38. PEQUENA RAINHA

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Kelpie acompanhava Nessie pelo caminho tortuoso do lago, vez ou outra observando a pequena dríade que se agarrava à crina da kaemera enquanto esfregava seu rostinho nos pelos macios dela.

Diferente de muitos animais marinhos, a pele de Nessie era à prova d’água. Isso sempre deixou Kelpie intrigada, afinal, ela vivia o tempo todo na água. Mas esse era um aspecto curioso da kaemera: seus pelos na parte dianteira eram tão grossos e unidos que não permitiam a passagem da água até a pele, e as escamas dela eram cobertas por um musgo que não permitia que a água molhasse a pele embaixo.

Por causa dessa característica, quando Nessie estava com o torso para fora da água, seus pelos rapidamente secavam e se mostravam tão macios quanto os pelos dos cavalos terrestres.

Era por isso que Julia estava se sentindo confortável nas costas do animal. Ela não se molhava porque o torso de Nessie era tão grande que as pernas da menina ficavam abertas e bem acima da água, mesmo com os movimentos ondulantes de Nessie dentro e fora do lago enquanto nadava.

Normalmente, Nessie nadava a uma velocidade vertiginosa que até ninfas aquáticas tinham dificuldade para acompanhar, por isso levava bem menos tempo para chegar a Grradhy, mas agora, com uma garota meio-humana montada nela, sua velocidade caía pela metade, o que ainda era rápido, como se estivesse viajando em um barco pequeno a motor.

Isso deixava Kelpie ainda mais atenta, pois conforme as horas passavam, Julia mostrava sinais de cansaço e sono.

Já fazia cerca de quatro horas desde que partiram, então estavam longe o suficiente para não correrem o risco de serem perseguidas por quem se aproximava da cabana. Kelpie também estava cansada, precisava dormir e comer para poder nadar por mais algumas horas no dia seguinte. A pequena dríade havia se alimentado de frutas enquanto admirava a paisagem de tirar o fôlego no caminho.

Já era madrugada. Naquela noite o sol havia se posto por volta das nove e meia, o que foi cedo, considerando que estavam na transição da primavera para o verão, com dias mais longos, quando o sol se punha perto de onze horas. No bosque as horas eram contadas de forma diferente, pela posição dos astros, mas Kelpie viveu no mundo humano tempo suficiente para aprender os costumes e usos de apetrechos humanos, como relógios.

Verificando os arredores, ela pediu para Nessie apenas flutuar pela correnteza, para que Julia pudesse se acomodar em suas costas para dormir. Antes de também descansar, a náiade mergulhou para encontrar alguns camarões e comer.

Confiando em Nessie, a ninfa prendeu a si mesma em uma das barbatanas da kaemera com a ajuda de um cipó resistente retirado de uma árvore à margem do lago. Enquanto Nessie apenas se conduzia pela correnteza com a ajuda de suas barbatanas, sem mover o corpo para não acordar Julia, Kelpie dormia só com o rosto para fora da água, sendo arrastada atrás dela.

Nessie podia passar até cinco dias sem dormir e três sem comer, mas depois, para se recuperar, caçava quatro vezes mais alimento do que costumava ingerir em um dia e ficava hibernando durante uma semana. Aquela excursão a Grradhy era muito fácil para ela.

Por volta das quatro e meia, o sol começou a surgir por trás das montanhas, mas tanto Kelpie quanto Julia ficaram exaustas por causa do ritual para acabar com a maldição, então mesmo a claridade não as fez acordar.

Já passava das nove da manhã quando Kelpie acordou, desorientada, afinal, costumava dormir às onze e acordar às sete, no mesmo lugar em que dormiu. Como era criança, Julia dormia entre dez a doze horas por dia, então ainda dormia profundamente nas costas de Nessie.

Quando a menina acordou, o sol estava no meio do céu, o que indicava o meio do dia. Kelpie a orientou a comer os pães com geleia e o suco de amoras que Eilean tinha feito na tarde passada. O lanche não estava fresco, mas era suficiente para alimentar Julia, para que ela comesse as frutas restantes mais tarde.

No Coração do Bosque ProibidoOnde histórias criam vida. Descubra agora