"Onde estão os filhotes?"

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Coração Valente, Valéria e os outros rouxinóis do bando voavam sob o céu nublado, rumo ao Norte. Começou a chover.

   — Ainda bem que nos livramos das águias! — disse Valdemar, que voava logo atrás. — Imaginem se aquelas aves malditas continuassem a nos atormentar?! O que importa é que todos estão em paz, e os filhotes estão a salvo, não é mesmo?

   Uma forte tempestade se formava no poente e no Norte, que desceria rumo ao sul  e inundaria grande parte do território da Floresta Frutífera. Seria uma das primeiras chuvas daquele décimo mês do ano, e que arrastaria consigo as demais chuvas do período.

   — Vamos passar essa chuva bem ali, debaixo daquelas mangueiras. — disse Valente, indo em direção a um conjunto de antigas mangueiras frondosas e exuberantes.

   Os outros o acompanharam.

   Quando pousaram todos no galho de uma das mangueiras do local, onde havia uma cacimba natural, Vicente percebeu o problema:

   — Onde estão os filhotes? — disse ele.

   Então, todos se deram conta de que o filho de Muri e o filhotinho de azulão haviam desaparecido; provavelmente, caíram no caminho, as águias o pegaram ou então, somente, ficaram para trás na caverna.

   Valente percebeu o desespero nos olhos de Valéria. Os rouxinóis olhavam em volta, procurando os dois filhotes, buscando-os em qualquer recanto possível daquele local, vasculhando detrás de todas as árvores dali. Era bobagem; perda de tempo.

   — Valéria, fique aqui com Viviane — disse Valente —; eu e os rouxinóis machos voltaremos até a caverna, se preciso for. Nós encontraremos Jouie e Bek! Eu prometo.

   Coração Valente decolou; Vicente, Valdemar e Victor o acompanharam.

   A chuva aumentava, tornando-se um véu cinzento que desfigurava o mundo ao redor. A visibilidade era mínima, mas os corações dos rouxinóis estavam repletos de determinação. Voavam com dificuldade contra o vento, que parecia querer arrancá-los do céu.

   No entanto, o destino parecia ter outros planos. As águias-serranas, que haviam sido temporariamente esquecidas, voltaram com uma presença ameaçadora. Seus gritos cortavam o ruído da chuva, um som agudo e terrível que gelava o sangue dos pequenos pássaros. Valente se deu conta de que elas já os haviam localizado com suas excelentes visões. Dentro em pouco, os interceptariam.

   — Águias! — gritou Victor, o primeiro a avistá-las surgindo por entre as nuvens escuras.

   Não havia tempo para hesitar. Coração Valente tentou guiar o grupo para uma nuvem densa, esperando despistar os predadores. Mas as águias eram astutas e conhecedoras dos céus; não seriam tão facilmente ludibriadas.

   — Rápido, para a floresta! — ordenou Valente, mudando o curso. Eles mergulharam em direção às árvores, onde a visibilidade era ainda mais reduzida pela chuva, mas onde talvez pudessem se esconder.

   A perseguição era intensa. Os rouxinóis, apesar de ágeis e conhecedores da floresta, lutavam para manter a distância das águias, que pareciam não se importar com a tempestade. Em vários momentos, as garras afiadas das predadoras quase alcançaram os pequenos pássaros.

   Coração Valente e seus companheiros fizeram manobras arriscadas entre as árvores, usando cada galho, cada folha como cobertura. A chuva, embora fosse um obstáculo, também era sua aliada, dificultando que as águias os seguissem de perto.

   Finalmente, depois de minutos que pareceram horas, os rouxinóis conseguiram despistar suas perseguidoras. Encontraram refúgio numa pequena caverna sob algumas pedras de um outeiro, oculta por raízes e folhagens. O coração deles batia descompassado, mas estavam a salvo, por ora.

   — Não podemos alcançar a caverna dos filhotes com essas águias nos caçando — disse Valente, ofegante, enquanto olhava para a entrada da pequena gruta que os protegia. — Precisamos esperar a tempestade passar... e as águias desistirem, o que acho bem improvável.

