É desafiador ser a fornecedora de flores e convidada de um casamento. Passei o dia inteiro na correria para garantir que as flores do local estivessem posicionadas como Lucy queria. Além disso, vamos fechar a floricultura mais cedo por causa da cerimônia, então Serena precisou de ajuda para completar todas as entregas e colocá-las na van.
Quando Atlas chega ao meu prédio para me buscar, estou longe de estar pronta. Acabo de receber uma mensagem sua perguntando se deve subir. Tenho certeza de que Atlas está sendo cuidadoso porque, como tudo entre nós é muito recente, ele não sabe quem pode estar aqui caso bata à porta, nem se eu quero que os outros saibam que vou levá-lo ao casamento.
Hesitei em convidá-lo justamente por isso, mas tenho certeza de que, no casamento de Lucy, ninguém nem conhece Ryle. Nossos círculos sociais são diferentes. E ainda que alguém o conheça e que ele ouça falar que eu levei alguém, vale a pena correr o risco. Desde que Atlas topou vir comigo, eu não via a hora de esta noite chegar.
Pode subir, ainda estou me arrumando.
Atlas bate à porta do apartamento momentos depois. Quando a abro para que ele entre, sinto como se meus olhos pudessem dobrar de tamanho como em um desenho.
— Nossa.
Eu o encaro, todo arrumado com seu terno preto de grife. Ele fica parado no meio do corredor por mais tempo do que eu normalmente levo para convidar alguém para entrar, pois, quando estou na sua presença, eu me esqueço de coisas básicas, como ser educada.
Atlas está segurando um buquê, mas não são flores. São cookies.
Ele o entrega para mim.
— Imaginei que você já tivesse flores de sobra — explica.Ele se aproxima e me beija na bochecha, e sinto vontade de virar o rosto um pouquinho para que seus lábios encostem nos meus. Tomara que eu não precise ser paciente por muito mais tempo.
— Parecem perfeitos — digo, gesticulando para ele entrar. — Entre. Preciso de uns quinze minutos para me vestir.
Passei o dia tão ocupada que não tive tempo de comer. Desembrulho um dos cookies e dou uma mordida. Com a boca cheia, digo:
— Desculpe, mas estou morrendo de fome. — Aponto para o quarto. — Pode esperar comigo aqui no quarto enquanto me arrumo. Não vou demorar.
Atlas está olhando ao redor, observando tudo enquanto me acompanha até o quarto.
Meu vestido está estendido na cama, então o pego e vou ao banheiro. Deixo a porta entreaberta para que possamos conversar enquanto me troco.
— Onde está Josh?
— Você se lembra de Brad, da noite do pôquer?
— Lembro, sim.
— O filho dele, Theo, está lá em casa com Josh. Os dois
estudam na mesma escola.
— Ele está gostando de lá?
Não estou vendo Atlas, mas ele está mais próximo do banheiro
quando diz:
— Acho que sim.
Ele parece estar bem ao lado da porta. Ponho o vestido pela
cabeça e abro a porta um pouco mais. O vestido que escolhi é vinho, justo e de alcinha. Tem um xale que combina, mas ainda está pendurado no closet.
Atlas me observa quando apareço na porta. Ele me olha da cabeça aos pés, mas não lhe dou tempo de me elogiar.
— Pode subir meu zíper?
Viro de costas para ele e ergo o cabelo, mas o sinto hesitar. Ou talvez ele esteja apreciando o momento.
Alguns segundos depois, sinto seus dedos pressionarem minhas costas enquanto ele puxa o zíper. Minha pele se arrepia toda.
Quando termina, solto o cabelo e me viro para ele.
— Preciso me maquiar.
Começo a voltar para o banheiro, mas Atlas agarra minha
cintura.
— Vem cá — diz ele, me puxando até meu corpo colar no seu.
Ele admira meu rosto por alguns segundos, sorrindo prazerosamente. Sedutoramente. Como se estivesse prestes a me beijar. — Obrigado por me convidar.
Também sorrio.
— Obrigada por ter vindo. Sei que a semana foi agitada.
Os olhos de Atlas parecem cansados. O brilho habitual diminuiu
um pouco, como se ele estivesse estressado e precisasse de uma noite de folga. Não consigo deixar de tocar sua bochecha quando digo:
— A gente pode ir de Uber, se quiser. Parece que você está precisando de uma bebida.
Atlas toca na minha mão que está na sua bochecha. Ele inclina o rosto para poder beijar minha palma. Depois a afasta e entrelaça os dedos nos meus. Ele abre a boca para dizer alguma outra coisa, mas percebo o instante em que seus olhos veem minha tatuagem.
Atlas nunca tinha visto a tatuagem de coração no meu ombro — a que eu fiz porque ele sempre costumava me beijar ali. Ele a toca delicadamente, percorrendo seu contorno. Seus olhos se voltam para os meus.
— Quando foi que fez isso?
