Capítulo 1 - Minha querida Bella

423 24 0
                                    

Bella

"Minha querida Bella.

Espero que você esteja bem depois do espetáculo digno de um Oscar que eu e o Gabriel demos na igreja no domingo passado. Confesso que a sua cara quando me viu beijando o seu noivinho perfeito foi impagável.

Você foi muito cega e burra mesmo pra não ter notado o que estava acontecendo praticamente escancarado na sua cara durante todo o seu patético e breve relacionamento.

Devo dizer que foi bastante divertido brincar com o seu lindo coraçãozinho, Bella.

Você estava tão desesperada por afeto que não percebeu que desde o primeiro momento você não passou de um peão no nosso jogo e que nós estávamos te usando para manter a chama do nosso relacionamento acesa?

É isso mesmo que você está pensando.

Eu e o Gabriel, estivemos juntos nisso desde o início, rindo do quão insignificante você é. Era excitante e extremamente fácil te manipular, já que você sempre acreditou em tudo o que inventamos e dissemos.

Bobinha apaixonada...

Enquanto você acreditava que ele te amava, nós estávamos dando risadas das coisas melosas e absurdas que tínhamos que inventar pra você cair no conto do homem perfeito. Até mesmo o quarto cheio de pétalas de rosas e balões de coração da sua primeira vez foi ideia minha.

Mas como tudo nessa vida tem um fim, o altar foi até onde eu permiti que o jogo fosse, afinal eu não poderia permitir que você se casasse com o homem que eu amo.

De qualquer modo, agora que eu e o Gabriel estamos indo embora, eu pensei que você merecia saber a verdade.

Apesar de tudo, espero que você tenha uma boa vida.

Com amor, Maria."

Mais uma vez eu li aquelas palavras, sentindo uma lágrima solitária rolar por meu rosto e o mesmo gosto amargo na boca do estômago desde a primeira vez que li essa carta.

Seis anos, Universo.

Seis malditos anos já se passaram desde aquele fatídico dia...

E ainda doía igual o inferno.

Seis malditos anos não foram suficientes para superar ou sequer aplacar a dor de todo o trauma e humilhação que Maria e Gabriel conseguiram me causar em um espaço tão curto de tempo...

Longe disso, na realidade, todos esses anos só serviram pra me destruir ainda mais, transformando a minha personalidade completamente. Onde antes havia uma pessoa alegre, positiva, sonhadora, carismática ao ponto de praticamente iluminar qualquer ambiente, no ponto em que estava, existia alguém frio, introvertido, solitário e pessimista.

Eu era basicamente uma casca de tudo aquilo que eu fui um dia e tinha o potencial de ter sido...

— Branquela, vamos sair hoje? — minha amiga perguntou ao adentrar meu quarto sem nenhuma cerimônia, interrompendo minhas divagações interiores.

— Verônica, eu tô cansada, não quero... — eu respondi enquanto escondia aquela carta discretamente, pra que ela não visse.

Não que essa fosse uma realidade possível de qualquer maneira, já que a atenção da morena estava em sua maquiagem que ela retocava na penteadeira do closet.

Ainda assim, eu não queria que ela soubesse desse lado do meu passado.

— E não tenho a menor pretensão de sair dessa cama, nem se Jesus Cristo resolvesse voltar agora — continuei reclamando e vi ela revirando os olhos pelo espelho. — Não depois da semana que eu tive.

— Para de drama vai, Bella. Eu aguentei esse teu mau-humor e as tuas grosserias a semana toda sem reclamar, agora a gente vai sair pra esquecer um pouco o inferno que tá sendo esse último semestre naquele lugar — Vero disse depois de retocar o batom e se virar para mim com os braços cruzados abaixo dos seios, enquanto arqueava a sobrancelha. — E vai se arrumar logo que eu não tenho a noite toda pra te esperar não. — Foi a minha vez de rolar os olhos. — Bora guria, que eu tô falando sério aqui!

— Por acaso você viu o dilúvio que tá caindo lá fora?

— E quando é que não tá? Meu bem, tu esperava o que dessa época do ano? — Vero retrucou de imediato, me fazendo suspirar frustrada e vencida pelo cansaço, antes de começar a procurar uma roupa adequada para sair naquele clima.

Enquanto me arrumava, mais uma vez, me peguei divagando sobre como o trauma mudou minha personalidade.

A minha relutância em sair era um exemplo perfeito disso.

Se eu fosse a mesma pessoa de antes de todo aquele inferno, seria eu quem estaria convidando ela pra sair e não o contrário, ainda mais em uma sexta-feira à noite, mas nesse momento, só a simples possibilidade de ter que sair para qualquer lugar já era o suficiente para me deixar inquieta e de certo modo ansiosa.

— Onde nós vamos, afinal? — perguntei ao sair do closet.

— A gente vai em um piano bar no Lago Sul, que fica praticamente as margens do Lago Paranoá. — Era evidente a animação em sua voz. — Na verdade, descobri esse bar, por causa de um deus grego que eu tô pegando. — Eu ri, internamente me perguntando quanto tempo aquele ficante duraria.

Pelo que me lembrava, o último "deus grego" que ela conheceu não durou uma semana.

— Ele toca piano lá, na sexta, no sábado e no domingo.

— Vero, eu te juro que se você me deixar de vela, dessa vez eu cumpro a promessa que te fiz de nunca mais colocar o seu nome nos meus trabalhos em grupo ou dupla — eu parei de pentear minhas mechas castanho mel e a ameacei seriamente. — E eu não estou brincando.

— Relaxa Branquela, como eu disse ele vai tá trabalhando hoje, essa nem seria uma possibilidade de qualquer jeito — Vero tentou me assegurar e eu estreitei os olhos em sua direção enquanto pegava meu celular e bolsa. — Tá pronta? — Eu assenti.

Nós saímos do nosso apartamento e fomos para o tal bar, que descobri se chamar Roni's ao chegar e com uma simples olhada pelo lugar, tive que reconhecer ser um bar agradável. Sentamos em uma mesa próxima do piano pela insistência da Vero e aguardamos pelo atendimento que, aliás, estava demorando um pouco para acontecer, enquanto a mais baixa não parava de falar em nenhum instante sobre o tal "deus grego".

— Boa noite! Sejam bem-vindas ao Roni's — um homem negro alto de pele clara, falou ao parar ao lado da nossa mesa com um tablet nas mãos e não pude deixar de notar que ele não trajava o uniforme dos garçons que vi pelo bar. — Gostaria de pedir desculpas pela demora no atendimento, estamos com o quadro de funcionários reduzido essa noite. Já sabem o que vão pedir?

— Sério? E alguém vai se apresentar hoje? — Vero perguntou, provavelmente pensando que não conseguiria ver o tal pianista e ignorando o questionamento do homem.

— Bom, o rapaz responsável pela música ainda não apareceu, mas eu estou tentando resolver isso. — O homem tirou o celular do bolso e o verificou de forma impaciente.

— Ah! Mas ele me disse que... — a mais baixa tentou dizer algo a respeito, mas logo foi interrompida por uma voz vindo de trás da minha cadeira.

— Caio, eu juro que se você não tiver um motivo forte o suficiente para ter me tirado de casa hoje, dessa vez eu te mato!

Espera, Universo...

Essa voz.

Porra!

Não!

Eu sabia exatamente a quem pertencia essa voz. 

Galáxias AzuisOnde histórias criam vida. Descubra agora