, e ela espera duas semanas para tomar alguma atitude, cacete? Nem sei por que estou surpreso. É quem ela é. É quem sempre foi.
Meu telefone começa a tocar. Estou tão nervoso que quero atirá- lo na caçamba, mas, quando vejo que é Lily me ligando pelo FaceTime, eu me acalmo.
Deslizo o dedo na tela, pronto para lhe dizer que não é um bom momento, mas quando seu rosto surge, o momento parece perfeito. É um alívio ter notícias dela, embora faça apenas uma hora que a gente se despediu. Eu daria tudo para entrar no celular e abraçá-la.
— Oi — digo, tentando manter a voz tranquila, mas há uma rispidez que fica evidente.
Ela percebe, pois fica preocupada.
— Você está bem?
Faço que sim.
— Depois que voltei para o trabalho, tudo meio que deu errado.
Mas estou bem.
Ela abre um sorriso, mas um pouco triste.
— Pois é, minha noite também deu errado.
Não tinha percebido antes, mas parece que ela esteve chorando.
Seus olhos estão embaçados e um pouco inchados.
— Você está bem?
Ela se força a sorrir de novo.
— Vou ficar. Só queria te agradecer pela noite antes de ir dormir. Odeio o fato de ela não estar bem na minha frente agora. Não
gosto de vê-la triste. Isso me lembra muito de todas as vezes que a vi triste quando éramos mais jovens. Pelo menos naquela época eu estava perto o bastante para abraçá-la. Talvez eu ainda possa.
— Um abraço faria você se sentir melhor?
— É óbvio. Mas é só dormir que eu vou ficar bem. A gente se fala amanhã?
Não faço ideia do que aconteceu entre nosso encontro e esta ligação, mas ela parece completamente desanimada. Parece estar sentindo o mesmo que eu.
— Um abraço dura dois segundos, e assim você vai dormir bem melhor. Volto antes mesmo que eles percebam que saí. Qual é o seu endereço?
Um pequeno sorriso se espreita atrás de sua tristeza. — Vai dirigir oito quilômetros só para me abraçar?
— Eu correria oito quilômetros só para te abraçar. Isso faz seu sorriso aumentar ainda mais.
— Vou mandar meu endereço por mensagem. Mas não bata à porta com muita força. Acabei de colocar Emmy para dormir.
— Até daqui a pouco.