Reunião do Conselho

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Wilhelm finalmente decidira descer ao salão do Conselho.

   O salão em que repousava o majestoso rei dos cardeais e de todos os pássaros, Wilhelm II (sim, pois já houvera outro Wilhelm antes dele), ficava no último andar da Torre Central. Na verdade, a única torre daquele Castelo, um gigantesco monumento de pedra esculpido pela própria natureza. Encontrado há séculos pelos antepassados dos cardeais-do-nordeste, aquele magnífico palácio das aves fora aprimorado por eles. Abrigava alguns dos pássaros mais nobres de todo o reino. Era um privilégio para Wilhelm estar ali, no cômodo mais desejado por um cardeal, ainda mais depois de tudo que passou em sua antiga vida de plebeu.

   Contudo, mesmo com toda a comodidade e luxo a ele disponíveis, sua vida estava sendo um verdadeiro tédio desde que se tornara rei. Por longos dias ficava ele confinado em seu quarto real, sendo paparicado e alimentado por servos enfadonhos — geralmente rouxinóis idiotas —, tendo o direito de passear nos jardins pela manhã e ver o pôr do sol pelas ameias. Apenas isto e nada mais. Isto, definitivamente, não era a função de um rei. Não era a vida para um rei. Um rei deveria estar no meio de seus conselheiros, na vanguarda das principais decisões concernentes ao reino.

   Portanto, foi por isso mesmo que Wilhelm decidira, naquela manhã, que era chegada a hora de enfrentar o Conselho e finalmente começar a ser o que estava ali para ser.

   Aproveitou o silêncio das primeiras horas da manhã, quando não havia ainda nenhum resquício de serviçais pelos corredores, e escorregou para a via que levava aos jardins reais. Chegou ao pátio central.

   O pátio central do Palácio do Reino dos Pássaros era uma verdadeira obra-prima. Cercado por uma imponente estrutura em forma de cúpula, o pátio era um oásis verdejante de exuberantes jardins suspensos e uma profusão de flores coloridas que desabrocham o ano todo.

   Os sons suaves dos pássaros jardineiros cantando criavam uma sinfonia encantadora que ecoava por todo o pátio, proporcionando um ambiente mágico e sereno; mas, àquela hora, não havia ali nenhum dos que supervisionavam Wil.

   Várias árvores altas e frondosas se erguiam majestosamente, criando sombras refrescantes e abrigando uma grande variedade de cardeais que voavam de galho em galho, colorindo o céu com suas plumagens vibrantes. Como aquelas árvores teriam crescido ali, dentro do chão rochoso do Palácio? Com certeza, existe terra no interior, nas fundações dele!, pensava Wil.

   No centro do pátio, uma fonte de mármore jorrava água cristalina em um lago tranquilo. Ao redor da fonte, poleiros de pedra convidavam os visitantes a descansar e apreciar a serenidade do local.

   As paredes do pátio eram ornamentos elegantes detalhados com intricados padrões de mosaico, retratando a harmonia e a vida dos pássaros. Esculturas de cardeais em tamanho real, feitas pelos joões-de-barro, adornavam as entradas, e seus olhos de pedras preciosas pareciam observar atentamente os movimentos de todos que entravam ali.

   Wil se dirigiu à repartição do palácio onde ficava situado o Salão do Conselho. Alguns anus-pretos, que estavam de sentinela na entrada, estranharam ver o rei tão cedo por ali.

   — Aonde o senhor pensa que vai? — perguntou um deles, esbarrando a entrada.

   — Visitar o meu Conselho. Ou achas que não tenho direito? — Wil não poderia deixar que eles soubessem que ele os temia.

   — Claro que sim, meu senhor — retrucou o outro —, mas é porque recebemos ordens diretas do Conselheiro para não permitir a entrada de ninguém não autorizado no salão.

   Isso já estava, definitivamente, passando dos limites.

   — Seu insolente! Eu sou o rei! O seu rei! Vim tratar um assunto importantíssimo com o Conselheiro e ordeno que saiam da frente! — Wilhelm estava visivelmente irritado. — Deixem que me entendo com ele. Ou será que vocês querem voltar para suas vidas medíocres de ladrões de sementes? — Aquilo tinha sido, definitivamente, arriscado!

