Capítulo 39

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~Henrique~

- Qual a altura do pé direito?

- Não sabemos ainda- Encarei o garoto na minha frente tentando entender o que ele acabou de dizer.

- Vem aqui com uma ideia para um lugar que sequer sabe a altura?

- Bem, eu...

- Onde se formou?

- MIT, senhor.

- Engenheiro do MIT?

- Sim, senhor.

- Busque mais informações antes de criar algo assim. Saia.

28 anos depois e mais uma vez me vi tentando encher meu dia de trabalho para esquecer de tudo por algumas horas, não sei quantas pessoas já achei que iria demitir hoje, mas poderia ser pior, recebi a confirmação sobre a estrutura do cassino, Nicole terá aquela suíte. Decidi ligar para contar, preciso dela, ao menos um jantar, não me importo que ela me xingue pelo resto da vida por obrigá-la a ir.

É aniversário da morte do meu pai, o que mesmo depois de tanto tempo faz com que a culpa esmague meu peito todas as vezes que a data aparece no canto da tela do computador em minha frente. Ashton Delyon morreu há 28 anos em um acidente, minha culpa, mesmo que pareça irreal um garotinho de 5 anos matar alguém, eu fiz, um filhote de humano egoísta. 

Em um dia aleatório de fevereiro decidi que não queria comer o maldito brócolis do almoço e que minha mãe me odiava por querer me forçar a comer aquela árvore que não deveria ser tão pequena, resolvi ligar para o meu pai, mesmo sendo avisado que ele deveria estar pilotando seu bimotor favorito, se preparando para mais uma viagem interestadual, não me importei, seu pedaço de bosta egoísta e burro. Liguei para o velho Delyon, no auge dos seus 50 anos e fazendo o que mais amava, lembro de sentir minha garganta doer por causa do choro escandaloso que forcei, lembro da minha mãe me olhando com um pedaço de brócolis na mão enquanto dizia que meu pai não iria atender, mas ele atendeu, o único momento que eu preferia que ele tivesse esquecido de carregar o velho telefone como sempre fazia. Lembro de cada palavra, cada risada que ele deu enquanto eu explicava sobre o brócolis e minha mãe gritava "NÃO É UMA ÁRVORE!" e eu respondia "É VERDE E TEM UM TRONCO!", lembro quando o tom de voz dele mudou para preocupação, o que não era comum, quando ouvi a maldita frase sobre o motor do avião falhar, sobre o manche não estar funcionando, enquanto eu continuava fazendo perguntas sobre o brócolis e barulhos altos começavam a aparecer, quando ouvi o grito agudo do meu pai e me assustei, quando ouvi sua voz agonizante mandando cuidar da minha mãe, falando o quanto me amava e quando estendi o telefone para ela, minha mãe não era a pessoa mais emotiva do mundo então soube que algo estava muito errado quando seu rosto ficou pálido e ela começou a gritar com o telefone. Eu ouvi meu pai morrer e mais trágico ainda, eu matei meu pai, eu sabia que ele poderia ter se livrado daquilo se tivesse concentrado no que fazia e não no problema com brócolis de uma criança idiota.

- Alô?- Cada músculo do meu corpo se contorceu com o som da voz de quem tanto me odeia. Sorri.

- Pimentinha!

- Nãaaao!- Ela realmente me odeia e não posso fazer nada em relação a isso. 

- Tenho notícias sobre a suíte.

- O que?

- Cheguei a uma decisão sobre a estrutura.

- Conta logo, Henrique.- Hoje jogaremos o meu jogo, Pimentinha. Ouvi o motor do carro rugir e imaginei que ela estivesse a caminho do trabalho.

- Não.

- Por que não?

- Precisa ser pessoalmente.

- Não pode falar por aqui?

- Não, quero ver sua reação.

-Pode passar na empresa?

-Não, jante comigo hoje.

-Não.

-Então não contarei minha decisão.

-Onde?- Ri, a curiosidade dela venceu.

-Vou mandar meu motorista pegar você na empresa às 21h.- Espero que ela goste das flores. 

-Tenho carro.

-Meu motorista também, te vejo à noite

[...]

Enquanto esperava no restaurante tentei controlar o furacão de sentimentos que aconteceu hoje, era como se estivesse prestes a explodir, meu cérebro repassava aquela cena várias e várias vezes, eu deveria ir para casa. Percebi alguns sussurros atravessarem as mesas ao meu redor, levantei o olhar na direção da porta e de repente tudo fazia sentido, cada batida do meu coração surgia agora em ritmo mais controlado, o peso que carreguei mentalmente durante horas hoje havia sumido, encarei os olhos castanhos mais intensos que já conheci e ganhei um sorriso tímido de volta, ela era definitivamente meu ponto de paz nos últimos meses, apesar de todas as discussões. Todos os sentimentos ruins do meu dia desapareceram quando Nicole Montreal entrou no restaurante usando aquele maldito vestido vermelho.
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Os dois capítulos prometidos 🤞🏻, demorou mas saiu, vejo vocês em um próximo fim de semana! Não esqueçam de votar.

Que dózinha do Henrique, né?

Dama de EspadasOnde histórias criam vida. Descubra agora