Fiquei até cinco da manhã escondida na troca de óleos do posto para ir pegar o ônibus para a pousada. Dexter me ofereceu carona, disse que poderia ficar até as três para me levar em casa mas, não. Eu precisava mostrar que estava tudo bem, que aqueles arruaceiros não tinham me assustado tanto quanto parecia.
Não podia ser assim todos os dias. Quer dizer, tive sorte até aqui, um dia ruim não pode me abalar tanto.
Quando cheguei a pousada se aproximava das seis, e por mais que eu me sentisse cansada, não conseguia dormir. Os olhos negros dele nos meus, parecendo atravessa-los, sempre aparecia assim que eu fechava os olhos. Meus braços se arrepiavam sentindo a pressão nas minhas mãos e o pescoço com a voz dele ao meu ouvido.
Tomei uma longa ducha de água quente e desci por volta das oito, esperando tomar café-da-manhã no Extrangeiro quando a senhora Blackly me abordou. Disse que não via porquê eu estar gastando dinheiro todo dia com o Extrangeiro quando minhas diárias cobriam uma das refeições, e que ela poderia encaixar mais uma visto que vou passar toda a noite num posto de gasolina.
Agradeci e me juntei a ela numa das mesas. Ela me perguntava sobre o trabalho e como tinha sido meu primeiro dia, mas as minhas atenções estavam voltadas para aquele garoto.
- Cat, meu bem?!
Ela me chamou e eu senti o ar me faltar os pulmões.
- Desculpe, senhora Blackly. Acho que estou cansada demais, ainda não preguei os olhos. – me levantei da mesa e peguei um biscoito – Eu só preciso de um pouco de ar. – murmurei: - Literalmente.
Não sabia para onde estava indo até chegar à praia. Fixei os olhos no mar e respirei fundo. Descalcei as sandálias rasteiras e tirei o cordão de couro gasto com uma pedra correspondente ao meu signo do pescoço. Meus passos me guiaram até o mar.
Arruaceiros, Catarina. Esquece isso.
Afundei na água ainda um pouco fria, esperando encontrar calma no silêncio. Mesmo que eu tenha tentado, o silêncio trouxe a voz dele aos meus ouvidos. Eu estava começando a me preocupar com estresse pós-traumático quando deixei a praia.
Ri.
Olhe pra mim. Morrendo de medo de pessoas que provavelmente nunca mais verei. Nem mesmo ameaçaram minha vida, só um pouquinho da minha integridade.
- Você é mais que uma menininha chorona, Catarina!
Dexter ficou ainda mais preocupado comigo com o passar dos dias. Não por que eu tenha demonstrado qualquer tipo de sequela da brincadeira sem graça dos dois engraçadinhos, por ele mesmo. Nunca me disse o que o moreno fez para derruba-lo e mantê-lo quieto, mas sempre estava por perto. Toda vez que alguém entrava na loja, ele estava ali, de tocaia.
Isso durou mais ou menos uma semana e alguns dias. O senhor Calaham conversou com ele e me chamou na sala dele no último dia que isso aconteceu. Eu tinha chegado mais cedo do que o normal e ele aproveitou a deixa.
- Não se preocupe com esses garotos, Catarina. – disse ele – Eles são problema, mas nunca chegaram a machucar ninguém ou roubar nada por aqui.
Por aqui? Quer dizer que já em outros lugares? Por que não aqui? Quer dizer, pode acontecer, não é? Que droga de sorte é essa que tem prazo de validade?!
E como uma praga, nesse dia em que Dexter resolveu relaxar e trabalhar com fones de ouvido na limpeza da troca de óleo, o conversível preto parou no poste de abastecimento. Meus olhos se fixaram no carro até alguém descer. Meu coração parou por instantes assim que as portas se abriram.
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Drowning
FanfictionUm afogamento não é uma morte calma, indolor, súbita. Um afogamento é gradual, tortuoso e silencioso. A vítima sofre cada segundo e, por serem estes seus últimos, parece infinito. Infinito é um tempo muito longo para ser vivido. Eu não sei muito bem...