27. TREINAMENTO

77 10 299
                                    

— Concentre-se. — Freesia elevou um pouco o cotovelo do príncipe, corrigindo-lhe a postura. — Respire. Sinta a tensão da corda que se estica no arco. Atenção ao alvo. Durante uma caçada ou para sobreviver, muitas vezes você terá apenas uma chance.

Ele tentava se concentrar, de verdade. Ouvia cada palavra que ela dizia, ansioso por mostrar que era capaz de aprender. No entanto, a proximidade de Freesia, seu cheiro, o calor de seu hálito soprando em sua orelha... Tudo nela o deixava descompensado.

Sem pensar, disparou a flecha, que em vez de acertar o alvo de palha, acertou o tronco de uma árvore, que se agitou violentamente.

— Desculpa, desculpa! Droga, isso não vai dar certo! — ele disse, frustrado.

— Faz apenas três dias que está manuseando o arco, príncipe. Eu não aprendi a atirar de uma hora para outra.

Joshua suspirou. Desde a noite em que desabrochou e foi um fantoche na lamentável cena de ciúme de Sífor, que o forçou a agarrar e beijar Olívia, Freesia mantinha com ele um tratamento frio e distante, como se fosse apenas uma caçadora experiente que estava ensinando a ele as técnicas de luta e manuseio de armas.

Ele avançava bastante nas lutas, tinha reflexos bem desenvolvidos, apenas um pouco adormecidos ainda. Apesar do medo que as amazonas inspiravam e da competição acirrada com as Valquírias na hora de ensinar combate corpo-a-corpo, elas o ajudavam a melhorar a cada treino, por isso, mesmo que só houvesse passado uma semana e meia de treino árduo, Joshua já conseguia se esquivar e contra-atacar com agilidade e leveza surpreendentes.

Depois que a festa da primeira noite passou, ele encontrou uma rotina diária. As ninfas ligadas às plantas em geral, que precisavam de energia gerada através da fotossíntese, sempre dormiam às dez da manhã e acordavam às seis da noite, mas ele resolveu condicionar seu corpo a dormir no mesmo horário que Freesia, às oito horas, para acordar às quatro e ter algum tempo à tarde, pois não queria sofrer tanto com a falta da vida diurna.

Viveu por quase vinte e cinco anos como humano, era difícil se acostumar à normalidade feérica. Não era como se pudesse ficar no computador ou com um livro até sentir sono, seu corpo simplesmente necessitava do abrigo de seu carvalho, e quando ele adentrava a árvore majestosa, as raízes o envolviam de um jeito tão confortável que lhe era surreal, dado o fato de estar deitado na terra úmida e tendo raízes que deveriam ser duras no lugar de cobertores.

Tornou-se automático o ato de deixar seus dedos se transformarem para serem conectados às raízes. Comum como quando afofava um travesseiro sob a cabeça enquanto humano. Desde que acordou da hibernação, sentia pouquíssima conexão com o humano que foi. Seu lado feérico dominou tudo, inclusive suas necessidades.

Quando acordava, a primeira coisa que fazia era treinar a manipulação de raízes e galhos enquanto ouvia a voz maviosa de Freesia. Agora entendia o que ela cantava. Era uma canção triste sobre a solidão de alguém que não encontrou seu companheiro, que sentia falta do amor em seu estado mais selvagem.

Ele costumava subir até o topo de seu carvalho para sentir o sol em sua face, de olhos fechados, apenas ouvindo a canção. Em dez dias já havia aprendido toda a letra, e costumava acompanhar o refrão com seu timbre de barítono. Não ousava cantar alto, com medo de espantar a dríade com sua voz desafinada.

Sentia um tipo de comichão no ventre sempre que ouvia as palavras dela, como se seu corpo quisesse levá-lo até ela e nunca mais soltar, no entanto, sempre que se aproximava, Freesia parava de cantar e apenas lhe dizia que não devia entrar no território dos carvalhos brancos quando todos dormiam, era falta de respeito. E se ela estivesse nos limites da tribo, fora dos territórios de clãs, arrumava uma desculpa para montar em Noktu e partir, ou simplesmente dizia que queria ficar sozinha e se deixava afundar nas raízes.

No Coração do Bosque ProibidoOnde histórias criam vida. Descubra agora