Aviso de conteúdo sensível.
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"Preciso chegar em casa", "Eu só preciso chegar", era a única coisa que a Serena tão frágil repetia pra si como um mantra. Com seu corpo fraquejando a todo momento, suas pernas querendo falhar, a visão turva, dor de garganta forte... E a fome, a fome ali era esmagante.
Já fazia tempo que a mulher não se alimentava, talvez por quase dois dias completos, tudo havia sido tão turbulento e cheio de notícias ruins que a moça esqueceu de uma coisa essencial em sua vida e que agora fazia uma enorme falta, pois sua fraqueza ali era evidente. Agora com mais ferimentos e dores espalhadas pelo corpo, a falta de estar bem alimentada fazia diferença tamanha.
Sentia seu estômago apertar e arder, parecia que estava boiando em si mesma, não comandava os seus próprios movimentos e a cada passo novo que dava sentia a gravidade mudar por causa da tontura, era como se o chão fosse se inclinar para os lados.— Eu tô com fome. — Falou para si enquanto chorava expressando o seu desejo de comer algo, obviamente aquela era sua dor mais leve, mas se aproveitava dela para externalizar tudo o que sentia.
As mãos pretas por causa das cinzas das madeiras limparam a própria lágrima com todo o cuidado do mundo, com medo de se mover de um jeito errado e acabar manchando mais o único papel que tinha as letras da mãe e que segurava como sua fortaleza.
Ainda cogitou ir para o rio se banhar e limpar as suas feridas, mas não conseguiria caminhar para dois lugares seguidamente então optou por aquele em que se sentisse segura para desmoronar verdadeiramente.
— Por que tudo isso, meu pai? — Questionava em meio aos seus soluços, não ousou erguer os olhos para os céus, tinha certeza que cairia caso tentasse fazer algum esforço a mais.
Não conseguia negar, algum pingo de esperança que lhe restava depositava toda na crença de que talvez sua esposa estivesse em casa esperando-a e afirmando que fugiu, fugiu para que tivessem uma vida melhor juntas.
Movimentar-se doía cada vez mais a medida que seu corpo ia secando por todo suor produzido, Serena fazia o que podia no tempo que podia, mas continuava ali, insistindo em sua própria vida.
Chegando no caminho de terra, a mulher observou sua casa como alguma estrutura sagrada, como uma conquista de algum prêmio, como a coisa mais valiosa que tinha... E era a coisa mais valiosa que tinha.
Suas pernas passaram a caminhar mais rápidamente em um desespero de chegar, uma péssima idéia para um corpo fraco demais. Ela já havia voltado a chorar, mas no momento não sabia o porquê, sua fome aumentava a cada segundo e ela acabou se tornando sua pior dor física, era torturante estar de estômago vazio.
Sabia que dentro da casa não havia nenhum alimento pois Flora e ela evitavam deixar restos de comida ali, o cuidado com aquele lugar era extremo. Mas pedia para que em seus pés de fruta tivesse algo, mesmo que fosse verde, ela comeria do mesmo jeito.Aproveitando a luz do dia e o céu que começava a clarear possibilitando uma visão melhor, partiu para o quintal da sua casa e procurou em cada árvore a espera de algum fruto, se alimentando com a frustração de não haver nenhum, nada além de folhas... E o seu choro pedindo ajuda para Deus.
O seu mundo começou a girar e a sensação, que era uma das piores, de estar boiando em seu próprio corpo voltou a aparecer de um jeito mais intenso e bruto, andava com a firmeza de alguém que havia exagerado no álcool, ou seja, nenhuma.
Com muita dificuldade ajoelhou-se por conta própria, respirando fundo com a agonia da sensação de ser um objeto obsoleto, um saco vazio, sem nada a acrescentar a ninguém. Negou com a cabeça levemente, pois tudo que fazia lhe dava ainda mais tontura, a mão trêmula foi até a testa, depois ao peito, depois ao ombro e ao outro fazendo um sinal da cruz.
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Cartas para Flora - Lésbico. (CONCLUÍDO)
Romance• Livro 2 da saga "Para Nos Eternizar". • Serena era uma cigana que encantava a todos com o seu poder de persuasão e seus olhos cor de mel. Sua beleza estonteante deixava qualquer homem completamente apaixonado, ofereciam dotes extremamente valiosos...