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Leal

Ver o Caveira daquele jeito me derrubou. Eu sempre soube que pra minha cabeça mermo, era melhor levar um tiro do que ver o mano estirado no chão. Eu tava certo, na moral. O Caveira é meu chefe, mas é meu amigo e muito além disso também, ele é meu irmão. 

Foi ele que me tirou de uma vida de merda e me deu a opção de escolher a parada que eu ia ser. Ele colocou fé no meu potencial e meteu logo um cargo altão pra mim no bagulho. Antes de eu ter grana pra sustentar minha família, aquele pau no cu bancou tudo que precisava na minha casa e tudo que minha coroa queria. 

Quando os médicos levaram ele pra uma sala e eu não podia entrar, respirei fundo antes de voltar pra recepção onde os moleque tavam tudo. Passei a mão no rosto sabendo que uma hora ou outra eu ia ter que ligar pra mãe dele, pra irmã, pro TH e avisar pra Rafa. Eu nem sabia como fazer uma parada assim. 

Voltei pra recepção e todo mundo já veio me encher de pergunta e eu já meti logo um serinho, falando que não sabia e sentei numa cadeira mais afastada. Precisava pensar. 

— Já ligou pra coroa do mano? — D2 para na minha frente e coloca a mão na minha cabeça.

— Ainda não. — balanço a cabeça negando.

— Vai logo, cara. Quanto mais demorar pra fazer, pior vai ser. Só faz de uma vez. — levanto a cabeça e encaro ele. 

Ele tava certo. Eu queria que o Caveira saísse de lá e ele mermo pudesse avisar pra família dele, mas o papo é que eu nem sei quanto tempo isso pode demorar. Pego o meu celular do bolso, discando o número do TH, ele vai ser o primeiro. Depois de chamar umas quatro vezes, ele atende.

— Qual a boa, molecote? — ele diz feliz e eu respiro fundo.

— TH, é o Caveira. — ele não fala nada do outro lado e eu continuo. — Pegaram ele na covardia, encheram o mano de bala. Ele tá no hospital. 

— Quem? — ele se limita nisso.

— Foi a polícia, mano. Avisa pra Marcela, eu vou falar com a mãe dele. — ele fica calado por um tempo e quando eu penso em desligar, ele responde. 

— Não. Deixa a coroa lá. Eu vou pra aí com a Marcela, quando ele tiver bem, ele fala com ela. — ela vai matar a gente. 

— Mano, ela vai me matar. — eu digo rindo pelo nariz.

— Eu assumo a bronca. — ele faz o mesmo do outro lado e desliga em seguida.

O celular dele vibra, dessa vez é mensagem. Pego, olhando a tela e vejo que tem uma pá de mensagem do b.o que ele arrumou, mas a última me chamou atenção.

"Por favor, só me responde qualquer coisa. Eu tive um pressentimento muito ruim."

Deixo pra resolver essa parte quando a Marcela chegasse aqui, ela ia saber como lidar e o que falar pra Rafa. Levanto e pego um copo de água já pensando na bagunça que eu deixei o morro. Vou mais pra perto dos caras e já mando o papo retinho. 

— GB, tá no teu comando hoje. — ele me encara. — Organiza tudo lá, mano. Eu não posso sair daqui.

— Como tu quiser, irmão. Me avisa de qualquer parada. — ele começa a se despedir de todo mundo, inclusive de mim e sai em direção a porta.

— D2, volta pro morro. Vocês também, cambada. Quanto menos gente aqui colocando a cara pra jogo, melhor. — eles assentem e também se despedem, me deixando sozinho. 

Sento de novo na cadeira e apoio meus cotovelos na perna, encostando a cabeça nas mãos. A garganta entala e o choro ameaça vir forte. Não posso perder meu irmão. É só nisso que eu consigo pensar. Não existe a possibilidade de eu perder esse filho da puta. 

Em pouco tempo a recepção do hospital é invadida por uma Marcela maluca e apressada, com o celular na mão e o o rosto vermelho. Respiro fundo me preparando pro que vem aí.

— Cadê ele, Leal? Cadê meu irmão? — ela fala segurando minha blusa suja com o sangue dele.

— Ele tá lá dentro. Calma, Marcela. — ela senta na cadeira chorando e vejo o TH logo atrás, segurando o Lucas no colo. 

— E aí, irmão. — ele fala e pela primeira vez o Luquinhas não imita. Assustado.

— E aí. — damos um aperto de mão e logo sento também, sendo acompanhado pelo TH. 

Um bom tempo sentados, sem nenhuma notícia e cheios de medo dessa demora toda, um médico aparece e fica olhando pra recepção.

— Familiares de Matheus Oliveira França. — a gente levanta e minha voz não sai pra responder.

— Aqui. Eu sou irmã dele. Como meu irmão tá, doutor? — ela fala toda apressada e o TH coloca a mão no ombro dela.

— Bom, dona... — o médico começa.

— Marcela.

— Dona Marcela, seu irmão se encontra estável. Conseguimos controlar uma hemorragia pelo ferimento no peito que, por pouco, não atingiu uma estrutura importante do coração. Os outros ferimentos são de menor importância, então o que era necessário realizar já foi feito. Porém,seu irmão irá precisar passar por uma cirurgia em instantes pra reparar alguns tecidos cardíacos que foram lesionados. — ele respira e ela coloca a mão na cabeça chorando. — Volto em instantes para dar informações.

— Ele vai ficar bem? — ela pergunta quando ele já está saindo. 

— Faremos o possível. 

A calma que ela tinha conseguido enquanto esperava o médico, acaba de ir embora depois dessa informação dele. O TH me entrega o Luquinhas pra começar a tentativa de acalmar a mulher e o moleque ta assustadão. 

— Amor, eu preciso que tu me olhe. — ele diz pra ela, que levanta a cabeça. — O teu irmão é forte pra caralho. Ele não vai deixar o morro dele na mão desse zé ruela aí do Leal não, pô. — eles riem pelo nariz. — E outra, ele sabe que eu mataria ele eu mermo se ele fizesse uma parada dessa. 

Vejo a Marcela assentir e começar a respirar fundo, enquanto para de chorar aos poucos. O celular do Caveira vibra de novo. Rafaela. Quem respira fundo agora sou eu. Pego o celular e entrego na mão da Marcela. Ela olha o visor e não entende muito, mas antes que eu fale alguma coisa, o TH se mete.

— Eles tão de rolo, amor. Tem um tempo já. Conversa com ela. — ela olha pro celular e assente, se afastando um pouco da gente pra atender. 

Me estico na cadeira e jogo a cabeça pra trás, sentindo o corpo do Luquinhas pesar no meu peito e fecho os olhos. 

Se liga na tua responsa. É um péssimo dia pra tu inventar de morrer, irmão. 


A Primeira Dama do Tráfico Onde histórias criam vida. Descubra agora