18. MEMOIRE DU MALHEUR

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maya povs

Respiro fundo, os ânimos à flor da pele enquanto a sensação de arrependimento reverberava em cada fibra nervosa.

Bastaram dez minutos.

Seiscentos segundos sentada naquela poltrona foram o suficiente para perceber que, eu simplesmente não poderia ir sem falar com ele, não poderia e nem deveria deixar essa cidade sem entender essa coisa inacabada que está me dilacerando.

Quando foi que me tornei uma covarde?

— Com licença — busco pela atenção da única aeromoça em nossa classe, enquanto ela explica algo pacientemente à uma senhorinha — Não quero te atrapalhar, é que, esqueci algo na sala de embarque e preciso muito voltar lá.

De repente, sinto como se fosse sufocar.

Não sou uma covarde.

Nunca fui uma covarde.

Não serei uma agora.

— Sinto muito, senhora. O processo de fechamento da aeronave já foi iniciado.

— Este não era o horário combinado, na passagem, a hora estava... — imploro — Droga, moça, eu preciso muito voltar lá.

Lampejos de pena e infelicidade passam por seu rosto e pelo da senhorinha quando até mesmo eu começo a me dar conta de que estou chorando.
Droga, já nem sou capaz de controlar.

— Se o seu objeto esquecido se tratar de eletrônicos ou documentações, posso dar-lhe um formulário para que preencha com seus dados e os do objeto para que nossa companhia tente localizá-lo através de nosso sistema de Achados e Perdidos.

Eu nunca havia andado de avião na vida antes dessa viagem mas devia haver uma maneira...
Ninguém deveria ser obrigado à permanecer onde não quer, certo?
Não há uma lei quanto à isso?

Retorno até o assento para buscar a bolsa  com meus itens na intenção de pesquisar sobre leis cabíveis para a situação, mas ao ligar o visor, acabo surpreendida com a chegada de uma nova mensagem.
Uma mensagem dele.

E eu que esperava um "cadê você?" ou algo ofensivo após ter saído covardemente daquela suíte, recebo algo que não deveria, que não achava justo.

Por quê Heung-Min Son não apenas confessa que está do lado de fora daquela aeronave, como também envolveu três palavras que nenhum homem jamais me disse durante dezenove anos de vida.

E acho que quero chorar quando cinco segundos depois de ler aquilo, os alto-falantes da aeronave transmitem o recado do piloto para desligarmos nossos aparelhos telefônicos e nos acomodarmos em nossos lugares pois iríamos decolar.








   Marselha parecia do mesmo jeito de sempre — Eu, por outro lado, já não era a mesma que saíra daqui quinze dias antes.

Mesmo ambos os climas chuvosos e neblinados já não se pareciam em nada.

Droga, fui infectada pelo ar inglês.

E tenho ainda mais certeza disso quando imperceptivelmente solto um "Morning" para o funcionário do aeroporto e recebo um tímido "Bonjour" de volta.

França, não Inglaterra.
Marselha, não Londres.

Sinto que tenho que repetir umas cem vezes enquanto pego as malas e outras cem enquanto caminho para o lado de fora do aeroporto, até dar de cara com a mudança de paisagem, placas e o cheiro de mar que me dá o choque de realidade necessário de que já não estou mais lá.

TURISTA | HEUNGMIN SON Onde histórias criam vida. Descubra agora