Capítulo 38

41 5 1
                                    

MALUMA

Quando cheguei na Sorveteria eu imaginei vários cenários possíveis, mas me senti surpreso por encontrar apenas Isabela sentada em uma cadeira branca sozinha em uma mesa. Ela estava com um uniforme da marinha e chupava  um sorvete de bola de chocolate.

Me senti com medo da possível rejeição e foi por isso que fiquei preso alguns minutos no estacionamento olhando-a de longe pelo vidro transparente. Fazia algum tempo que eu não a via, nem ela nem Miguel. Não sabia o que ela esperava de mim, se iria me reconhecer, se estaria triste, decepcionada ou com raiva.

Ninguém gostava de ser abandonado e eu tenho certeza que Amanda não deve ter lhes feito uma boa imagem de mim. Não que eu merecesse, não era e não fui um bom pai. E não que eu acredite também que Amanda possa ter falado mal de mim - eu mais do que ninguém sabia o quão a alma dela era pura -  em verdade acredito que ela apenas deve ter seguido em frente com os gêmeos como se eu não existisse.

O carro de Bryan estava aqui mas não havia nenhum sinal dele a vista, o que era estranho, dada a situação atual ele nunca deixaria Isabela sozinha. Mas eu não ficaria aqui procurando o cara, se ele desaparecesse já estaria me fazendo um favor.

Maldito foi o dia em que eu dei uma oportunidade para ele entrar na minha vida.

Com muito receio entro na Sorveteria e me aproximo de Isabela. Sento-me em sua frente e olho um pouco o teto antes de virar-me para ela. Sem parecer surpresa ela apenas encara-me em silêncio sem dizer nada e continua a lamber sua bola de chocolate.

Que confusão - arqueio  a sobrancelha.

A sorveteria estava vazia, com exceção  de um atendente lendo uma revista porno. O lugar fedia baunilha e  se não fosse as cores chamativas com tema unicórnio eu diria que era apenas a música de carrossel que estava deixando-me irado.

_Você parece não gostar de sorvete - escutei  Isabela dizer - Você devia tentar o de Morango é  o sabor preferido do meu irmão.

_Seu irmão parece ser um menino esperto - sorrio sem saber o que dizer.

Isabela encara-me com seus pequenos olhos e bate seus pezinhos no cano da mesa, comecei a sentir-me um pouco sem graça, ela parecia estar me julgando.

_Você deveria saber, não é  nosso  pai? - disse ela em um tom triste - Mamãe diz que você trabalha muito e que quando acena no palco está dando tchau para nós.

Aquilo sim doeu. Isabela era crítica, inteligente  e não tinha papas na língua. Como Bryan.

_Sua mãe sempre tem razão das coisas - concordei e ela pareceu ainda mais triste.

_Mamãe não quer nos magoar, Miguel às vezes acha que você vai voltar e sempre espera o Natal, mamãe compra presentes e um deles ela finge que você envia todo ano - diz ela me pedindo um guardanapo, ao qual eu passo sem jeito, ela estava me punindo - Claro que eu sei melhor, sou a mais velha, mas Miguel ainda acredita.

_E o que você acha? - eu realmente queria saber.

_Eu acho você bonito, mas o tio Bryan também é - ela deu de ombros. Minha filha de seis anos deu de ombros. - Ele no criou, faz o melhor hambúrguer de carne e nos leva para pescar nos fins de semana. Você nunca liga, mamãe não pode te proteger pra sempre.

Ótimo.

Minha filha idolatrava Bryan. Claramente, ele os criou. Enquanto eu estive o mais longe que consegui. Mas para dar o que? Segurança? Uma oportunidade  de vida? Tudo o que eu fazia era colocá-los na pior. Eu deveria ter estado lá.

_Miguel não se lembra, mas eu gostava quando você vinha em casa do trabalho, você era legal - disse  Isabela - Por que você nos deixou? Não gosta da gente?

