Capítulo 16

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Lembro-me quando cheguei naquela casa, os olhares enviesados em minha direção e o desgosto das pessoas por ter que lidar com uma bastarda, foi o suficiente para entender que eu não era bem vinda ali. A partir daquele dia minha vida seria um inferno, sendo a escrava de uma família que me odiava, simplesmente porque nasci de uma traição do meu pai com a empregada da casa.

Minha mãe havia me largado para aquela família, pois havia conhecido um novo marido e eles estavam esperando o primeiro filho e eu era a ponta solta da vida dela, o erro. Encarei-a com os olhos arregalados, segurando seu braço, impedindo que fizesse aquilo comigo.

— Por favor, mãe — implorei, mas ela sequer olhou em meu rosto.

— Pare de ser uma criança mal criada, Rafaela! — puxou o braço. — Agora vai viver com seu pai e fará tudo que lhe mandarem fazer. — Aquela foi a última vez que minha mãe me olhou nos olhos, a última lembrança dela. — Se mandarem você limpar o chão com a língua, faça, ou vai acabar sendo a p*ta de algum mendigo drogado.

Aquelas palavras duras foram como uma facada no meu peito. Quando era apenas eu e ela, a vida era difícil e poderia lidar bem com sua indiferença — eu era fruto de adultério, de um caso que não deu certo. Eles não se importavam com meus sentimentos, ou até com minha integridade. Para eles eu era um lixo e lixo deveria ser descartado.

Como uma mãe era capaz de falar em voz alta, para sua filha negra limpar o chão de uma casa de brancos com a língua?

Naquele momento fui mergulhada em um mar de sofrimento e dor. Não havia esperanças para mim. Morreria como uma ninguém e nunca seria salva, pois não havia quem me amasse.

Amor não era uma das coisas que recebi e quando achei que havia encontrado a pessoa que daria esse amor, era um grande manipulador, jogado pela minha madrasta para se livrar de mim.

Mal tinha completado os vinte anos quando jogaram Eric na minha vida. Filho de um amigo da família, talvez alguém que pudesse no futuro cuidar de mim.

Ledo engano.

Eric no início parecia ser o namorado perfeito, doce, gentil, que era compreensível, estando ao meu lado quando era tratada feito um lixo por aquelas pessoas, mas aquilo nada mais era que uma farsa. Eu era apenas uma diversão para ele, alguém que futuramente seria apenas sua serviçal.

Será que nesse mundo ainda serei amada?

Dormia no quarto da empregada, um cubículo minúsculo, que só havia uma cama e uma cômoda, também não pude frequentar a escola. Como fui morar naquela casa com doze anos, conseguia ler, porém não passava disso e praticava a leitura com os livros de escola que eu tinha na bolsa e os jornais velhos que achava no lixo.

Eles estavam me criando para ser uma dona de casa, que não precisava de escolaridade e quando pedia para meu pai, ele dizia que iria perguntar a sua esposa, que ocasionalmente se negava. Na janela do meu quarto me questionava se aquilo iria mudar e por um momento acreditei que sim, quando Eric prometeu que minha vida mudaria.

Como eu fui iludida! Ele não era meu salvador, nunca seria, eu estava sozinha naquele mundo. Esperar alguém para me libertar da torre era uma grande balela e se não fizesse por conta própria, novamente seria presa em outra torre. Então nos momentos finais para o casamento, vestida de branco, pronta para casar, senti que não podia mais adiar.

Quando encarei o espelho, percebi que era a primeira que usava algo bonito. O vestido era simples, mas era tão bonito e delicado, que os trapos velhos que usava não passavam de pano de chão. Aquele deveria ser meu dia especial, a carta de alforria, porém naquela mesma tarde de setembro, ouvi minha madrasta conversando com minha futura sogra sobre me pôr no cabresto.

Beauty and the Beast (Qian Kun)Onde histórias criam vida. Descubra agora