O Vôo dos Pássaros Nortenhos [PARTE I]

Desafios do Destino

Valentina tinha se perguntado se valia a pena, alguém tão sábia quanto ela, sabedora de todo o Passado, Presente e Futuro, aconselhar alguém como John Brason. Um pássaro tão obstinado como aquele, Valentina nunca tinha conhecido.

   Ela sabia como a história dele iria terminar, e por isso mesmo é que iria ajudá-lo. Mas agora, o rei havia colocado na cabeça que Wilhelm é que seria o rei, ou melhor, continuaria como rei. Mas somente depois de um rigoroso treinamento.

   O velho cardeal explicara tudo à Valentina. Ele queria tornar Wilhelm tão forte quanto ele, em um treinamento de altíssima intensidade, levando o jovem “príncipe mimado” ao limite de suas energias. Wilhelm aprenderia todas as técnicas dos Velhos Mestres cardeais, as mesmas que John aprendera quando tinha sua idade.

   — Venha cá! — disse Brason, chamando Wil para o centro da clareira, no meio das árvores de jatobá.

   Valentina iria assistir à primeira aula em cima de um galho de um grosso jatobá. Seria um dos espetáculos mais imperdíveis de todos os tempos, com o maior guerreiro que a Floresta Frutífera já tivera, ensinando a Arte do Combate para um pássaro imaturo e sem experiência nenhuma de vida. Seria esplêndido e, ao mesmo tempo, engraçado.

   Wil se aproximava de John lentamente, como que examinando a situação, com receio. Valentina entendeu logo que ele estava com medo de John Brason.

   — Digo a você que nós temos como expulsar as águias-serranas de nosso amado reino. — disse Brason, dirigindo-se à Wil. — Mas primeiro, você precisa deixar de ser um covarde.

   Wil olhava para John, assim como se estivesse ainda sem acreditar que ele o considerava um covarde. Valentina compreendia os pensamentos de Wil; ela compreendia que ele ainda estivesse sem acreditar que Brason o considerasse um covarde, depois de sua longa viagem em direção à costa. Valentina realmente achara impressionante Wil ter sobrevivido depois de sair da Floresta Frutífera. Ele, um pássaro inexperiente, ter tido a coragem de sair da terra natal, era realmente impressionante. Mas Valentina não queria que ele soubesse disso. Wilhelm era um pássaro presunçoso e orgulhoso, e qualquer elogio poderia ser fatal para a diluição de suas vaidades.

   — Agora venha cá. — disse Brason. — Tente me acertar.

   — Não posso. — disse Wil. — Estou exausto; estou ferido.

   — Tente! Se esforce! — disse Brason.

   — Estou muito ferido! — gritou Wil.

   — Aprenda a lidar com a dor.

   — Se quiser, eu posso fazer com que lute, senhor. — disse um dos pardelas-de-asa-larga, de nome Rufino.

   — Peço um tempo para descansar! — disse Wil. — Um dia para me recuperar dos meus ferimentos e repor as energias!

   — Mas que insolência! — exclamou o pardela, partindo para o ataque. — Que atrevimento! — Ainda conseguiu desferir um golpe na cabeça de Wil; este caiu e desmaiou.

   — Chega! — berrou John. — Poderia tê-lo matado!

   O pardela baixou a cabeça, constrangido. John estava visivelmente furioso.

   — Está dispensado, senhor Rufino! — disse ele. — Pode voltar para a ilha, se quiser. Ou pode seguir qualquer outro rumo.

   Valentina notou uma certa rudeza no velho cardeal-do-nordeste. Porém, Rufino tinha sido muito mais rude e violento.

   — Agradeço o tempo em que passou no serviço desta causa. — continuou John. — Mas infelizmente, não pode continuar. Não posso conviver com aves que desobedecem às minhas ordens e não respeitam minha autoridade. E, afinal, estou fazendo isso pelo seu próprio bem; sei que não está gostando nada dessa campanha, assim como outras aves do bando. Portanto, ao voltar para seu hábitat natural, terá a oportunidade de voltar aos seus antigos hábitos alimentares.