Dois

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Tinha pouco movimento quando entrei na agência. Era em torno de umas quatro da tarde. Algumas pessoas esperavam pela sua vez de serem atendidas pelos balconistas, algumas segurando grandes pacotes, outras envelopes e papeis. O guarda acenou com a cabeça para mim, a arma de choque amarela como neon chamando atenção em seu quadril. Se não trabalham com arma de fogo, quer dizer que a cidade é calma, certo?

Olhei em volta, em busca dos três quadros verdes e os encontrei a uns quatro metros, próximos ao bebedouro. Alguns papeis presos no topo com alfinetes coloridos voavam ali por culpa do ventilador preso a parede que pouco ventilava os clientes, mas as paredes deveriam estar bem-servidas e sem suor.

Remexi ali, tentando não chamar atenção. Professora do primário, diploma e experiência como exigência. Encanador, pedreiro, motorista de ônibus. Eu não me aplicava a nenhuma das vagas no primeiro quadro, nem no segundo. Todavia, no terceiro quadro, um papel me chamou atenção. Balconista de uma loja de conveniência em um posto de gasolina, emprego noturno, um salário mínimo e meio, auxilio transporte e alimentação. Puxei uma das fitas com o número e liguei no trajeto de volta a pousada.

Bem que o platinado disse que os grandões os tratavam como dormitório. O ônibus circular de Falconville tinha bancos duros e desconfortantes depois de um certo período, os da cidade vinham com assentos acolchoados e eram bem mais estáveis.

Um homem atendeu.

- Postos LePreGas, boa tarde?

- Boa tarde! - tentei esconder a timidez, demonstrar ser madura o suficiente para ficar num posto de gasolina durante a noite - Eu estou ligando pela vaga de emprego como balconista no turno da noite...

- Qual o seu nome? - respondi - Certo! Senhorita Dornelas, essa vaga já foi preenchida há certo tempo, porém nossa balconista está prestes a ter um filho e por lei temos que dar um ano de licença maternidade. Se a senhorita aceitar passar um tempinho em treinamento e, se for qualificada, assinar um contrato semestral -

- Por mim, tudo bem! - disse depressa, interrompendo-o.

- Certo. Venha até o posto da rodovia 42. Traga sua identidade, cidadania e todos esses documentos necessários para que eu possa entrevista-la e, se der tudo certo, cadastra-la. Terá o dia inteiro de amanhã para me encontrar, venha quando tiver tempo. - ele fez uma pausa como se anotasse alguma coisa - Procure por Robert Calaham.

- Certo. Obrigada!

Meu coração estava quase saindo pela boca em nervosismo. Minha primeira entrevista de emprego. Meu primeiro emprego além de cuidar de crianças. Não parece um pouco assustador dar todo um rumo a sua vida de uma hora pra outra com um mínimo plano e uma conta com limite suficiente para passar pela alfandega de um país? Na verdade, nem um mínimo plano eu tinha quando embarquei para Austrália. Eu só vim. Isso é loucura!

O ônibus deu um bom passeio pela cidade até chegar ao terminal, onde eu peguei outro circular para descer próximo à pousada por preguiça de andar. O céu ainda estava claro, pincelado em rosa e laranja. A escuridão se aproximava e eu não poderia perder isso.

Se aproximava das sete horas, a praia estava desabitada a quilômetros mas, próximo ao mar, um par de sandálias e um tecido branco estavam organizados na areia. Foi então que eu vi a silhueta de alguém em pé no mar, equilibrando-se em uma prancha, aparentemente virado para onde vinha a luz.

A água do mar brilhava, negra. A silhueta movia-se de acordo com o movimento da maré tranquila, e eu me sentia purificada.

Me sentia com sorte.

DrowningOnde histórias criam vida. Descubra agora