Capítulo 6

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Aquele rosto o deixou intrigado, o sorriso contagiante e a forma como ria alto de algo de alguém dizia, mas o jovem Kun não tinha coragem de se aproximar da bela moça de pele cor de âmbar, cabelos enrolados presos no alto da cabeça, como se sentisse certa vergonha de mantê-lo solto. Kun já havia o visto esvoaçante, enquanto a mesma se banhava no rio, mas se sentiu um pervertido por vê-la em sua intimidade.

Desde a primeira vez que se apresentaram a jovem moça o evitou, assim como os outros quilombolas, pois apesar de serem gratos, tinham certo medo da fera que habitava dentro do corpo do homem de pele alva e olhos pequenos. Havia ali uma hesitação por parte dos habitantes em relação à Kun e como sabia que não pertencia àquele lugar, estava sempre recluso em seu casebre.

O único que até então o tinha como irmão era Chico, seu leal companheiro, aquele que o tirava de dentro do monstro, trazendo-o de volta à realidade. Claro, o sangue de pai Cornelius corria nas veias do menino corajoso que havia feito um juramento para o pai que cuidaria do irmão mais velho.

— Se continuar a olhando desta forma, vão pensar que é um pervertido, irmão Kun — O rapaz saltou de susto, encarando o sorriso travesso do menino.

— Eu não a estava olhando — mentiu, mas o rosado das bochechas lhe entregou.

— A jovem bá é muito bela — Chico continuou cutucando o irmão, que ficava ainda mais constrangido — e não tem nenhum pretendente — Kun encarou o irmão rapidamente, o brilho em seus olhos eram nítidos, mas logo abaixou a cabeça, lembrando que sua condição não permitia tal privilégio, pois acreditava que estava sendo punido por Deus por ser um bastardo.

— Eu não posso, sou um monstro! — virou a cabeça para encarar o horizonte, então Chico suspirou.

— Pois eu não o vejo assim — Kun voltou a encarar o mais novo. — Vosmecê é um bom homem e filho do nosso pai, tem todo direito de ser amado por alguém, assim como eu o amo.

Chico era um menino esperto e de coração nobre, realmente era um filho de pai Cornelius — jamais viraria as costas para o sofrimento de Kun, que seria uma eternidade, sem poder morrer ou envelhecer. A mãe de Chico era uma moça quando esta casou com pai Cornelius e Kun era um homem refeito — os cabelos grisalhos cobriam todos os fios da mulher e o rapaz permanecia da mesma forma.

Ele sabia que seu destino havia sido traçado, um imortal, amaldiçoado a ser uma fera em todas as noites de lua cheia, uma fera sanguinária capaz de destroçar um homem adulto, não tinha a ilusão que poderia haver um final feliz para si, apenas a solidão eterna, enquanto ver seus entes queridos indo.

Seu coração sempre se apertava quando encarava o sorriso de Chico, imaginando que se realmente não poderia envelhecer, não seria capaz de suportar ver seu irmão morrendo, enquanto ainda se mantinha vivo. Aquele menino era a única pessoa em todo mundo que se importava de verdade e era sua única família, então o peso da maldição o sufocava ao ponto de não conseguir respirar.

— CHICO, VENHA COMER, MENINO!! — a voz da matriarca ecoou, fazendo com que ambos olhassem na direção dela, chamando atenção da jovem Rafaela, que viu os dois meninos detrás das árvores. — VENHA COMER TAMBÉM, KUN! — Kun ainda se sentia um pouco acanhado com a mãe de Chico e ela se esforçava bastante para ver o rapaz como parte da família.

Ambos correram na direção da casa e apesar dos olhos dos outros irmãos sobre si, Kun apenas abaixou a cabeça e se sentou distante para não deixá-los desconfortáveis, porém acabou sendo acompanhado por Chico, que sorriu. Após o almoço, Kun caminhou entre o quilombo, tentou algumas vezes ajudar, mas os moradores se retesavam e ele acabou por ir para a mata, onde sentia ser o seu lugar.

Rafaela observou de longe Kun se afastando — ela havia percebido que os quilombolas não tinham o rapaz como alguém querido e depois da noite a qual foi resgatada, podia entender as pessoas, Kun era um monstro, pior, tinha a mesma cor dos monstros que os fizeram mal. Entretanto, ela sabia que o jovem monstro misterioso não era mal e se sentia grata por ele ter salvado sua vida.

Beauty and the Beast (Qian Kun)Onde histórias criam vida. Descubra agora