Minha voz falha, e tenho que limpar a garganta.
— Na faculdade.
Eu pensei muito neste momento, no que ele diria se a visse, no
que sentiria.
Atlas me fita em silêncio e depois olha a tatuagem de novo. Está
tão perto, que sinto sua respiração escoar pela minha clavícula. — Por que fez a tatuagem?
Foram muitos os motivos, mas decido dizer o mais óbvio.
— Porque... sentia sua falta.
Fico esperando que ele abaixe a cabeça e beije a área, como já fez tantas vezes. Que ele me beije. Que pressione a boca na minha para me agradecer em silêncio.
Atlas não faz nada disso. Ele continua encarando a tatuagem por um momento, mas depois me solta e se vira. Sua voz está fria quando diz:
— É melhor você terminar de se arrumar, senão a gente vai se atrasar. — Ele dá alguns passos na direção da porta do quarto e, sem olhar para trás, avisa: — Vou esperar na sala.
Parece que nem consigo respirar.
O comportamento inteiro dele mudou. Não era o que eu esperava de jeito nenhum. Fico parada no mesmo canto por alguns segundos miseráveis, mas depois me obrigo a terminar de me arrumar. Talvez eu tenha entendido errado sua reação e ela não tenha sido negativa. Talvez ele tenha gostado tanto que precisou de um tempo sozinho para assimilar tudo.
Seja qual for o motivo por trás de sua reação inesperada, contenho as lágrimas que ardem nos meus olhos durante todo o tempo em que tento me maquiar. É algo inevitável. Talvez eu esteja magoada, e eu não esperava que algo assim fosse acontecer esta noite.
Vou até o closet, encontro os sapatos e pego o xale, e estou quase que esperando nem encontrar mais Atlas quando saio do quarto, mas ele ainda está aqui. Está encostado na parede do corredor, olhando fotos de Emmy. Quando me escuta saindo, ele olha na minha direção e se vira para mim.
— Caramba. — Ele parece genuinamente contente por estar perto de mim de novo, e suas mudanças de humor me deixam um pouco confusa. — Você está linda, Lily.
Gosto do elogio, mas não consigo ignorar o que acabou de acontecer. E se tem uma coisa que aprendi no meu relacionamento anterior e ao testemunhar o relacionamento dos meus pais, é que eu me recuso a ficar com alguém que varre toda a sujeira para baixo do tapete. Eu quero que o tapete nem exista.
— Por que ficou chateado com a minha tatuagem?
Minha pergunta o surpreende. Ele mexe na gravata e parece procurar alguma desculpa, mas nada lhe vem à mente, e o corredor continua em silêncio, exceto pelo momento em que ele inspira de maneira irregular, vagarosa.
— Não foi a tatuagem.
— O que foi então? Por que está zangado comigo?
— Não estou zangado com você, Lily — diz Atlas, de maneira convincente, mas ele mudou depois de ver a tatuagem, e não quero que a gente já comece com mentiras.
Aparentemente nem ele quer isso, pois percebo que está pensando no que vai me dizer em seguida. Ele parece constrangido, como se não quisesse estar tendo essa conversa, ou pelo menos não agora.
Ele coloca as mãos nos bolsos da calça e suspira.
— Naquela noite em que te levei ao pronto-socorro, eles enfaixaram seu ombro enquanto a gente estava lá. — Sua voz parece sofrida, mas, quando seus olhos encontram os meus, o sofrimento em sua voz não é nada em comparação à aflição que vejo ali. — Ouvi quando você contou à enfermeira que ele te mordeu, mas eu não estava perto o bastante para ver que... — Ele para no meio da frase e engole em seco. — Não estava perto o bastante para ver que você tinha essa tatuagem e que ele mordeu... — Atlas para de falar de novo. Está tão chateado que nem consegue concluir a frase. Ele apenas diz outra coisa. — Foi por isso que ele te mordeu? Porque leu seus diários e descobriu que sua tatuagem era por minha causa?
Minhas pernas ficam bambas.
Entendo por que Atlas não queria conversar sobre isso. É um assunto intenso demais para um papo casual enquanto estamos de saída. Sinto o estômago revirar e pressiono a palma da mão na barriga, preparada para responder, mas é difícil falar disso. Sobretudo quando sei o quanto Atlas está se chateando por minha causa.
Não quero magoá-lo, mas também não quero mentir para ele, nem proteger Ryle de alguma maneira. Porque Atlas tem razão. Foi exatamente por isso que Ryle fez o que fez, e odeio o fato de que agora Atlas sempre vai associar minha tatuagem àquela lembrança terrível.
A ausência de uma resposta minha serve de confirmação para ele. Atlas estremece e me dá as costas. Vejo que se obriga a respirar fundo para manter a calma. Ele parece querer explodir, mas Ryle não está aqui para ser o alvo de sua explosão.
Atlas está furioso, mas é um tipo de raiva que não me dá medo.
Percebo a importância deste momento. Estou sozinha com um homem furioso no meu apartamento, mas sem temer pela minha própria vida, pois ele não está com raiva de mim. Está com raiva da pessoa que me feriu. É uma raiva protetora, e há uma diferença imensurável entre as minhas reações à raiva de Ryle e a minha reação à raiva de Atlas.
Quando Atlas se vira de novo para mim, vejo seu maxilar retesado e suas veias saltando quando diz:
— Como poderei ser civilizado com ele, Lily? — Há culpa em sua voz quando diz: — Eu deveria ter ficado do seu lado. Deveria ter feito mais.
Compreendo sua raiva, mas Atlas não precisa sentir nenhuma culpa. Naquele momento da minha vida, não havia nada que ele pudesse ter dito ou feito para me fazer mudar de opinião em relação a Ryle. Isso foi algo que precisei fazer sozinha.
Eu me aproximo de Atlas e me encosto na parede, virada para ele. Ele faz o mesmo na parede oposta, então ficamos um de frente para o outro. Ele está lidando com muitas emoções no momento, e quero lhe dar espaço para que o faça. Porém, também tenho muito a dizer a respeito da culpa que está sentindo.
— A primeira vez que Ryle me bateu foi porque eu ri dele. Eu estava um pouco bêbada, e achei que uma coisa era engraçada quando não era. Então ele me bateu com as costas da mão.
Atlas precisa desviar o olhar depois de me ouvir dizer isso. Não sei se ele quer saber desses detalhes, mas faz um bom tempo que eu queria lhe contar tudo isso. Ele continua na mesma posição, mas parece estar usando todas as suas forças para não sair correndo atrás de Ryle neste exato momento. Quando me encara de novo, esperando que eu termine de falar, seus olhos estão atentos.
— Na segunda vez, ele me empurrou escada abaixo. A discussão começou porque ele encontrou seu número escondido na capa do meu celular. E quando me mordeu no ombro... Você tem razão. Foi porque tinha lido os diários e descoberto que minha tatuagem era por sua causa e que o ímã que eu deixava na geladeira tinha sido um presente seu. — Olho para baixo rapidamente, pois é difícil ver o quanto Atlas está ficando abalado.
— Antes eu pensava que as coisas que eu fazia justificavam as reações dele. Como se, caso eu não tivesse rido, talvez ele não tivesse batido em mim. Se eu não tivesse seu número no meu celular, talvez ele não tivesse ficado tão furioso a ponto de me empurrar da escada.
Atlas nem está mais me olhando. Está com a cabeça encostada na parede, encarando o teto, assimilando tudo, paralisado pela raiva.
— Sempre que eu começava a me sentir culpada e a justificar as ações de Ryle, eu pensava em você. Eu me perguntava qual teria sido sua reação e a comparava à de Ryle. Porque eu sabia que teria sido diferente. Se eu tivesse rido de você nas mesmas circunstâncias em que ri de Ryle, você teria rido comigo. Você nunca teria me batido. E se qualquer homem do mundo inteiro me desse o número dele para me proteger de alguém que ele temia ser perigoso, você lhe agradeceria por ter feito isso. Você não teria me empurrado numa escada. E se os diários que eu deixei você ler falassem de um garoto do meu colégio que não fosse você, você teria tirado sarro de mim. Provavelmente teria sublinhado as frases que achasse bregas e riria delas comigo.
Paro de falar até o momento em que Atlas me olha de novo, então concluo:
— Sempre que eu duvidava de mim e pensava que merecia o que Ryle tinha feito, tudo o que eu precisava fazer era pensar em você, Atlas. Pensava em como cada situação teria sido diferente se fosse com você, e isso me ajudava a lembrar que nada daquilo era culpa minha. Você é um dos maiores motivos pelos quais eu consegui enfrentar aquilo, mesmo sem estar presente.
Atlas assimila tudo que eu disse por uns cinco segundos, mas depois se aproxima de mim e me beija. Finalmente. Finalmente.
Sua mão direita envolve minha cintura enquanto ele me puxa para perto, com a língua delicada e morna deslizando em meus lábios e abrindo caminho entre eles. Sua mão esquerda serpenteia pelo meu cabelo até a palma se ajustar na parte de trás da minha cabeça. Um carretel de desejo começa a se desenrolar dentro de mim.
Não há nenhuma hesitação em seu beijo. Sua boca encontra a minha com confiança, e a minha reage a ela com alívio. Puxo-o, querendo absorver seu calor. Sua boca e seu toque são familiares, porque já fizemos isso antes, mas ao mesmo tempo é algo completamente novo, pois este beijo é composto de ingredientes completamente novos. Nosso primeiro beijo era composto de medo e inexperiência juvenil.
Este beijo é esperança. É conforto e segurança e estabilidade. É tudo que estava faltando na minha vida adulta, e estou tão feliz que Atlas e eu temos um ao outro novamente que poderia até chorar.