Disciplina.

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Recobrando a consciência, a vampira de cabelos ruivos abriu seus olhos sentindo uma dor repugnante em seu pescoço. O som dele se partindo. Levantou-se ao perceber estar deitada em sua cama, em seu cômodo que há um tempo não via. Parecia que não entrava no mesmo há muito mais tempo do que realmente era. Os livros ainda estavam empilhados na mesa onde havia deixado, os milhares de papéis espalhados pelo chão e o tinteiro parecia no mesmo lugar.

Não teve coragem de ver o papel sobre a mesa. Não conseguia.

Olhou para a janela e viu o sol da tarde. Não sabia por quanto tempo havia ficado inconsciente, presa naquela escuridão fria como uma masmorra. A luz que vinha de fora fazia uma cortina fina de brilho para o interior do cômodo, e Jessica foi abusada o suficiente em colocar a palma sobre esta. Sentiu sua pele queimar, como se quisesse desgrudar dos ossos. Com o maxilar trincado, retirou a mão e sentiu a raiva a consumir gradativamente. Aquela fúria fervente dentro de si, a necessidade de alimentar-se desenfreadamente, o som de seu pescoço quebrando.

Grunhiu e fechou as cortinas, ficando à meia-luz, deixando o quarto naquela ambientação bruxuleante que mais assemelhava-se a uma câmara secreta. Estava com raiva. Estava com fome. Estava magoada. Estava cansada. Sua cabeça virava de um lado para o outro quase involuntariamente, o que fez a ruiva levar as duas mãos até ela, enfiando os dedos entre os fios. Não entendia o que estava sentindo, mas estava sentindo alguma coisa.

Lembrou-se de sua briga com Stephanie, o que havia feito com ela. Serei seu pior arrependimento. Jessica não queria estar naquele corpo, e sentia que uma fração de sua eu-humana ainda estava ali dentro de si, presa - talvez - naqueles livros, folhas e tinteiro solitários. Sentiu suas pupilas afinarem como a de um gato, tendo sua visão embargada e caminhando de um lado para o outro, sentindo os ombros trêmulos.

Estava com a sanidade por um fio.

Não entendia. Sua humanidade não estava presente, então por que sentia-se daquela forma? Por que tremia e suava feito uma humana? Por que parecia querer deslizar por entre os dedos da consciência quase a cada fração de segundo? Era difícil para a Jung entender aquilo, e a ausência de batimentos cardíacos em seu peito a deixava agoniada como um urso preso em uma armadilha. Estava com fome. Muita fome.

Não podia sair daquela casa, estava presa até o anoitecer. Maldita Stephanie! Maldito clã! Maldito Dragão de Esmeralda! Queria gritar suas injúrias e suas frustrações, assim como queria deixar todas aquelas criaturas de lado e ir para bem, bem longe. Atravessar o mar, talvez. Nunca mais ver o rosto de ninguém e enterrar seu passado como uma caixa amaldiçoada de más lembranças. Não era justo. Ela não pediu por aquela vida.

Jessica. — Ouviu a voz da vampira Elite e a procurou pelo cômodo. Não a encontrou. — Acalme-se. Estás em abstinência de sangue, controle tua raiva.

— O que vós fizeste comigo?! — Gritou a ruiva para o nada. — Deixe-me sair deste lugar maldito! AGORA!

Não irás a lugar algum com esta raiva, mocinha. — SooYoung alertou, mas não tinha o tom de ameaça. — Sei como é sofrer com a abstinência. Não é algo agradável, mas tu tens de se controlar. Não podes simplesmente matar a tudo e todos sem pensar duas vezes!

— Cala-te! Cala-te! AH! Tire-me daqui! — Implorou a ruiva, apertando os cabelos e fechando os olhos com força.

Em uma fúria descontrolada, a ruiva avançou contra os móveis de seu quarto, arremessando-os em todos os lugares. Quebrou a cama em meio a um grito furioso e sofrido, arremessou os livros pela janela, rasgou as folhas e quebrou o tinteiro. Bastava. Não era mais aquela Jessica. Não era o bichinho de alguém, não era o brinquedinho de algo. Queria ser livre, queria não estar aprisionada como um rato. Queria ser tratada como alguém, não como algo.

Cold BloodedOnde histórias criam vida. Descubra agora