_Eu amo vocês - disse a ela. Esse era o primeiro  papo real que eu estava tendo com a minha filha, na verdade com outro ser humano desde um tempo - Mas não acho que sou o melhor pra vocês.

_Minha professora diz que às vezes fazemos coisas erradas e que não adianta pedir desculpas, desculpas não apagam um erro. - sorri ela - Mas devemos nos desculpar com ações, sendo pessoas melhores e não repetindo nossos erros.

_Parece uma mulher muito esperta sua professora - suspiro.

Eu estava tendo uma lição de moral de uma criança de seis anos.

_Já terminou o sorvete? Nós  temos que ir - informo a Isabela que parece concordar.

Isabela me entrega sua casquinha furada e se levanta da mesa, seus dedos estão grudentos mas sua cara está limpa. Parecia um bom sinal.

_Tio Bryan está lá fora conversando com o homem mal - sussurra Isabela, me apontando uma porta semi-aberta ao fundo da Sorveteria - Tio Bryan disse que eu estaria segura aqui até ele voltar. Ele disse que aqui era uma das "zonas neutras".

Interessante.

Eu me lembrava vagamente daquele termo. Mas já fazia algum tempo.
Pegando Isabela no colo saio com ela da Sorveteria e vejo um homem dando um sinal pra alguém.

_Isabela - grita Bryan ao longe.

Andando mais rápido sento Isabela no banco traseiro e dou apenas um aviso.

_Não me solte e não conte nunca pra sua mãe.

Pilotei minha moto em uma velocidade "considerável" desviando de sinaleiros fechados, cruzando pistas, desaparecendo entre estacionamentos apenas para despistar aqueles que me estavam seguindo.

Quando chegamos ao anexo os olhos de Isabela  pareciam brilhar. Ela tinha gostado.

_Você dirige melhor que o Tio Bryan - aplaudiu  ela.

Bryan  tinha andado de moto com a minha filha?

_Você andou de moto com o Tio  Bryan? - me forcei a dizer as palavras - Eu vou ter uma conversinha com ele.

_Se você brigar com o Tio Bryan eu conto tudo pra mamãe -disse ela batendo o pé - Direitos iguais.

_Você  ainda não tem idade  para saber o que são direitos iguais ainda tem que aprender seus deveres - resmunguei direcionando-a para dentro do complexo.

_O senhor também, desrespeitou umas cinco leis de trânsito - continuou ela - Não parar no sinal, não parar nas placas informativas, não respeitar a faixa de pedestres, entrar na pista ao contrário e levar uma criança menor do que o estatuto permite.

Mas que porra?

_Quantos anos você tem? - perguntou Diego encarando-nos surpresos de seu computador - como sua filha pode ter um cérebro e você não?

_Tenho bons  genes - dei de ombros.

_Eu assisto "Um advogado incrivel", a minissérie da TV canal 15 e Tio Bryan fez a gente decorar uma boa sequência  de regras - disse ela indo em direção ao sofá.

Eu precisava de algumas respostas. E a pequena criança a minha frente, olhando tudo como se estivesse coletando informações era uma das únicas formas de conseguir algo.

_Isabela - chamei e vejo seus olhinhos voltarem-se para mim - Eu preciso que responda algumas perguntas, precisamos ir buscar o seu irmão e sua mãe.

Isso pareceu chamar sua atenção.

_Tio Bryan disse a mesma coisa, mas aí o homem mal apareceu - disse ela.

Uma parte de mim respeitava Bryan por ter dado uma base de respeito para os meus filhos mas a outra parte. Eu queria ser melhor que ele, parte de mim já estava competindo com o homem sem ele nem saber. Eu também não queria que ele soubesse.

Bryan e eu tínhamos uma conta a saldo, essa  conta estava chegando mas antes, eu tinha algumas coisas que resolver.

_Então Isabela, conte-me um pouco sobre o homem mal - começo sentando-me ao seu lado. - E o que você puder lembrar.

Livro 2 - Doce RedençãoOnde histórias criam vida. Descubra agora