CAPÍTULO 2

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A primeira coisa que preenche a minha mente é o som do alarme do celular no bolso da minha calça. Eu agradeci a todos os deuses existentes por não ter caído de cara dentro do vaso sanitário e sim ao lado dele, mesmo levemente tonto eu percebi isso e fui com a mão na direção do celular e assim que o peguei desativei o alarme e vi que eram exatamente seis horas, nesse instante sei que vou chegar atrasado, o alarme toca às cinco horas, provavelmente ficou tocando durante uma hora inteira. Rapidamente me levanto tomando cuidado para não escorregar nos restos de vômito que tem no chão, dou descarga no vaso para o fedor diminuir e começo a ligar o chuveiro pra usar sua água para limpar o chão do banheiro. Assim o faço e então começo a me arrumar para mais um dia de serviço.

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Eu me ajeitei da maneira mais eficiente possível e agora estou dirigindo o mais rápido que posso, sim eu sei que eu disse que eu geralmente ando de metrô, mas também falei que há exceções e ir para o batalhão é uma delas. Não me agrada muito ir dirigindo, já que o trânsito nessa hora está em ascensão e é nisso que estou parado agora, um pequeno engarrafamento na avenida próxima ao batalhão. Minhas mãos suam e eu fico batendo os dedos no volante do meu Landau ao ponto em que é possível escutar o som dos batuques. Já passou das sete, estou cerca de dez minutos atrasado, não é grande coisa, mas para alguém com meu histórico é algo a se preocupar, não tenho sido o cara mais pontual do mundo nos últimos meses, posso dizer que ter visitado a última cena do crime de Seis em primeira mão me deixou "lelé da cuca", mas antes disso eu já não estava muito bem da cabeça. Pra ser sincero eu não sei o que está acontecendo comigo, desde que passei no concurso e me tornei policial parece que meu estado mental é de degradação, realmente é um trabalho cansativo, perigoso, arriscado e complexo, muda qualquer um e pode tirar muitos da zona de conforto mental, mas no meu caso isso é exagerado demais, eu não costumava beber tanto, nem me lembro da última vez que me atrasei antes de entrar para a polícia. Como uma possível resposta minha mente vagueia para as memórias cinzentas em relação a minha mãe biológica, aquela cena de ontem acontece mais vezes do que eu gostaria, uma memória aleatória daquela época desgraçada da minha vida vem à tona e me faz fazer coisas que nem eu consigo explicar.

Graças aos deuses o semáforo ficou menos engarrafado nesse instante e o trânsito começou a fluir mais rápido, me impedindo de pensar. Enquanto saio dou uma olhada no celular e vejo que já era quase sete e meia, uma guinada de ansiedade me aflige e eu sigo de maneira mais abrupta até acelerar o velho carro a ponto dele quase pedir arrego, ultrapasso alguns carros e sigo na avenida até consequentemente chegar ao batalhão de polícia em que devo me apresentar. Pela dose de adrenalina no meu sangue neste momento não sinto sono ou cansaço, mas sei que isso é temporário e que daqui a pouco estarei muito exausto, percebendo isso aproveito para acelerar os procedimentos e ir logo para viatura com Martha.

Enquanto faço os procedimentos padrão antes de entrar em mais um dia de trabalho, meu chefe, Coronel Vicente Dutra, ou como é chamado Coronel Dutra apareceu quase que como um fantasma atrás de mim dizendo:

- Novamente atrasado Moura? - Sua voz imponente percorre por todos os poros do meu corpo e eu quase senti um arrepio, porém mantive a mesma pose enquanto organizava as coisas na viatura - Passa na minha sala assim que seu plantão acabar.

Assim que me viro, presto a devida continência, Coronel Dutra é um homem rústico, bruto e sistemático, cobra tudo que está no papel de maneira linear, mas lá no fundo é um cara gente boa. Ele me encara esperando uma resposta e eu digo:

- Sim senhor -Ele se vira de costas, começa a sair e antes que fique longe eu continuo dizendo - Peço perdão pelo atraso senhor, não irá se repetir.

