LIVRO II - O medo e a coragem

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Wilhelm voava em direção ao norte.
"Talvez se eu for para a praia, eles não me encontrem por lá." pensou ele. "Mas de qualquer forma, está difícil para mim; existem vigilantes naquela área. Corujas e outras aves guardam a costa. Eles me encontrarão facilmente! O que faço?"

   Há dois dias, Wil saíra do Palácio Resplandecente em direção ao norte. Voara sem destino certo, apenas para escapar da morte iminente; não sabia há quantos dias o Exército de aves de rapina chegaria no Reino dos Pássaros, mas até lá, estaria seguro em outro lugar bem longe dali. Precisava urgentemente de um esconderijo. Mas, seria este o restante de sua história: passar o resto da vida como um covarde, escondido em algum buraco por aí, ele que até poucos dias era Rei?

   As penas de rouxinol que colara em seu corpo com a plumocola, já haviam sido quase todas levadas pelo vento, e já estava de novo parecido com um cardeal-do-nordeste.

   Wil já havia passado por muitos lugares: já sobrevoara as Cabeceiras do Mundaú, as Matinhas, Sítio das Flores, o Mosteiro das Maritacas, o Reino Salgado - e por ali passara como peregrino —, Sítio Coqueiro, Barra do Córrego, Córrego da Estrada, e pousava agora na Lagoa de Humaitá, para descansar um pouco e tomar água. Ia sempre na direção norte.

   Pousou ali naquela margem sul da Lagoa, naquelas águas tranquilas e cristalinas, com flores cor-de-rosa e vitórias-régias na superfície.

   Aquela lagoa em formato de lula gigante, para quem vê de cima, distribuía seus enormes "tentáculos" ao longo de 11,7 plumagens quadradas. A oeste dali, ficavam Barra do Córrego, a 672 metros, e Córrego Novo, há duas plumagens de distância. A leste, a exatamente 5 plumagens, ficava Lagoa do Mato; a nordeste, a 4 plumagens, ficava a Duna do Pôr do Sol, e a partir dali começava a praia. Em breve, conheceria a famosa Praia de Apiques e a Praia das Pedras.

   Esta era a primeira vez que Wil saía das fronteiras do Reino dos Pássaros; na verdade, nunca teria coragem — ainda mais sozinho — de sair da Floresta Frutífera, se o medo não o tivesse feito sair de lá. Irônico; o medo era de fato, mais poderoso que a coragem; aquele é a raiz desta última, Wil pôde notar.

   Topara com pouquíssimas aves até chegar ali. Um beija-flor-de-banda-branca que o viu voando, achou um pouco estranho um rouxinol ser tão maior quanto aparenta; nessa hora, as penas já começavam a sair, e a plumocola já estava perdendo o efeito. Aquelas andorinhas estúpidas! Por que não desenvolveram a plumocola de uma forma mais eficaz?

   Pois bem, com relação ao beija-flor-de-banda-branca, ele o havia encontrado lá pelas bandas do Sítio das Flores. Wil não fazia ideia a qual espécie aquele beija-flor pertencia, contudo, havia deixado a impressão em Wil de ser um pássaro um tanto ansioso e com déficit de atenção. Wil não poderia prolongar qualquer assunto com ele, que este mudava imediatamente de assunto, sempre procurando alguma outra flor para beber-lhe o néctar.

   Enfim, por conseguinte, apartou-se daquele passarinho confuso e seguiu viagem.

   Wil abaixou o bico sobre a água da lagoa, para beber. Bebeu até ficar satisfeito. Não havia ninguém por ali; nenhuma ave, nenhum ser vivo.

   Ele se preparou para partir novamente, rumo às Praias; estava quase lá; só mais um pouco, e chegaria.

   Levantou vôo a 10 metros acima do solo, e logo avistou uma grande área ao seu redor. Foi em direção ao norte novamente, e logo chegou à margem nordeste da Lagoa de Humaitá. Aquela lagoa era, de fato, enorme.

   A Lagoa, localizada no Norte estrangeiro, era uma belíssima lagoa de água doce cercada por dunas e vegetação típica da região. Wil já ouvira falar muito nela, em histórias. Com suas águas calmas e cristalinas, ela oferecia um ambiente perfeito para relaxar e desfrutar da natureza. Suas areias brancas e finas convidavam os visitantes a saltitar e voar, sentir a suavidade sob os pés. Wil agora sabia por experiência própria. Além disso, a lagoa era conhecida por ser um ótimo local para a prática de esportes aquáticos, como stand-up puffin - um esporte praticado em algumas lagoas do interior da Floresta Frutífera, em que os pássaros habilidosos equilibravam-se em pranchas de madeira e remavam com suas asas, deslizando graciosamente sobre a água - e o caiaque albatroz - outra competição frenética, praticada no Rio Brilhante, em que os pássaros remavam com suas patas e asas, navegando pelas águas rápidas do rio. Os pássaros adoravam esses esportes, aproveitando a emoção e a beleza da natureza enquanto se divertiam juntos.