   Os pássaros pretos se entreolharam e abriram caminho para Sua majestade.

   — Perdão, majestade. — replicou um deles, o atrevido que tinha lhe falado.

   Funcionou.

   Wilhelm entrou, enfim, na repartição do Conselho, com um andar altivo e orgulhoso. Chegara finalmente a hora de ser rei de verdade. Iria impressionar a todos com sua notável e admirável inteligência. Foi caminhando através dos corredores daquele vasto recinto, silencioso e desolado àquela hora da manhã.

   Os integrantes do Conselho ainda não haviam chegado, mas, sem dúvidas, o Conselheiro Joseph já estaria no salão, pois era reconhecido por sua competência e pontualidade.

   Wilhelm aproximou-se do Salão Principal do Conselho — ou assim ele achava que era, já que nunca havia estado ali. Estava prestes a abrir a porta, quando, de repente, ouviu um estrondoso bater de asas. Com certeza, seria um pássaro bem grande; o barulho saía do Salão, ou melhor, seria alguém sobrevoando a parte externa do Palácio.

   — Você demorou mais do que o esperado. — A voz que falava era a do periquito Joseph.

   — Questões de campanha. — respondeu o outro, com uma voz grave e cruel.

   — Notícias de seu senhor? — perguntou Joseph.

   — Ele deseja saber: como anda o processo? — perguntou o outro.

   — Tudo como planejado. Tudo encaminha-se para o inevitável fim glorioso. Diga ao vosso mestre que tudo corre bem; não há com o que se preocupar. As massas não terão forças para impor resistência e o rei está sob controle; uma palavra e meu soldados cortam sua goela. Seu fim já está a caminho. Ele não passa de um tolo que pensa que é alguma coisa; tem mania de grandeza e vive em um mundo de ilusões.

   — Ótimo. Meu senhor não irá tolerar insubordinação. É só uma questão de tempo para que ele chegue à vossa terra.

   — Diga a ele que estou alegremente aguardando sua presença. — concluiu o periquito.

   Depois disso, houve novamente um estrondar de asas pela janela do salão, até Wilhelm ouvir o grandioso pássaro sobrevoar o castelo e desaparecer.

* * *

   Wilhelm estava aterrorizado. O que acabara de ouvir era uma conspiração contra o Reino, contra a vida de seus habitantes e o pior, contra ele próprio.

   Saiu imediatamente daquele local, o mais silenciosamente possível. Precisava de um plano rápido para fugir. Não poderia ser detectado como Rei Wilhelm II. Não mais! Por sorte, saiu dali antes que os outros conselheiros chegassem.

   Voou até o topo da torre, aterrorizado, e pensou em um plano de fuga. Não poderia falar aos outros conselheiros, pois ninguém acreditaria em sua história. Mas será possível que ninguém tenha percebido a presença daquele gigante?!

   Se conspirasse contra um conselheiro, seria condenado da mesma forma, pois era crime fazer mal a um membro do Conselho. Wil se encontrava em um beco sem saída agora. Não sabia o que fazer, até que teve uma ideia.

   Chamou um pobre servo rouxinol a um quarto isolado da torre, amarrou-o e arrancou-lhe todas as penas. Com um pedaço de tecido enfiado na boca do pássaro, enquanto fazia a operação, Wil teve dó do pobre rouxinol, é lógico; Mas seria por uma causa justa; Seria uma questão de vida ou morte.

   Grudou as penas em seu próprio corpo com Plumocola — invenção peculiar das andorinhas, uma substância naturalmente pegajosa encontrada em certas plantas e árvores exóticas —, e alçou vôo. Não seria reconhecido por ninguém; pelo menos, não como o belo cardeal-do-nordeste Wilhelm II, considerado o mais bonito de sua espécie. Assim ele pensava…

   Queria poder ajudar os pássaros vassalos de alguma forma, dizer-lhes que um perigo monstruoso se aproximava, mas não sabia como fazê-lo. Ele odiava os pobres! Tinha batalhado muito para deixar de ser um. Agora, porém, ao decidir fugir, sua vida de plebeu voltava, mas com ela também sua liberdade.


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O Vôo dos Pássaros Nortenhos [PARTE I]Onde histórias criam vida. Descubra agora