Algumas das minhas perguntas em relação a Michael e seu passado foram respondidas durante o curto período em que estivemos juntos no topo do mundo. Então era assim que confiar em alguém se parecia com. Quem diria que meu irmão que nunca tive estava me esperando do outro lado do oceano.
Quem ele é agora é consequência do passado que eu comecei a descobrir essa noite. E espero que ele esteja presente na mulher que eu vou me tornar.
Finalmente aceitei tomar chá com senhora Blackly. Não era algo que me agradasse, para ser sincera. Só de sentir o cheiro eu já sentia náusea e uma sensação estranha de desmaio. Mas os biscoitinhos caseiros com gotas de chocolate me faziam sentir bem.
Perguntou-me sobre o meus pais e com que frequência entrava em contato com a minha família no Brasil. Eu me perguntei se seria melhor contar a verdade e receber um olhar de desaprovação pelo desapego total que tenho em relação aos meus pais, ou mentir e dizer que quase todo dia estou em contato com eles, onde quer que estejam. Mas eu não recebi o olhar de desaprovação. Talvez Michael e eu não sejamos os únicos fugitivos abrigados em Falconville. Acampamento de desertores.
E então o assunto se voltou ao meu emprego. Se tinha sido difícil me adaptar aos horários em que saia e chegava, se não sentia medo de ter que lidar com ocasionais ladrões, bêbados, arruaceiros. Só então eu percebi que não tinha pensando em Luke desde que Michael me distraiu. Ele era minha válvula de escape de toda a loucura que começava a aparecer para mim, mas eu não queria usa-lo. Respondi à senhora Blackly que sabia como lidar com esse tipo de situação.
Só então consegui tocar no assunto dos meus alugueis, por quanto mais tempo ela permitiria que eu permanecesse pagando alugueis ao invés de diárias. Ela passou as mãos enrugadas e macias sobre a minha e sorriu um sorriso que me valeu por muitos abraços, e disse:
- Pode ficar o quanto quiser, minha querida. – a voz rouca falhando por vezes – É sempre bom ter boa companhia.
Mas eu sabia que seria abusar de sua boa vontade me manter por muito mais tempo pagando menos do que ela receberia se me cobrasse as diárias.
Procurar um apartamento já estava na minha lista há muito tempo, não poderia adiar mais. Então, quando subi ao meu quarto para trocar de roupa, decidi que ligaria para Mike e o pediria para me ajudar a encontrar. Liguei e ele me atendeu, oferecendo seu apartamento. Não! Já bastava de dependência para mim os anos que vivi no Brasil às custas dos meus pais.
Derek acabara de sair quando Luke entrou na loja. O sorriso largo começava a se abrir no meu rosto e eu já estava esperando que ele selasse seus lábios nos meus quando se aproximasse do balcão, mas assim que prestei mais atenção, o desespero me possuiu.
Sua têmpora esquerda ostentava uma grande mancha roxa com pontos avermelhados. O lábio estava cortado, sangrando, assim como seu nariz num fio grosso e desforme. A vermelhidão de seus olhos me preocupava também. Deixei escapar um "Ai, meu Deus!" assim que me dei conta do quão machucado ele estava.
Saltei do meu banco e o segurei, contornando o balcão com ele em mãos.
- O que aconteceu? – choraminguei, colocando o banco no chão – Senta aqui, eu cuido de você.
- Não precisa, Catarina. Eu estou bem! – disse ele, ríspido.
As narinas dilatadas. Seu rosto se contorcia em fúria, os olhos negros e abstratos que antes me intrigavam, agora me causavam preocupação de que ele fosse explodir a qualquer momento e destruir a loja com seus punhos cerrados. Estes, de tão contraídos, deveriam estar brancos nos nós e nas palmas, mas estavam vermelhos e machucados.
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Drowning
FanfictionUm afogamento não é uma morte calma, indolor, súbita. Um afogamento é gradual, tortuoso e silencioso. A vítima sofre cada segundo e, por serem estes seus últimos, parece infinito. Infinito é um tempo muito longo para ser vivido. Eu não sei muito bem...