   Com sua beleza natural e tranquilidade, a Lagoa de Humaitá mostrara-se como um verdadeiro paraíso que encanta os visitantes com sua paisagem exuberante e atmosfera serena.

   Mas, por que "Humaitá"?, pensou Wil. Ele já ouvira uma vez que os Gigantes que caminham sobre duas pernas, os seres da floresta, a chamavam assim. Todas as aves também a conheciam por esse nome, pelo mesmo motivo. Traduzindo da língua dos seres da floresta, Humaitá queria dizer algo como "lagoa dos grandes peixes".

   Wil se aproximava das Dunas de Humaitá. Agora, ele estava definitivamente temeroso em continuar; não sabia que espécies de aves ou criaturas desconhecidas encontraria a partir dali, nem tampouco que rumo tomaria quando chegasse no Grande Mar. Obviamente, não poderia retornar ao Sul; ou tomaria a rota do Leste ou do Oeste, a menos que vivesse naquela praia pelo resto da vida.

   Encontraria ali, certamente, alguns vigilantes da Floresta Frutífera, pois os cardeais-do-nordeste compreendiam aquela região como pertencente à sua jurisdição. Até mesmo, até além-mar, aliás, até na Ilha Primeira.

   Wil já pensara em quão triste e solitária deveria ser a vida do antigo rei dos pássaros, John Brason, como o chamavam; quando seu tempo como monarca se esgotou, ele foi destituído e exilado naquela ilha selvagem. Apesar de não ter sido um rei mau, a lei é a lei. Wil nunca estudara a lei com tanta profundidade quanto aquele pérfido periquito e os outros membros do Conselho — além disso, nunca tinha tido a oportunidade para isso. Só entendia que John Brason fora deposto porque havia sido “incapacitado por idade avançada”. Realmente, aquele cardeal ficara por muito tempo no poder, tempo suficiente. Mas isso não mais importava. Wilhelm havia perdido o trono para sempre; a única coisa que ainda lhe restava, e que deveria lutar por ela, agora mais do que nunca, era sua vida.

   Várias fileiras de coqueiros estendiam-se por toda a região. Wil estava bastante receoso de continuar. Mas queria ver a praia e o Grande Mar, que só ouvira falar em histórias. Tentou afastar o medo e continuou voando em um céu fortemente ventoso.

   O vento, que soprava com bastante intensidade nessa região, bufava contra Wil, empurrando-o para trás. Se ele fosse supersticioso, poderia até dizer que algo não queria que ele chegasse naquela praia. O que seria morrer? Como um pássaro jovem e cheio de vida imaginaria ser a morte? Na mente de Wil, seria precedida por bastante violência, com certeza. Ele não sabia mais o que era o certo e o errado. Pelo que lutaria a partir de agora? Sobrevivência; era somente nisso em que pensava. Nunca havia pensado nisso antes, pois tudo parecia tão seguro e garantido!

   Wil se aproximava das Dunas do Pôr do Sol. De lá, percebeu que as Praias às quais desejava ir, ficavam mais à Noroeste, e estava indo demasiadamente para Leste. Enfim, seu senso de direção não era muito apurado.

   Voou para Noroeste, passando por lugares que não sabia o nome, até que chegou à Praia de Apiques. O lugar era repleto de coqueiros, dispostos em fileiras em todos os cantos da praia. Ao chegar próximo a uma dessas fileiras, que mais parecia com uma enorme muralha, guardando a região costeira — Wil pensou — de ataques tanto do sul, como de além-mar. De repente, viu alguns grupos de aves empoleiradas no topo dos coqueiros. Chegou mais perto. Viu que não era um grupo pequeno, mas centenas. Sua visão não lhe permitia que enxergasse mais à frente; afinal, os cardeais não eram conhecidos por terem a vista mais excelente de todas.

   Então, escutou um grasnido profundo, e, logo depois, um destacamento de aves que nunca tinha visto antes — provavelmente, aves marítimas —, bateu asas e voou na direção de Wil. Este apavorou-se imediatamente, e, por consequência e reação instintiva natural, deu meia volta e voou em máxima velocidade rumo ao Sul.

   Wilhelm acreditou serem os vigilantes da praia, sempre a serviço dos conselheiros cardeais. Mas, afinal, o teriam conhecido? Se sim, como sabiam que tinha fugido? Talvez viessem apenas para averiguar. Mas que desculpa Wil daria? Que mentira inventaria? Usaria sua habitual habilidade persuasiva; pelo menos, nisso era bom. Então, deu meia volta novamente, depois de resolver voltar e enfrentar os guardas. Esses guardas estão aí para proteger a praia, caso o velho Brason resolva voltar!, zombou Wil, em pensamento.

   Então, já ia de encontro aos vigilantes, que vinham em uma velocidade insana, como se viessem o derrubar, quando foi atacado violentamente por trás, como se um espião secreto o tivesse seguido desde sua saída do Reino dos Pássaros. Sentiu uma dor que o imobilizou; caiu no chão e perdeu a consciência.

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O Vôo dos Pássaros Nortenhos [PARTE I]Onde histórias criam vida. Descubra agora