O treinamento

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Penas Brancas despertou. Aquele era o segundo dia desde que as aves insulares tinham saído da Ilha. Há dois dias, Penas Brancas tinha deixado tudo para trás para seguir John Brason em seu propósito; bons alimentos, belas paisagens, tranquilidade praiana, e agora, adentrava cada vez mais profundamente nas matas fechadas do interior do continente.

   Estavam em um lugar há 9 plumagens a sudoeste da praia onde encontraram Valentina. Haviam chegado nesse sítio por volta da décima primeira hora, quase ao cair da noite do dia anterior. Penas Brancas percebia o descontentamento de algumas das aves que, assim como ele, acompanhavam Brason. Elas, definitivamente, não nasceram para aquela região; aquelas aves eram adaptadas às condições ambientais e ecológicas do arquipélago, que são diferentes das daquele lugar. Algumas delas, como as juruviaras-da-iha e as cocorutas, eram endêmicas, e esta última já contava com uma população bem pequena e restrita.

   Só que, devido à sua timidez, talvez, elas não reclamavam, sem ignorar o fato de que elas já tinham se comprometido com John Brason, e, portanto, sabiam que, a partir do momento em que saíssem da ilha, não havia volta. "Quer dizer, até teria volta", pensou Penas Brancas, "mas eles não seriam capazes de desertar a missão, e o voto que tinham com John Brason. Então, eles terão que ficar. Logo, logo se adaptarão; eu já me adaptei."

   — Onde está aquele malfadado cardeal-do-nordeste? — soltou Brason, claramente irritado, saltando do galho do grande carvalho em que tinha dormido. Ele chamava por Wilhelm, que tinha sumido.

   — Ele não está naquele jatobá em que dormiu ontem? — perguntou Penas Brancas.

   - Não. - disse Brason. - Alguém viu Wilhelm?

   - Não. Não vimos. - disseram os soldados.

   - Mas, ninguém ficou de guarda? - indagou Brason.

   - Alguém ficou de guarda? - repetiu Flor de Estrada.

   As aves se entreolharam e balançavam as cabeças uns para os outros.

   - Acho que não. - dizia um.

   - Você viu ele? - perguntava outro.

   - Ah! Esqueci de ensinar-lhes o monitoramento de prisioneiros!.. - disse Brason.

   - E o que é isso? - perguntou Flor de Estrada.

   - São técnicas para acompanhar e controlar as atividades e o comportamento de pássaros que estão presos ou em liberdade condicional. Mas faz tanto tempo que não havia uma guerra neste Reino que, simplesmente, caiu no desuso. Mas isso não adianta agora. Tenho muito a lhes ensinar, e tão pouco tempo.

   - Estávamos dormindo, senhor. - disse uma das gaivotas. - Estávamos muito cansados da viagem, e ainda estamos. - Penas Brancas percebia a frustração naquelas infelizes aves, que encontravam-se
a cerca de 254 Pms¹ da terra natal; elas estavam distribuídas desajeitadamente nos galhos e copas daqueles carvalhos e jatobás.

   - Esperem um pouco... - disse Flor de Estrada. - Onde está Cacimba Salgada?

   De repente, um barulho de luta entre pássaros surgiu no ar; vinha da entrada do esconderijo.

   - É ele, senhor. Cacimba o encontrou. - disse um dos tesourões.

   Pela abertura da clareira, no lado norte do esconderijo, Penas Brancas os avistou: o atobá Cacimba Salgada, acompanhado de cinco frangos-d'água-do-leste e cinco atobás-grandes, trazia Wilhelm preso em seu bico pontudo e serrilhado; ele reclamava e piava; Cacimba o prendia com força e segurança, e Penas Brancas sabia que, pela reputação que os bicos dos atobás tinham, ele não o soltaria facilmente. Jogou-o aos pés de John Brason, que estava no chão da clareira.

O Vôo dos Pássaros Nortenhos [PARTE I]Onde histórias criam vida. Descubra agora