Capítulo 19

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Gwyneth B.


Edgar Allan Poe costumava dizer que os olhos são as janelas para a alma, e eu acreditava piamente nisso até esta noite. Agora eu me recuso a acreditar nesta falácia. Na realidade, eu só esperava que Edgar estivesse completamente equivocado, ou que nunca tivesse dito aquela maldita frase na vida. Porque aquele olhar era como uma escuridão infinita que guardava dentro de si mistérios, abismos e perigos inimagináveis, e se os olhos de Azriel eram assim, sombrios além da razão, eu não queria imaginar como seria sua alma, se é que ele de fato tem uma.

Fazia tempo que eu não sentia medo dele, tinha quase me esquecido de como era, do quão assustador ele consegue ser quando quer. Me enrolei na cama, buscando o máximo de tecido entre mim e o ar à minha volta, tentando assimilar o que havia acabado de acontecer. Aquilo não era ele, não era o Azriel que eu conhecia, aquilo era macabro e sombrio, e aqueles olhos... meus ossos tremiam só de lembrar.

E, por mais que eu tenha ficado realmente apavorada ao ouvir suas ameaças a Adam, era inacreditável como a minha mente fez questão de registrar perfeitamente a forma como ele se pôs por cima de mim, como segurou meus braços acima da minha cabeça. A dominação, a força sobrenatural, e a pressão de seu corpo grande contra o meu ainda ecoavam na minha cabeça como um estrondo, emaranhado-se aos milhões de sentimentos que faziam morada dentro de mim naquele momento.

Porra, Gwyneth.

Bufei, brava comigo mesma. Seria uma noite longa, e eu sabia que eu demoraria para dormir, mesmo que estivesse cansada, os pensamentos ambíguos não me deixariam apagar tão facilmente. Talvez eu devesse recorrer a um calmante. O sono sintético não era tão bom quanto o natural, mas deveria servir. Ou não.

Durante a madrugada, quando ainda assim eu não conseguia pregar os olhos, senti algo se enroscar no ao meu pé como uma pequena cobra, e eu me sobressaltei antes de perceber o que era.

— Olá — disse me sentando sobre a cama, e em seguida estendendo a mão para que elas subissem na minha palma.

Eram as sombras de Azriel.

Elas se enroscaram e se aninharam contra a minha mão e antebraço, depositando leves carícias e afagos aconchegantes pela minha pele. Sorri para elas, e não sei como, mas eu pude jurar que elas sorriram de volta.

Olhei ao redor procurando a bagagem — Azriel — que sempre vinha junto com elas, mas ele não estava ali, aparentemente vieram sozinhas desta vez, eu só não sabia o porquê.

— O que estão fazendo aqui? — Cochichei curiosa.

E de repente elas se soltaram da minha mão, passando a dançar graciosamente no ar. Estiquei meu braço para puxar a cordinha do abajur e finalmente poder enxergar bem o que estavam aprontando. As sombras se agruparam perfeitamente, tomando o formato de letras que juntas completavam uma pequena frase.

"Az sente muito".

Ah, sim, agora está muito claro o que está acontecendo por aqui.

Arqueei uma sobrancelha.

— E por que ele não veio pessoalmente me dizer isso?

Elas desfizeram a formação para se transformarem em outro amontoado de letras.

"Dissemos isso a Az, mas Az pensa que Gwyn não quer vê-lo."

— Az muito burro — respondi da mesma forma que elas, que pela primeira vez fizeram um som que pude ouvir, como o de pequenos sinos balançando.

Estavam rindo.

— Por acaso ele sabe que vocês estão aqui?

"Az não sabe."

The Devil's Dagger • GWYNRIEL AUOnde histórias criam vida. Descubra agora