— Não sei como não tá caindo um temporal agora.
Luena era uma pessoa bem espirituosa.
O Sol mais uma vez estava lindo demais no horizonte sem amarras da praia do Flamengo.
— Cuidado com o que você deseja.
Ela riu sentada ao meu lado sobre a canga.
— Olha esse céu, duvido que uma palavra minha traga nuvens carregadas pra cá.
Observei ela de perfil. No seu braço, sobre a extensão da pele retinta, Luena tinha ossos de costela tatuados com flores que sufocavam lá dentro, buscando espaço através dos pequenos galhos que saíam para fora. Olhar aquilo era angustiante e uma das vezes que perguntei, ela disse que era sobre lembrar de respirar apesar de todas as amarras.
Era isso que a gente estava fazendo naquele Domingo. Já haviam se passado duas semanas desde que o Fabrício apareceu lá no prédio e até o momento estava tentando entender o motivo de ter apagado o número dele. Inácio não queria falar mais sobre aquilo, mas o pouco que havia dito pra mim naquele dia foi suficiente para saber que família não deveria ser tão enaltecida socialmente.
A dele o rejeitava, a minha desapareceu da minha vida, a da Amália era a culpada pelos seus traumas na adolescência, a do Vicente abandonou ele em algum canto quando era um bebê... Isso estava cada vez mais vivo na minha cabeça porque o fim de ano estava chegando. Dezembro era na próxima semana e eu tinha medo da noite de Natal. Fazia décadas que aquela noite não tinha um sentido pra mim. Foi minando e apesar das vezes que comi alguma besteira ao lado de Amália e Vicente em um barraco minúsculo, foi apenas um momento pequeno demais perante todos os outros caóticos que definiam aquela noite como a pior para pessoas solitárias como eu.
— Já pensou onde vai passar o fim de ano?
Luena fez aquela mesma pergunta há três dias atrás quando assistimos uma daquelas cenas de Natal em uma série.
Ainda não tinha resposta.
— Você já?
Ela sorriu ao perceber que eu fugia do assunto.
— Talvez vá para a casa da minha mãe em Caxias, mas não tenho certeza. Ano passado eu e meu irmão discutimos feio. — Voltei a encarar o oceano. — Não tô a fim de brigar com ele de novo.
Não tinha conselhos para dar pra ela.
— Então não vai.
Desviei os olhos para o seu rosto.
— Mas sinto falta dela.
Seu tom acastanhado encontrou o meu.
— Então vai.
Ela sorriu.
— Nem tudo é só uma coisa ou outra, né?
Não tive reação, nem sabia o que dizer para ela.
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🏳️🌈| O Mar que Aqui Retorna
General FictionTobias é ex-presidiário e dependente químico que tenta retomar a vida no mesmo ritmo que o mundo retorna de uma pós pandemia. Através de reencontros, deseja refazer os laços com o filho e zelar pela vida de pessoas que um dia ajudaram ele, mas isso...