2. Verbatim

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As semanas passaram como um foguete. Aphelios, porém, se sentia agoniado na maior parte do tempo. O tempo ia se esgotando e, quando ele levantou da mesa naquela segunda-feira e pegou sua mochila, sentiu o estômago embrulhar. O tempo acabou.

— Já vai sair, Aphelios? — Diana colocou a cabeça na porta da cozinha, encarando o rapaz, que apenas confirmou com a cabeça. — Pensei que Lu fosse ir te deixar.

— Mas eu vou, ué. — Alune apareceu com as chaves do carro. — Vamos, Phel. Tchau, tias.

— Sendo assim, tudo bem. Tchau, se cuidem, boa aula. — Phel apenas deu um aceno breve com a mão para Diana e Leona e saiu, sendo seguido pela sua irmã.

Falar perto de suas tias ainda era um desafio onde, muitas vezes, ele teria que passar alguns minutos reunindo coragem para falar algumas palavras. A única pessoa que Aphelios realmente falava era Alune. Óbvio, eram irmãos e confidentes, mas, mesmo com ela, ele falava pouco e muito baixo.

No carro dela, parecia que o mundo ao redor sumia. A música tocava no rádio e Alune parecia esquecer sua própria existência. Em sua irmã, isto era, definitivamente, uma das coisas que mais achava legal.

— Phel, se você se sentir desconfortável, me liga, tá? Eu já falei com a diretora, já entreguei para ela os... Papéis. — a menção da palavra "papéis" fazia o gêmeo estremecer. Não gostava disso.

— Por que tem que entregar isso pra ela?

— Você sabe, eles precisam saber lidar caso algo ocorra. — Aphelios torceu o nariz e fez uma expressão que, em sua ambiguidade, poderia ser nojo ou raiva.

— Eles nunca sabem lidar. Eles sempre anunciam que eu sou autista na sala, Alu. Eles sempre me tratam como uma criança. Eu não sou uma criança. Eu só sou autista. — ele colocou as mãos na cabeça, os olhos enchendo de lágrimas pesadas. Alune o puxou para um abraço assim que parou o carro em frente a estrutura da escola.

— Eu sei como você se sente, irmão. Eu sei como pode ser nocivo. Nós dois somos. Não há nada que podemos fazer além de lidar com isso, há? Além disso, pedi para não falarem nada.

— Eu queria que a Lua pudesse resolver nossos problemas de forma definitiva.

— Ela pode nos acolher em seus braços e nos mostrar como devemos viver a vida, como devemos aproveitar o mundo. Em meus sonhos, irmão, ela me mostra você feliz, e eu espero que assim seja. Me preocupo com você, Aphelios. Você acha que é alguém que não merece ser amado, que é um monstro, mas você não é isso. É meu irmão. — ela deu um beijo em sua testa, um sorriso melancólico estampado em seu rosto. — Agora vai lá, tá? Se cuida.

— Tchau. — e saiu do carro, batendo a porta levemente sem certeza se a havia realmente fechado.

As pessoas pareciam encará-lo como se soubessem de todos os seus segredos mais obscuros. Cochichos, risos, barulhos altos. Ele tinha certeza que era tudo direcionado a ele, e Phel não queria fazer nada além de correr, o rosto vermelho de vergonha e agonia.

Para piorar sua situação, Aphelios percebeu que teria que falar com alguém para descobrir sua sala. Entretanto, a confiança que sentia em alunos era nula. Muito provavelmente ninguém ali sabia linguagem de sinais e ele se recusava a falar. Não que recusasse, essa não seria a palavra certa. A expressão mais correta seria, indiscutivelmente, "não conseguia".

Em seu desespero, lágrimas brotaram em seus olhos e ele já pegava seu celular para ligar a Alune e contá-la que o dia havia sido um fracasso e pedir para que, por favor, ela fosse ir buscá-lo, mesmo sabendo que ela reclamaria que ele não tentou e que Aphelios deveria aproveitar enquanto ela não tinha começado as aulas na faculdade. Seu transe, porém, foi tirado por um homem alto, careca e com um grande bigode que colocou a mão em seu ombro. Para sua surpresa, assim que se virou, o homem começou a falar em linguagens de sinais.

Limiar da Noite [SettPhel]Onde histórias criam vida. Descubra agora