LIVRO I
A última vez que uma ave de rapina havia entrado no Reino Frutífero tinha sido há cerca de 300 anos. Poucos ainda se lembravam delas. Portanto, quando um imenso gavião — seria um gavião mesmo? — penetrou na Floresta Frutífera, todos ficaram amedrontados se perguntando de onde havia saído aquele gigante. O gavião matou cinco pombas, duas sabiás de laranjeira e uma perdiz. Apenas alguns Rouxinóis conseguiram escapar, por serem pequenos e espertos e terem entrado num oco de uma árvore de tronco grosso.
Nunca, em tantos anos, um gavião havia causado tanto estrago. Todas as aves daquelas redondezas da Floresta, que ficava mais ao sul, ficaram muito assustadas que o bicho pudesse voltar — quem sabe com um exército!
Por isso, foram queixar-se aos cardeais. No entanto, os pássaros não os levaram a sério e zombaram dos Rouxinóis. Mas que perda de tempo!
— E vocês, nobres Rouxinóis, querem mesmo que nós cardeais, pássaros sagrados da realeza, acreditemos em vocês? — diziam alguns soldados cardeais. — somos guerreiros de renome! Como é que qualquer pássaro, por maior que seja, pode desafiar-nos destruindo nossos domínios? — ainda bem que não reconheceram Coração Valente e nenhum de seus colaboradores. Será que alguém ali sabia que ele e seus companheiros eram Sentinelas do Povo?
— Mas era forte guerreiro e predador, senhores! — disse Coração Valente, um dos rouxinóis que havia sobrevivido ao massacre. — Com todo respeito, nobres soldados, era um guerreiro cinco vezes maior que um de vocês. Matou uma perdiz e mais sete pássaros grandes.
Mesmo assim, os soldados cardeais se recusaram a acreditar na história e espancaram e xingaram Coração Valente, alegando que não havia necessidade de importunarem o Conselho com uma mentira tão absurda.
— E se voltar a mentir de novo, Rouxinol, — disse um dos capitães do Exército Real — você e seus companheiros serão exterminados e não cantarão mais na floresta.
“Aquele soldado sabia da existência dos Sentinelas do Povo?”, pensou Coração Valente.
Os soldados cardeais o expulsaram juntamente com seus companheiros das proximidades do Palácio Resplandecente, que ficava no norte da Floresta Frutífera.
* * *
Coração Valente e seu grupo de Rouxinóis eram fiscais incansáveis do Reino. De dia, exploravam cada canto da floresta para garantir a segurança dos súditos. Eles voavam sem descanso, sabendo que esse era o seu dever diário. Para Coração Valente, proteger aquele lugar era sua maior paixão. Não importava quantas vezes já tivesse passado por ali, a floresta continuava sendo um lugar mágico para ele e seus companheiros.
Porém, desde a queda de John Brason, o velho rei deposto dos cardeais-do-nordeste e de todos os pássaros, Valente e seu bando tinham sido fiscais voluntários do Reino; não conheciam o novo Rei Wilhelm, e não poderiam servir a um rei desconhecido, jovem e incompetente, mas adoravam o povo. Antes, defendiam o “Povo” — quando este era chamado assim — para os cardeais. Agora, defendiam o povo dos cardeais, e de sua opressão. Para Valente e os outros, continuar fazendo o que sempre fizeram era uma honra e um dever, pois Valente sabia que ninguém era capaz de fazer o serviço melhor do que os rouxinóis. Talvez fosse orgulho ou presunção de sua parte, mas, o que isso importava?
Coração Valente adorava aquela floresta: o domínio dos Cardeais-do-Nordeste abrangia toda a Floresta Frutífera, que era bem extensa, com cerca de 211 Pm²*. Ali havia pássaros de todos os tipos e de todas as cores, e todos pagavam tributo aos cardeais.
Ao norte ficavam as imensas Campinas, onde moravam pássaros belos e ricos, incluindo os cardeais, é claro. Lá também ficava o Palácio Resplandecente, onde estavam os nobres e o rei Wilhelm, um cardeal-do-Nordeste que havia sido eleito pelo conselho por ser o mais belo de todos.A leste, encontravam-se os imensos abismos, que eram tão altos e íngremes que eram temidos até mesmo pelos mais valentes pássaros — sim! Eles tinham asas para voar, obviamente, mas o motivo de temerem os abismos, Valente não compreendia!
Ao longo de toda a fronteira leste, onde a Montanha Verde se encontrava com o Vale Perverso, havia grandiosas chapadas amedrontadoras e, por ser um lugar que despertava fortes superstições, era evitado por todos os pássaros da Floresta.
A oeste ficava o lugar mais belo de todo o reino: na outra borda da Montanha Verde, imponentes e deslumbrantes paisagens destacavam-se abaixo, onde se estendia o majestoso Vale da Primavera. O rio que nascia no coração da Floresta Frutífera, no topo da montanha — ou assim todos acreditavam —, descia em uma longa cascata e perdia-se pelo Vale da Primavera até onde os olhos alcançavam. O nome desse rio era Brilhante. De lá, fazia uma curva que ia em direção ao Leste.
Ao sul da floresta, moravam os pássaros camponeses e pobres. Como era uma floresta em uma montanha, os outros animais não conseguiam entrar ali — pelo menos , até agora não! — formando assim um reino de pássaros.
Coração Valente conhecia todos esses lugares como as pontas de suas penas.
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*Pm.: Plumagem; medida utilizada pelos pássaros, em substituição a quilômetros.
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O Vôo dos Pássaros Nortenhos [PARTE I]
MaceraEsta é uma Saga Épica de Coragem e Mistério. Para admiradores de narrativas heróicas e o maravilhoso mundo das aves, "O Vôo dos Pássaros Nortenhos" oferece uma viagem inesquecível ao coração de um reino perdido. Liderados por John Brason, um conjunt...