Um rei do passado

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Quando rei, no grande Palácio Resplandecente, o rei John Brason V, da ordem Thraupidae dos cardeais-do-nordeste, dispunha de grande liberdade e forte autoridade sobre todos os pássaros do vasto Reino do Norte. Era considerado um bom governante por todos os seus súditos, respeitando as diversas espécies da floresta e dando-lhes liberdade.

   Por isso, era muito amado por todos da Montanha Frutífera, tirado como justo em seus caminhos do meio dos outros nobres. Consequentemente, era odiado pelos outros cardeais, que não viam maneira de livrar-se dele, não enquanto estivesse no poder.

   Em meio às ideias absurdas do Conselho, o rei sempre interferia para que estas não fossem levadas em consideração, tratando os negócios da coroa sempre com muito zelo. Portanto, era um tanto severo às libertinagens dos nobres cardeais.

   Uma vez, o Membro Supremo do Conselho, Joseph, decretou uma lei absurda, na qual todos os patos e marrecos teriam de pagar uma certa quantia todas as vezes que entrassem no Rio Brilhante, mesmo longe das terras cardialenses. Lei tal que foi abolida imediatamente pelo Rei.

   Por isso, odiavam o rei ainda mais. Organizavam-se em reuniões secretas para conspirar contra ele e contra o seu governo e viam-no como um louco. Arquitetavam revoluções e manifestações que, na realidade, nunca eclodiam, pois temiam o poder do rei.

   Por outro lado, John Brason era admirado por ser um bom rei, como nunca houve outro igual em trezentos anos. Além de tudo, ainda oferecia banquetes nas terras reais e permitia que outros pássaros convivessem com os de sua espécie, dando-lhes terras no norte da Floresta e alimentos ricos.

   Foi John Brason quem introduziu também outras espécies de aves no Exército Real, afirmando ser elas de grande ajuda para os cardeais. Tinha uma política de tolerância tão forte que sua própria existência era considerada um ato de insurgência. Chegou até a chamar os canários de irmãos, coisas que não podiam ser jamais toleradas — ainda mais vindas de um cardeal. E aos olhos dos cardeais, isto não era o pior.

   Assim, uma vez estava em sua sala do trono — que a propósito, era bem espaçosa, cabendo ali uma legião inteira de pássaros —, lendo alguns artigos e documentos do Reino, quando o Membro Supremo, o senhor Joseph, o Periquito Real, entrou de mansinho ali. Assustou o rei com uma voz baixa e sombria, dizendo:

   — Saudações, Senhor rei! Tenho um assunto que, há tempos devo tratar com o senhor.

   — Adiante-se, Joseph. — disse o rei. — Estou agora no meio de uma leitura muito importante.

   — Vossa Majestade já está velho e cansado. Portanto, segundo a Lei dos cardeais-do-nordeste, que rege esta floresta, outro cardeal mais jovem e mais belo deve ocupar o vosso lugar.

   O rei pensou um pouco e disse:
   — Dei eu a vós algum motivo para que me aborreçam e me rejeitem?

   — De maneira nenhuma, real Senhor. Mas sabe como é que são as Leis dos cardeais, não é? — Era impressionante a sagacidade e o descaramento do periquito. — E sabes o quanto os seus irmãos são fiéis às leis. Mais do que ninguém, tu sabes, ó Real Senhor! De acordo com as Leis de Maximiliano I, todo rei que for incapacitado de exe...

   — Não cite a lei para mim, periquito! — interrompeu o rei, com voz firme. — Passei a minha vida toda estudando-a. Portanto, sei mais do que ninguém o que a Lei quer dizer com: “Todo rei que for incapacitado de exercer poder solene e autoridade em beleza, deve, portanto, ser substituído por um jovem cardeal que o supere em beleza. E assim sucessivamente.” Mas, entretanto, não acho que eu esteja dentro desses padrões. Pois, nenhum dos súditos que tenho em toda esta montanha jamais reclamou de meu governo.

O Vôo dos Pássaros Nortenhos [PARTE I]Onde histórias criam vida. Descubra agora