   Valente sabia que os filhotes estavam sozinhos, talvez assustados, esperando por um resgate que não chegava. A chuva lá fora era uma barreira cruel, e as águias, um perigo constante, e os rouxinóis não sabiam onde elas estariam agora. Mas ali, naquela pequena caverna, eles fizeram um pacto silencioso de não desistir, não importa o que acontecesse. Eles encontrariam um jeito de salvar Jouie e Bek, contra todas as adversidades.

* * *

   Enquanto a tempestade rugia lá fora, os rouxinóis tentavam acalmar seu espírito, sabendo que cada minuto que passava aumentava o perigo para os filhotes sozinhos na caverna. Planejavam esperar até que a chuva diminuísse, mas a natureza, em sua fúria, parecia ter outros planos.

   Estava começando a escurecer, mas os últimos raios de sol revelavam um cenário desolador. A chuva havia se transformado em uma tempestade monstruosa durante a tarde, com relâmpagos que rasgavam o céu e trovões que sacudiam a terra. O vento soprava com tanta força que arrancava pequenas árvores do chão, e o riacho próximo à caverna havia se transformado em um rio furioso, suas águas turvas arrastando tudo em seu caminho.

   — Não podemos voar nisso! — exclamou Vicente, observando o caos lá fora.

   Eles sabiam que mesmo se conseguissem deixar a gruta, o vento e a chuva os jogariam contra as árvores ou os arrastariam para longe. E mesmo que, por algum milagre, conseguissem chegar à caverna da Pedra do Salão, como poderiam trazer os filhotes de volta em segurança?

   Valente, sempre tentando manter a esperança, propôs uma espera até que a tempestade diminuísse.

   — Vamos esperar, rapazes. — disse ele.

   Mas à medida que as horas passavam, a situação apenas piorava. Uma parte da encosta acima da caverna desmoronou, bloqueando a entrada com lama e pedras. Agora, não só estavam presos pela tempestade, mas também fisicamente impossibilitados de sair.

   — Precisamos cavar, encontrar uma saída! — disse Coração Valente, começando a picar a lama e as pedras com o bico.

   Mas a natureza não era a única adversidade que enfrentavam. As águias-serranas, aparentemente incansáveis, continuavam suas rondas. Em um momento de clareira entre as nuvens de chuva, os rouxinóis viram as grandes aves circulando acima, como se soubessem que sua presa estava presa e indefesa abaixo.

   A tarde se arrastou para a noite, e a noite trouxe consigo um frio cortante. A água começou a se infiltrar na pequena caverna, obrigando-os a se amontoarem para manter o calor. A comida era escassa; eles tinham apenas algumas sementes e insetos que Vicente havia encontrado antes de se abrigarem.

   Cada novo obstáculo parecia selar ainda mais o destino dos rouxinóis e dos filhotes perdidos. A esperança de um resgate se tornava cada vez mais distante, à medida que as forças da natureza e os predadores se alinhavam contra eles.

   Mas em meio à desesperança, Valente se recusou a desistir. Mesmo enfrentando a possibilidade de nunca mais ver os filhotes, ele falava com convicção:

   — Assim que a primeira luz surgir e a tempestade nos der uma trégua, mesmo que mínima, tentaremos novamente. Nossos filhotes estão esperando por nós. Não vamos desistir deles.

   Os rouxinóis, exaustos e famintos, se uniram nesse juramento silencioso. Eles enfrentariam o que viesse, desafiariam todas as probabilidades, pois a afeição que sentiam pelos filhotes e pela sua família era mais forte do que qualquer tempestade. Coração Valente se impressionou com o quanto de afeto e carinho que havia brotado em seu coração por aqueles filhotes. Será que quando fosse pai seria assim?

   Aquele era o fim do segundo dia desde que as águias invadiram.

O Vôo dos Pássaros Nortenhos [PARTE I]Onde histórias criam vida. Descubra agora