Julia fechou a porta do banheiro e subiu na tampa do vaso. Não queria ser perturbada por ninguém. Estava nervosa, suas mãos tremiam e algumas coisas estranhas aconteciam quando ela ficava assim.
A culpa era da professora. Como aquela mulher podia ser professora de crianças se não suportava crianças? Ela os chamava de pestes, enviados do capeta, demônios-mirim e outros termos feios.
O cúmulo foi naquela manhã antes do intervalo, quando a professora desenhou uma tartaruga no quadro branco e escreveu ao lado "Julia". Na hora, a menina não entendeu quando todo mundo começou a rir, até que uma colega disse:
— Julia tartaruga, ela é lenta, ela é burra!
Foi só aí que ela sentiu a humilhação. Tão logo o sinal do intervalo bateu, ela correu para o banheiro, sem se importar com seu lanche ou em guardar seus materiais. Chorava copiosamente, perguntando a si mesma por que era tão diferente das outras crianças.
Estava no segundo ano e ainda não tinha aprendido a ler palavras com mais de duas sílabas, tinha muita dificuldade para ligar os sons às letras e às vezes recebia tantas informações ao mesmo tempo que sua cabeça parecia prestes a explodir, ela não conseguia lidar com isso.
Sempre se sentiu fora de seu ambiente, como se estivesse em um planeta alienígena. Sons altos a incomodavam, sentia seus ouvidos doerem como se fosse uma colher raspando em uma panela. Não gostava de ser tocada, exceto por seus familiares e amigos. Quem mais gostava de abraçar e beijar era sua mãe, que era sempre gentil ao tocar ela, contudo, outras pessoas pegando nos ombros, mãos ou nos cabelos dela incomodavam demais.
Julia também não tinha facilidade para se enturmar, era muito seletiva e extremamente cuidadosa com seus únicos dois amigos: Theo e Norma. Sempre que os estímulos eram demais e a menina começava a chorar ou bater com as mãos fechadas na própria cabeça para tentar diminuir a quantidade de informações recebidas, eram Theo e Norma que a acalmavam.
Não era tão frequente, mas quando acontecia, Norma segurava na mão de Julia e Theo beijava o rosto dela e alisava suas costas. Isso trazia alívio e conforto, como quando Joshua a abraçava e acalentava no colo.
Sentia tanta falta do seu irmão. Em um momento como aquele, Josh a carregaria no colo como um bebê e ofereceria sorvete. Adorava sorvete.
Suspirou quando ouviu a voz de Norma do lado de fora.
— Julia? Cadê você, eu sei que está em algum lugar desse banheiro.
Ela não respondeu, apenas secou as lágrimas silenciosamente.
— Vamos, Ju! Por favor, fala comigo! O Theo tá dizendo que vai entrar no banheiro das meninas se você não sair! Sabe que ele vai pra diretoria se fizer isso, né?
— O Theo é maluco — disse baixinho, mas o suficiente para Norma ouvir.
— Te achei! Vem, vamos brincar.
— Eu não quero. Todo mundo vai rir de mim.
— Isso não é verdade.
— A professora me chamou de tartaruga, lenta e burra!
— Você sabe que ela que é burra, né? Tartarugas são muito rápidas, ainda mais quando estão na água. Você não é lenta, só tem um ritmo diferente para aprender.
— Um ritmo lento! Eu odeio a escola!
— Ainda bem! Nenhuma criança normal gosta.
— Eu não sou normal! Todo mundo diz isso!
— Todo mundo não. Eu não digo. Você é normal, só pensa diferente dos outros. Isso é bom. Mamãe diz que ser diferente é bom. Eu te amo porque você é você.
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No Coração do Bosque Proibido
FantasyJoshua Wood cresceu ouvindo que jamais deveria entrar no bosque que delimitava o quintal de sua casa. Aos nove anos ele teve uma experiência que o fez viver sem saber se aquilo realmente aconteceu ou se foi sua imaginação de menino. Muitos anos depo...