Capítulo 2.

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Eu devia ter doze anos, quando cruzei com o loiro dos olhos vermelhos-escuros. Ele sequer me notou, seu semblante fechado e mau humorado, parecia estar irritado. Mas com o tempo, fui descobrindo que aquela era seu normal, é a pessoa mais bonita que já vi, faço questão de admira-lo.

E digo mais, se eu pudesse tê-lo, seria ainda mais feliz. Com o tempo descobri seu nome, e de que família ele pertencia. Até parece a história de Romeu e Julieta, famílias rivais.

Rúben Gonzales, faz parte de uma das famílias bem sucedidas da cidade. Umas das poucas famílias que mantinha sua tradição estrangeira, e era repleta de branquelos puros. Na época eu era só uma adolescente, e não percebi a gravidade que é se apaixonar por um cara rico e branco, enquanto sou pobre e negra.

Carambas. Eu perguntava se isso ainda podia ficar pior! Deixa que vos diga, com 16 anos Imma teve seu primeiro filho, não chegou a ir viver na casa do pai de seu filho, que fingiu assumir a criança, mas quando viu que os preços de descartáveis, comida não é pouca coisa, caiu fora do barco e fingiu que nunca conheceu Imma.

Foi nessa época que eu descobri que era uma boa transista. E isso foi uma boa forma de aumentar consideravelmente o nosso orçamento, afinal tinha mais uma boca.

— São 667 MT. — abri minha carteira para tirar o valor, quando dei por mim só tinha 500 MT.

— Ah...irei deixar a papinha instantânea...— mordi os lábios entregando a única nota que me restava. Eu aqui pensando que sobraria com 100 MT de trocos.

Burra, eu sou uma grande estúpida e burra.

— Não precisa devolver, pode descontar do meu cartão o valor que falta.— fiquei sem ar, era a primeira vez que estávamos tão próximos e que ele se dirigia a mim, por mais que indiretamente.

— Muito Obrigada.

— Não tem de quê, imaginei que sua irmãzinha ficaria triste sem a  papinha.

— É para minha sobrinha, ainda assim muito obrigada.— falei com o coração nas nuvens.

— Disponha. Até mais. — o sorriso dele mal chegava aos olhos, ainda assim, é tão bonito e simpático que vale a pena de perder em sua magnificência.

Acreditem, fiquei com esperança que voltar a cruzar com ele, mas o destino não costuma sorrir muito ao meu favor.

Trançar por conta própria não estava rendendo muito porque pouca gente conhecia minha casa e meu trabalho. Por isso procurei trabalhar num salão que ficava nas redondezas do bairro. Acreditem no que vós digo, trabalhe no salão e você saberá de tudo, inclusive que o seu crush é muito desejado, e que ele costuma frequentar Lacoste bar com seus amigos próximos de vez em quando.

— Porque você faz isso ? Será que você não vês nossas condições?— berrei com Imma irritada.

— Aconteceu, queres que faça o que?— quatro anos depois, minha irmã volta a ficar grávida de um otário. Só para simplificar.

— Aborte.

— Não, se eu morrer? Cuidei de ti, de Aina, da minha filha, o que te faz pensar que não conseguirei cuidar desse bebê?

— Pensa um pouco tá? Pensa antes de abrir as pernas.— ela me deu um tapa, fazendo meu rosto estalar — A verdade dói né? Mas tem que ser dita! Você e Zulfa não tem diferença, só sabem abrir as pernas sem olhar para trás!— recebi outro tapa do rosto. Que desencadeou uma briga.

Minha sobrinha chorava, enquanto Aina tentava nos separar, sem muito sucesso foi chamar a dona Matilde, a mesma que cuidou de nós por longo tempo. Ela e sua filha Vitória, vieram, para nos separar.

— Será que ela não vê que não temos condições? Ou está a fazer de propósito. Peço para que alguém me responder.— gritei enquanto Vitória me agarrava e pedia para eu ter calma. — Qual calma, essa casa só tem dois quartos, dois quartos, você quer fazer time de futebol.

— Cala boca, não me falta o respeito sua vadia. Você pensa que tem a mesma idade que eu para falar desse jeito comigo? Nascemos no mesmo ano? Irei te bater estás ouvir? Não pense que somos iguais, não tente medir forças comigo.— Imma gritou, enquanto Dona Matilde a agarrava.

Naquela noite, Dona Matilde pediu que eu dormisse em sua casa, apenas por questões de seguranças. Eu estava muito magoada, porque se Imma continuar assim, por mais que eu queira entrar na faculdade, não conseguirei, porque todo o pouco dinheiro que conseguimos vai para a alimentação em casa.

Foi com exatamente quinze anos que comecei a consumir álcool, como forma de escapar do infortúnio que é a minha vida. Quem dera se eu estivesse bebendo bebidas leves e aconselháveis para garotas, mas não, estão bebendo secas. Álcool de baixo preço e alto teor. Comecei a escolher, quando ficaria e quando não.

Com o tempo eu e Imma nos resolvemos, afinal somos irmãs, e apenas temos uma outra nessa jornada. O mundo já é contra nós, não podemos nos dar ao luxo de nós auto-abandonar. Se juntas já tínhamos dificuldades para superar, nossos desafios, imagina separadas.

O Belo e a FeiaOnde histórias criam vida. Descubra agora