Um reino degradado

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No grandiosíssimo Palácio Resplandecente, o rei Wilhelm isolava-se na torre Central, que era a mais alta do tal. Ninguém ousava importuná-lo em seu aposento; ninguém era puro o suficiente para entrar na torre e nem ao menos tocá-la. Até aos cardeais era proibido entrar ali. Esta era a Lei.

   O rei ficava isolado por dias e dias, enquanto o corrupto conselho administrava o reino e enviava suas tropas de reconhecimento para humilhar os outros pássaros. Os pássaros da plebe realmente se sentiam inferiores diante da beleza dos pássaros dominantes. No entanto, a supremacia e glória dos cardeais-do-nordeste foram dadas pelos próprios plebeus, há séculos, quando começaram a adorar a espécie. “Eram uns idiotas”, pensava Wil.

   Wilhelm ouvira uma história, quando criança, que dizia que, “um dia, antes de serem governados pelos cardeais, todos os pássaros do Norte viviam livremente, voando todos de acordo com seus instintos.” Não eram governados e nem censurados. Wil tinha muita curiosidade para saber sobre mais segredos ancestrais, mas “os segredos ancestrais não nos pertencem, pois nós os esquecemos no decorrer das gerações”, como dizia um velho cardeal de sua família. Além disso, Joseph não permitia que o rei fosse à Biblioteca Real. O motivo, ele não entendia.

   Os nobres cardeais-do-nordeste passeavam nas vastas campinas e clareiras pela manhã. Ali caçavam insetos, colhiam sementes e cantavam ao ar livre. Ninguém os importunava, portanto, viviam livremente.
Se um só passarinho entrasse em seus territórios, eles o humilhavam e expulsavam-no. Por via das dúvidas, contavam com um numeroso exército para defendê-los. Os pássaros pobres também eram bons guerreiros; a propósito, até se alistavam no Exército Real, porém, não eram tão numerosos e valentes quanto os cardeais. Defrontar-se com o exército deles garantiria uma morte certa. Além disso, era formado por uma diversidade de guerreiros de diferentes espécies.

   A rotina dos pássaros daquele reino era bem variada. Alguns, passavam o dia a rondar e vigiar a floresta, como os beija-flores e os rouxinóis. Estes, no entanto, não guerreavam, mas trabalhavam para os cardeais como guardiões e mensageiros.
Dentre as várias habilidades dos Rouxinóis, podia encontrar-se a excelente capacidade de construir casas fortes e em bons lugares. Estes compartilhavam das mesmas habilidades dos joões-de-barro, mas não tão refinadas quanto estes. Os rouxinóis também serviam no Exército, mas eram em sua maioria, pássaros preguiçosos e covardes. Mesmo assim, eram as aves mais “amadas” e populares do Reino.

   Haviam também pássaros camponeses e semeadores de todas as espécies, mas estes existiam lá para as bandas do sul. Haviam também pássaros criminosos no Reino. Entretanto, Wilhelm sabia muito bem que os verdadeiros criminosos habitavam a elegância e a nobreza, mas mesmo assim, ele quisera se juntar a eles. Era sempre aquele velho conselho de seus pais martelando em sua mente: “Wil, chegue a algum lugar na vida! Nós não tivemos a sua beleza e nem tampouco as chances que você tem!”. E, bem... um dos sonhos de seus pais e o dele próprio já havia se realizado; mas era uma vida monótona.

* * *

   A vida nobre era bem boa para os cardeais-do-nordeste. Além de estarem no topo da hierarquia, eles tinham acesso aos melhores lugares do Reino e eram os mais ricos pássaros daquelas bandas. É lógico que haviam também cardeais pobres, mas a grande maioria vivia em vaidades. Isto era fato.

   O rei Wilhelm era, antes de ser escolhido, um pássaro preguiçoso e arrogante, defensor da causa do Conselho e adulador dos ricos. Orgulhava-se e sempre se orgulharia de sua estonteante beleza; era belo até mesmo para um cardeal. E sendo pobre, aí estava a sua sorte grande!; sorte maior do que nascer em “ninho de ouro”, poderia dizê-lo.

   Enquanto isso, o que Wil não sabia era que, neste exato momento, enquanto ele tecia pensamentos vagos e tediosos, o Conselho estava em reunião. Era um magnífico salão revestido de marfim e forrado com penas cuidadosamente lavadas e amaciadas. Era ali que decidiam o destino de todo o reino.

   — Se aqueles malditos pássaros voltarem a nos incomodar novamente, eu não me respondo por mim! — alterava-se um dos membros do Conselho.

   Entre risadas e zombarias, eles escarneciam do povo e das diversas espécies que tinham que aturar.

   — Eu já disse centenas de vezes que um grande extermínio a essas raças nojentas irá aquietá-los — dizia um.

   — Não podes falar assim, companheiro! — falou outro. — Não podemos deixar que o poder nos suba demais à cabeça. Além disso, um de nossos membros é de outra espécie, não nos esqueçamos, e nos serve muito bem. — Isto ele falou do periquito, que era o Membro Supremo e um dos mais sábios do Reino, que, aliás, estava ali na reunião.

   — Bons amigos! Aquietai o vosso coração. - disse Joseph, o Periquito. — É sabido e claro que vossa raça quer privacidade em toda a floresta, e é também o que nós de outras espécies queremos. Falo por mim e por todos os pássaros. — Quando falava, dava sempre a impressão de que era “o Grande Amigo do povo”. — Porém, suponho que a esta altura, a tolerância seja mais aconselhável entre os pássaros. Se o desespero e a destruição, que vêm com a guerra, assolarem esta terra, vós e vosso povo serão juntamente destruídos. — Havia na voz de Joseph um leve tom de precaução, mas nunca desprovido de algum interesse por trás.

   — Nossa raça pura necessita de espaço e supremacia, e você sabe muito bem disto, meu senhor! — disse um dos membros cardeais. — Afinal, isso está na Lei! Além de tudo, somos desonrados todos os dias ao conviver com raças impuras; e o que nos pede? Tolerância! Eles merecem ser dizimados!

   — Mesmo que mereçam — retornou Joseph —, não acho bom que, caso haja levantamento de armas¹, o entulho da realeza esmoreça e junto com ele suas diversas atividades. Pois, até mesmo o inútil poderá nos ser de grande utilidade. E, caso não haja o inferior para autenticar a vossa santa realeza, não haverá ninguém mais para vos servir.

   Assim, no final das contas, todos concordaram com o periquito e com sua admirável sabedoria, pois prestigiavam a sua mente lógica e, portanto, a decisão foi unânime.

   Mas como Wilhelm poderia saber disso? Nem o caro leitor saberia se não fosse um tal de "narrador onisciente" para dizê-lo, já que o ponto de vista de nenhum daqueles pássaros ambiciosos o interessa.

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¹Um termo de guerra utilizado pelos pássaros, pois não utilizavam armas.

O Vôo dos Pássaros Nortenhos [PARTE I]Onde histórias criam vida. Descubra agora