- Já estou cansado dessa resposta Moura, invente outra - Ele diz enquanto caminha de costas pra mim indo na direção de dentro do batalhão.

Eu abaixo a cabeça num gesto de pesar e logo volto a organizar as coisas na viatura, nesse exato momento vejo Martha se aproximar com uma cara de emburrada, ela tem cerca de 1,85 (praticamente a minha altura) pele e olhos claros, cabelo amarrado em coque com o bibico da polícia, garanto em dizer que sua farda está bem melhor passada e organizada que a minha. Eu finjo que não a vi e fico olhando para os lados, até que na média distância ela diz:

- Vai precisar que eu vá na sua casa te acordar seu delinquente?

Eu sorrio olhando pro céu da manhã me lembrando de toda a merda que fiz antes de vir até aqui e digo:

- Só se você levar um fardo de cerveja pra mim, aí vou pensar no seu caso.

- Seu vagabundo cachaceiro - Ela se aproxima mais e estende a mão pra eu apertar, eu aperto - Vamo logo, já tem um pepino pra resolvermos agora.

- Ok - Eu ajeito os bancos da viatura e me preparo para dirigir, como Martha é uma patente maior que a minha eu preciso cumprir o papel de motorista.

Me sento com as mãos no volante, sinto que a direção é bem mais flexível que a do meu Landau, todas as vezes que entro de serviço percebo isso e agradeço por este carro ter a direção mais "mole" se não eu estaria fodido. Martha se senta ao meu lado e ajeita o rádio e escutamos a central dizer para o grupo de viaturas que eu pertenço:

- Houve um sequestro de duas garotas a cerca de dois dias - Tenho quase certeza que foi o mesmo sequestro que ouvi sobre assim que saí do plantão anterior - Fizemos um retrato falado com base no testemunho de algumas pessoas e alguns moradores do setor Jardim dos Lírios dizem ter visto o homem passar na rua João Dias - Fica perto da minha casa, um arrepio subiu por minha espinha neste exato instante - E agora a pouco pessoas dizem estar ouvindo gritos de garotas numa casa abandonada no fim da rua, achamos que pode ser ele.

A central passou uma descrição da casa abandonada e imediatamente liguei a sirene e saí do quartel o mais rápido possível em direção a rua João Dias no setor onde vivo: Jardim dos Lírios. Não vou mentir, é uma sensação boa dirigir cortando todos os carros e ultrapassando sem nenhum limite, pena que não posso fazer isso à paisana. Enquanto dirijo focado Martha diz enquanto parece ler um bloco de notas:

- Provavelmente seremos os primeiros da equipe a chegar lá - Ela passa uma das páginas do bloco de notas - Precisamos tomar cuidado, depois de Seis qualquer coisa pode significar que alguém como ele está agindo.

Eu assinto com a cabeça e continuo a dirigir da maneira mais eficaz que consigo com a sirene ligada, furo alguns sinais vermelhos, ultrapasso alguns carros e continuo seguindo o caminho até o local da ocorrência. Percebo que não há nenhuma relutância ou negação nas pessoas com relação a eu estar furando todas as faixas de pedestres e semáforos, sinto que a própria cidade está se abrindo para que eu chegue até o endereço, como se fosse algo sobrenatural ou são os próprios cidadãos de Aurora que estão com medo de algo acontecer novamente e por consequência disso estão sendo solícitos no trânsito.

Após alguns minutos chegamos a rua João Dias, pouco antes de chegar eu desligo a sirene e começo a dirigir mais devagar em busca de uma casa abandonada que bate com a descrição dada pela central, tarefa que não foi difícil já que foi possível ouvir gritos de garotas assim que passamos perto da casa.

ImperfeitoOnde histórias criam vida. Descubra agora