EPÍLOGO

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Stranger On A Quiet Street (ELO)

Estalei os dedos, até sentir a dor nas juntas e respirei fundo antes de ter coragem pra falar.

— Faz dois meses desde o dia que eu tive a recaída. Foi sem querer, eu estava ali, naquele lugar e aproveitei a oportunidade... Não queria ficar bem, ás vezes ainda acho isso. A diferença é que antes eu tinha certeza de que não havia nada pra mim. — Suspirei. — Eu havia perdido todas as pessoas que foram importantes em algum momento,... — Meu tênis estava sujo. — e não soube como lidar então era mais fácil ficar distante. Enxergar as coisas de um lugar onde eu não sentia nada. O problema é que... não sentir nada também é um problema. — Parei. — Eu não fui uma pessoa legal... — murmurei. — mas, — entrelacei os dedos. — não quero perder quem tá comigo hoje.

Luena passou a mão pelas minhas costas quebrando aquele raciocínio. Ergui o tronco vendo aquelas pessoas me olhando de maneira acolhedora. Nunca ia me acostumar com aquilo.

— Feliz 60 dias, Tobias.

Balancei o chaveiro verde entre meus dedos, tendo todos os aplausos.

No fim da reunião, aceitei todas as parabenizações, mas foi na entrada da igreja que tive uma surpresa.

— Vai lá, eu espero.

Luena me olhou nos olhos e concordei com a cabeça sabendo que não tinha como fugir do Gustavo. Desci a lateral da igreja até a figura do garoto com um cigarro entre os dedos.

— Sabia que era você.

Seu cabelo estava grande de novo.

— Como tu veio parar aqui?

Fiquei curioso.

Seus olhos escuros me observavam atentamente.

Gustavo parecia exausto com aquelas bolsas de olheira debaixo dos olhos.

— A Aylla voltou pra casa. Ela tá há uma semana sóbria.

Não tive muitas reações perante aquela notícia. Não queria mal pra ela, mas também não queria bem, era sobre uma neutralidade.

— Fui num CAPS e me falaram sobre essa reunião aqui. — Olhou para a igreja por um momento. — Não sabia que você vinha aqui.

— Difícil saber depois de tanto tempo.

— Não foi por causa de mim. — retrucou baixinho usando do cigarro para me dar tempo de dizer qualquer coisa, mas ele disse por mim. — Foi a Aylla que disse pro Danilo onde você tava. — Senti um aperto no peito. — Ela tinha aquela nossa foto, algumas pessoas conhecidas...

— Não quero saber.

Tateei os bolsos atrás do maço e tomei distância dele, aconchegando as costas na grade da igreja.

Ficou um silêncio insano entre nós dois. Gustavo ficou do meu lado compartilhando fumaça, palavras e sentimentos não ditos.

— Por que você não foi com o Beto fazer a reforma do asilo?

— Sentiu minha falta?

Encontrei seus olhos pertinho.

Não falei nada. Só olhei para aqueles olhos, aquele rosto... desejei seus sentimentos bons de novo.

— Eu tinha outras prioridades. — respondeu minha pergunta.

Concordei com a cabeça. Dei um trago no cigarro, desviei os olhos.

— O Akin veio aqui em Outubro e vai passar as férias comigo.

— Quem diria! — Gustavo ficou surpreso, parecia feliz, ou eu quis ver aquilo nele.

Concordou com a cabeça, jogou a bituca longe e com aquela fumaça por baixo da luz do poste ele ficou pensando.

Acenei para algumas pessoas que passaram por nós quando foram embora.

— Pensei que você não fosse ir. — Suspirei. — Mas depois eu entendi. — Voltei a ter seus olhos sobre mim. — Tô feliz que você tá bem, tive medo de contribuir pra você desistir de tudo.

— Não ia ser culpa sua. — Asfixiei os pulmões.

— Não ia suportar te ver mal... — disse baixinho.

Suspirei.

— Não ia ser culpa sua. — repeti.

Ele sorriu, um sorriso triste.

— Bom saber que você vem aqui, assim eu procuro outro lugar pra levar ela. — Se afastou das grades.

Me senti estranho com aquilo.

— Não precisa.

— Precisa. — afirmou com a cabeça. — Não é hora pra isso.

Escondeu as mãos nos bolsos da calça. Gustavo ficou parado na minha frente. Parecia até ilusão a gente se encontrar assim de maneira tão desdenhosa.

— É melhor eu ir.

Por impulso, segurei seu braço para ter mais tempo com aquelas íris escuridão.

— Devia voltar a trabalhar com o Beto, você não tem que se afundar com ela.

Gustavo segurou minha mão e de mansinho observou meus dedos, minha palma. Não me deu bola. Diminuiu distâncias até abraçar meu pescoço. Relaxei os braços ao redor dele. Era carinhoso e confortável.

Passei a palma pelas suas costas.

— Continua bem. — pediu no pé do meu ouvido e beijei a lateral do seu rosto.

Ele me olhou, tomou distância e feito alguém cheio de coisas banais o Gustavo foi embora.

— Tá tudo bem?

A figura dele desapareceu na próxima esquina.

— Tá. — Joguei a bituca fora. Estava sentindo falta de tanta coisa. — Bora comemorar com uma pizza?

O sorriso da Luena era igualzinho a essas pequenas coisas que fazem toda diferença.


FIM!

🏳️‍🌈| O Mar que Aqui RetornaOnde histórias criam vida. Descubra agora