Capítulo 3

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Gwyneth B.


O tabuleiro permaneceu intocado no dia seguinte, e no seguinte, e no dia após o seguinte, assim foi por quase uma semana. Estava guardado dentro do meu guarda-roupa, e sem sinal de ter criado pernas outra vez, já que não havia aparecido aleatoriamente em outro cômodo da casa, pelo menos não ainda. A falta de aparição dele infelizmente não significava que os acontecimentos do sábado tinham sido esquecidos, meu maior desejo naquele momento era bater a cabeça tão forte a ponto de esquecer todo o último mês, ou voltar no tempo para que eu sequer tivesse visitado aquela casa para começo de conversa, tudo isso só para eu não ter que revisitar aquelas lembranças que carbonizavam a minha paz viva.

Meus sonhos foram assombrados durante todos aqueles dias em que passei sem ter contato com o objeto, em todos os meus sonhos aquela figura humanoide que havia aparecido em frente à minha porta vinha ao meu encontro, ou estava à espreita em algum lugar, me observando de longe. Afirmando pela estatura, com certeza era um homem por volta de um e noventa de altura, magro, porém forte o suficiente para me trucidar com apenas uma mão, a julgar pelas ondulações nos membros que pareciam se tratar de músculos. Em um dos sonhos ele havia se aproximado o bastante para que eu pudesse sentir sua temperatura, e ele parecia ser quente como um ferro recém soldado. A nuvem escura ao redor dele parecia ter vida própria. Mas o mais surpreendente de tudo era que em nenhum dos sonhos senti medo, pelo contrário, a criatura parecia mais curiosa a meu respeito do que faminta, ele não me assustou ou violou uma vez sequer, mas... será que os sonhos que eu estive tendo coincidiam com a realidade? Aquilo podia muito bem ser apenas meu cérebro romantizando a situação traumática que passei. Bem, eu jamais saberia a resposta, já que nunca mais tocaria naquele tabuleiro outra vez.

Havia chegado do trabalho há algum tempo e estava sentada no balcão da cozinha, exatamente onde tudo havia começado, bebericando um copo d'água, absorta em meus próprios pensamentos. Estive considerando seriamente me mudar desta casa mesmo não tendo nem um mês de alugada. A multa de quebra de contrato seria gorda e eu teria que me virar para conseguir o dinheiro, já que o contrato era para um ano, no entanto, aquele dinheiro seria gasto para pagar a minha paz de espírito e saúde mental. Eu não passava um dia sequer sem pensar sobre o tabuleiro ou sonhar com aquela criatura, estava cansada disso, me sentia encurralada dentro da minha própria casa, sufocada pelas lembranças e sonhos. Aquilo precisava parar.

Saí da cozinha e entrei no banheiro para tomar um banho quente a fim de relaxar meus músculos tensos, por isso fiquei um tempo considerável deixando que a água os distensionasse. Eu sabia que não era bom para a saúde do fio lavar os cabelos na água quente e que aquilo fazia com que meu cabelo ficasse com um frizz incontrolável, mas eu não estava me importando, eu só queria ficar debaixo daquele chuveiro para sempre e esquecer de tudo.

O vapor da temperatura deixou uma névoa esbranquiçada e quente por todo o ar banheiro, os vidros estavam todos embaçados, mas havia algo de estranho em meu espelho. Saí do box enrolada na toalha e me aproximei para averiguar melhor do que se tratava e eu quase tombei para trás quando me dei conta do que era aquilo. Havia algo escrito no espelho, e parecia ter sido escrito segundos atrás a julgar pela clareza das letras.

"Você prometeu." estava marcado em meu espelho. Uma cobrança.

Abri rapidamente a porta do cômodo, dando de cara com o tabuleiro bem em cima da minha cama. Minha promessa estava sendo cobrada, e por mais que mudasse de casa a maldita tábua acharia um jeito de ir junto, se infiltraria nas caixas de mudança ou viria ao meu encontro da mesma forma que achou seu caminho de volta até a casa quando foi jogada no lixo, aquela coisa sabia muito bem como me encontrar, eu não tinha como me esconder.

— Tudo bem — respirei fundo, me sentindo derrotada.

Amarrei a toalha mais forte no busto e busquei na gaveta o primeiro pijama que consegui, fazendo o melhor que podia para não deixar meu corpo tremer.

The Devil's Dagger • GWYNRIEL AUOnde histórias criam vida. Descubra agora