TRINTA E TRÊS

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Durante a manhã do dia seguinte, foi acordado que manter Lowan por perto seria menos perigoso do que deixá-lo no barco — eu me recusei a prosseguir sem que isto acontecesse. Dormir na cama paralela a sua foi terrível. Adormeci aos prantos, de costas para o mesmo, que me encarava com culpa antes de o fazer. Não fui capaz de lhe dizer mais uma palavra sequer; nenhum de nós foi.

Em adição, todos estavam extra agitados pois finalmente chegamos em Keres.

O horizonte, todavia, é amplo e vazio. Apenas um oceano extenso o suficiente para sumir na neblina ao fundo. Isaac disse que Keres é conhecido como Arquipélago Oculto desde que o rei foi traído e utilizou diversos símbolos de ocultação para manter Keres longe do resto de Myliand de uma vez por todas. Os soldados de Isaac, contudo, encontraram alguns destes símbolos debaixo de águas profundas e perigosas, e estão à postos para destruí-los.

Todos estamos no convés, encarando o mesmo ponto vazio no mar aberto na espera. O frio se agravou e minhas roupas são completamente novas e limpas mas continuo me sentindo suja. Me posiciono perto de Peter e Mali, tentando protejê-la e ser protegida.

Você poderia matar todos eles se você desejasse assim, Escolhida, nós somos sua melhor proteção, assegura a Escuridão, que ignoro para evitar me desestabilizar tão cedo.

— Quanto tempo isso vai demorar? — Lótus manifesta-se, cruzando os braços entre seu cachecol.

— A qualquer momento — Isaac replica. Com medo do desconhecido, meu corpo se encolhe. As nuvens estão tão carregadas que deveríamos estar usando guarda-chuvas apenas pela sua coloração.

Na superfície, eu volto a sentir que algo parece fora do lugar. Às vezes, esse sentimento aumenta, ás vezes diminui consideravelmente. Não ser capaz de identificar sua fonte está me deixando louca. Inspiro e expiro inúmeras vezes na tentativa de não deixar essa sensação me dominar e desviar meu foco.

— Não tenho certeza se isso vai dar tão certo quanto Oriwest pensa — confessa Helus em baixo tom, se inclinando para nós no intuito de que o Círculo de Oriwest não o ouça.

— Precisa dar — respondo no mesmo tom, minha voz quase falhando.

Observo nosso grupo e como talvez estejamos de fato destinados à falha. Não porque não somos poderosos — poder, neste barco, é abundante. Mas sim porque somos incapazes de confiar em uns aos outros; porque estamos prontos para matar o primeiro entre nós mesmos que nos olhar diferente. Estamos caminhando lentamente até nossa própria ruína. As coisas mudaram drasticamente desde Syfer; é impossível não voltar em minhas antigas memórias de tempo em tempo.

Syfer era perigoso, e também havia uma tensão e receio em quem se confiar. Mas Lowan e Emma estavam ao meu lado, nós não tomamos rumos diferentes como vejo que fizemos aqui. Emma está paranóica, procurando Lowan por todos os lugares, desesperada para o provar inocente; Lowan por sua vez, está aqui, horas atrás foi dopado e acorrentado no andar mais escuro do barco com todas as cicatrizes a mostra; e eu. Eu que gostaria de dizer a Emma que ela está certa e dizer a Lowan outras mil coisas que sou fisicamente incapaz de proferir e para somar com tudo isso me sinto cada dia mais perdida. Estamos distantes e não temos mais ninguém para nos apoiar. Deixo um suspiro depressivo escapar de meus pulmões em meio ao medo.

— Norvell está nos vendo? — Interrogo à Helus, que parece ter sido pego desprevenido. Digo porque me lembro de quando disseram que se fecharem um olho, são capazes de ver o que o outro vê. Ao processar a pergunta, sua postura se enrijece.

— Sim — Balbucia. — Ele está — responde, contido, se colocando em uma posição mais distante. Ele limpa a garganta. — Mas creio que Lydia não esteja por perto. Duvido que confie em nós o suficiente depois de Lowan.

Encantadora Sombria (em revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora