Tobias é ex-presidiário e dependente químico que tenta retomar a vida no mesmo ritmo que o mundo retorna de uma pós pandemia. Através de reencontros, deseja refazer os laços com o filho e zelar pela vida de pessoas que um dia ajudaram ele, mas isso...
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Setembro de 2021
A primeira vez que senti algo que não soube explicar foi quando vi no corpo pequeno e rechonchudo do bebê entre meus braços, os mesmos olhos escuros que costumavam fazer parte de mim. Naquela coisinha eles brilhavam muito mais do que no rosto de um alguém que cansou de se manter forte perante as porradas da vida. No meu filho era tudo sobre cheirinho de bebê, sorrisos singelos e barulhos estranhos. Cada conquista infantil, desde uma careta, até uma gargalhada, era a coisa mais extraordinária de se admirar.
Quando o Akin nasceu achei que tudo ficaria mais leve, mas criança nenhuma deveria carregar o peso de sanar as dores daqueles que são seus pais. Pensava muito naquilo enquanto o Sol queimava a minha pele e o solado do chinelo enfiado na areia. O que era uma sensação bem diferente das paredes frias que me abrigaram naquela lotação de corpos tão parecidos com o meu, sufocados na cela.
Não odiava a Jamila por ter levado o Akin para longe do meu caos, mas no momento já me sentia bem o suficiente para olhar nos olhos do meu moleque de novo, ainda mais depois de todo o distanciamento forçado.
— Deixa eu falar com ele.
Estava quase suplicando. Todo aquele seu receio era envolto pelo medo. Vi isso nos seus olhos tom de avelã quando confessou chorando na única visita que me fez no presídio, que não deixaria Akin próximo de mim por não ser capaz de suportar as coisas sozinha.
Demorei para entender que ficar longe de mim era o melhor para que Akin crescesse em um lugar seguro.
— Ele tá brincando, não vou chamar agora.
— Jamila.
— Olha, eu tô muito feliz que você tá limpo e fora da cadeia, mesmo. Mas não posso jogar essa avalanche de coisas no Akin.
— Você tá repetindo isso há quase um ano. — Enchi os pulmões de fumaça, sufocando naquela saudade alucinante.
— Foram quase três anos longe... pra ele você tá viajando.
— E como você explicou o fato de sair do Rio e voltar pra casa da sua mãe na Bahia?
Ela suspirou em pesar.
— Akin tem seis anos. Ele voltou agora pra escola depois dessa pandemia. Ele tá fazendo amiguinhos, lendo, escrevendo, ele está crescendo e não precisa dessa avalanche na vida dele. Dá um tempo, Tobias.
Da beira do calçadão, encarei o mar imenso que se tornava abrigo para o Sol se pondo no horizonte.
— Pra quem? — Traguei o cigarro.
Jamila demorou para responder.
Afundei os chinelos na areia, percebendo que ligar para ela foi um erro. Um erro que vinha repetindo cada vez mais nos últimos seis meses.
— Você está com alguém?
Seu suspiro foi minha resposta.
— Preciso de um pouco mais de tempo para conversar com ele sobre isso.