O Lago da Clareira.

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 A noite caía sobre as terras de Guistein, e tudo que as criaturas podiam fazer naquele momento era aguardar a hora certa. O vento era calmo, e os animais do bosque sequer podiam imaginar a guerra que havia começado. O Coven da bruxa também estava calmo e parecia respirar junto da brisa, o que contrastava com a preocupação que a jovem Membro sentia, ao ver sua Suprema juntando materiais, roupas e armas. Nunca havia visto a mais velha manusear uma arma, pois nunca tinha precisado daquilo antes. O medo estava castigando sua ansiedade naquele momento.

Yuri sabia que era arriscado, sabia também que estava doente e que NingNing, mesmo protegida pelos lobos e poderosa após sua iniciação, ainda era jovem e poderia correr perigo. Seria irresponsabilidade de sua parte deixá-la ali? Ou já vinha sendo irresponsável com ela há um tempo? As duas alternativas estavam corretas, e já era tarde para consertar as coisas. Era hora de ir, e sua mala já estava quase pronta.

NingNing estava sentada à mesa, fingindo ler algum grimório sobre elementais. Agora que a ameaça maior eram os dobradores, a menina quis reforçar seus aprendizados sobre os poderes dos elementos e os espíritos que eles guardavam. Por mais que os dobradores fossem manipuladores de elementos incríveis, os antigos alquimistas conseguiam manipular uma pequena parte com a força da natureza. Como Yuri havia explicado para as vampiras: a magia sempre esteve ali primeiro que tudo.

Quando a bruxa mais velha terminou de colocar as últimas poções dentro de sua mala, atravessou ela pelo seu corpo e a fechou com o cinto. Pela primeira vez em muito, muito tempo, usava roupas de caça. Ficou tantos anos usando vestidos requintados que havia se desacostumado com a sensação de um blusão, corset de couro, boldriés e calças grossas que estava se sentindo esquisita. Costumava usar quando precisava ir à caça de cervos para ritualísticas sazonais, mas há muito não os fazia. Depois que alcançou a fama entre as criaturas, sempre conseguia comprar seus ingredientes no vilarejo, o que a poupava muito tempo.

Porém, tudo isso ficou para trás quando os tempos ficaram mais difíceis, quando a Ordem dos Originais começou a perecer, quando os Lordes invadiram aquelas terras e quando Edgar retornou. Lembrar que tudo costumava ser pacato e tranquilo era estranho, pois todas as suas lembranças mais recentes eram de caos e dor. Gostaria de ser o que era antes, há alguns meses atrás, quando tudo era cor, magia e aprendizado. Quando era apenas ela, Taeyeon e NingNing. Uma pequena família desajustada.

Era certo que a Suprema não era muito carinhosa com a fada, ou até mesmo com a vampira Paladina, que também fazia parte de sua família. Não era tão presente, mas ainda sim, estava ali. Não gostava de ser muito amorosa, talvez por ter sido ensinada a não demonstrar fraqueza, a não demonstrar o que de fato a afetava. BoA sempre foi muito rígida consigo, apesar de sempre cuidar muito bem de si. Apenas queria ser como sua mentora, mesmo que agora, depois de toda a dor que sofrera por culpa de Rosé, tenha percebido que não há o que temer se demonstrasse um pouco de seu amor.

Amarrando a fivela do cinto e guardando o punhal retorcido em seu coldre de cintura, Yuri olhou para sua Membro. Tinha crescido um pouco, tinha deixado de ter aquela aura angelical de criança para, agora, ter uma aura divina de uma menina crescida. NingNing estava ficando mais velha, não só de mente, mas de corpo e alma. Seu coração apertava ao ter que deixá-la, mas já tinha decidido. Era irredutível, e precisava fazer alguma coisa certa em meio a tudo aquilo.

Não queria ser mais aquela bruxa carrasca que auxiliava outros em troca de meras moedas. Nem tudo era sobre dinheiro e fortuna. O que tinha já era suficiente para deixá-las vivas, comendo bem, e com materiais mágicos aos montes em seu armazém. Poderia comprar um ateliê inteiro, poderia pagar pelos serviços particulares de dezenas de costureiras. Yuri era uma bruxa muito, muito precavida, então sabia muito bem economizar algumas - várias - riquezas. Não era mais necessário realizar serviços em troca de dinheiro, mas sim ajudar sua família e mostrar a ela que, acima de tudo, ela as amava.

Cold BloodedOnde histórias criam vida. Descubra agora