Capítulo 1.

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Gostaria que a minha história fosse como a da Bela e da Ferra, em que a mocinha e a Ferra se apaixonam, quebram a maldição e no final a Ferra se transforma num belo moço que toma a mocinha para si, e tem seu final feliz.

Ou talvez num outro universo, sem como as garotas bonitas que tem momentos difíceis na vida mais sempre se sobressaem, pois o destino está ao seu favor. Como as protagonistas de novelas, que sempre vencem os vilões pois essa é a sua missão na novela, vencer.

Diferente de mim, o que é a visão do mundo visto pelo olhar acrílico de uma criança de apenas seis anos, nada é apenas neblina e terra dessecada, ou pior, uma estrada cheia de dunas e ruídos. Eu gostaria que minha vida fosse um livro fechado, ou um livro enigmático, mas pelo contrário, é um livro aberto cheio de erros gramáticas, lacunas e cheia de ruídos. Eu sou àquilo que você não desejaria ser, nem em um milhão de anos.

Não me recordo muito de meu pai, nem sei o que aconteceu com ele. Só sei que em um curto período da minha vida vivi com minha mãe e minhas irmãs, minha mãe é uma mulher que carrega frustrações do passado e presente, e com isso quero dizer, eu, minhas irmãs e seu mau gosto para homens. Me recordo que até aos meus oito anos era só eu e minhas irmãs, porque minha mãe também havia nós abandonado para recomeçar sua vida.

Minha mais velha é uns cinco anos mais velha que eu, eu sou a irmã do meu, e a mais nova tem três anos de diferença comigo. Ambas somos de pais diferentes. Não crescemos totalmente sozinhas, mesmo estando numa zona pobre, nossa vozinha uma senhora de idade que tem uma filha da mesma idade que a minha, foi que cuidou de nós, não no sentido literal. Mas foi ela quem nos ensinou a cozinhar, a fazer as tarefas domésticas e era ela que ia para nossas reuniões na escola. Isso até certo tempo, porque a bondade humana tem limites. Cada vez mais que crescemos, menos favores ela faz por nós, então, somos literalmente obrigadas a nós posicionar.

Minha mãe aparecia uma vez a outra, para ver se estávamos vivas ou se não vendemos o seu amado terreno. Ela vinha uma ou duas vezes ao ano, nunca se demora, na maior das hipóteses, levava apenas três dias no máximo e depois regressava. Crescemos sem saber para onde ela ia, com quem ficava, o que fazia, se estava bem ou não. Mas nós sentiamos que casa vez que ela voltava, mas mudada estava. Mas distante, mas fria, mas incompressível.

Minha irmã mais velha, Imma largou a escola muito cedo, ainda no quinto ano do fundamental, em parte eu entendo, afinal, ela tinha de cuidar de nos, Zulfa, nossa mãe, mal se preocupava com nossa vida acadêmica. Eu me esforçava, tenho dificuldades para assimilar matéria didática, mal conto as vezes que repeti o ano, chegando ao ponto inclusive de querer desistir.

Mas Imma estava lá, me dando uns beijos tapas para eu voltar a escola, me dando bronca apesar de não poder me ensinar. Fazendo pequenas tarefas domésticas em casas alheias para poder nos sustentar, Imma é minha mãe, mas do que Zulfa possa sequer pensar que é.

Eu não gosto da escola, gosto mas de brincar de fazer tranças as  minhas amigas ou brincando com as crianças do bairro, qualquer coisa que me distraia da miséria que é minha vida. Mas eu nem sempre podia me dar ao luxo de brincar, pois quando Imma ia trabalhar, eu tinha de ficar com Aina minha irmã mais nova em casa ou lhe acompanhar a escola. Diferente de nós, Aina, levava mais jeito a apreender matéria didática, tendo sido a única entre as três irmãs que não chegou a repetir de ano.

Nunca tivemos as melhores roupas, andar com roupa suja e algumas manchas permanentes era o nosso normal. Eu em particular, mal me sentia bonita. Gordinha, escura e com o cabelo crespo mal cuidado. Não era o tipo de criança que os meninos chamaria de bonita. Estava mais para uma velha num corpo e mente de criança.

Eu sentia tanta inveja das meninas bonitas, com família exemplar, ricas e com pais presentes que as vezes eu batia nelas por nada. Era só raiva e frustração. Porque não podia ser eu no lugar delas? Porque exatamente eu é quem devia ser pobre e negra numa civilização que mal havia abandonado o racismo.

Se passaram anos, desde que o racismo, o apartheid foram removidos, e os direitos humanos ungidos pela constituição mundial. Mas isso nunca, em nenhum estante, significou que o preconceito saiu do ser humano. Porque o ser humano, é de natureza um ser que só sabe julgar e descriminar.

Eu vivo em um país em que brancos, amarelos, negros, vivem em conjunto. Chegam até a ocupar mesmos cargos e ter a mesma condição financeira, mas, ainda existe a classe baixa, apesar de ser um país capitalista. Ou seja, sou negra, uma desvantagem, não sou sequer bonita, tenho uma escuresa arrepiante, mais uma desvantagem, sou pobre o mais importante, outras desvantagem, e para finalizar o meu pacote de azar, sou desfavorecida intelectualmente, em palavras comuns, uma burrinha.

Isso ainda pode piorar?

O Belo e a FeiaOnde histórias criam vida. Descubra agora