Saio da casa dos patrões e vou até às casinhas onde os empregados moram. Estou feliz, pois vou estar perto o tempo todo de Samanun, senhora Samanun! Lady Samanun! Eu fico sempre em dúvidas sobre como devo chamar ela falando com você porque ela é minha patroa, mas também é a pessoa que eu sempre sonho em beijar. Só que eu sei que é só sonho. Não é realidade.
Sendo minha patroa, é minha obrigação chamar ela de senhora. Mas sendo alguém que eu sonho em beijar, é minha obrigação chamar ela pelo nome dela, que é Samanun. Consegue entender como eu me sinto? É complicado, eu sei. Nem eu mesma me entendo.
A paisagem da fazenda está escurecendo. O sol já desceu quase por completo. Está aquele tom laranja da cor das laranjas das laranjeiras que eu jamais cheguei a provar o sabor. O céu está um tom azul indo do claro ao escurecer. E eu olho para cima, pensando como Samanun é linda. Eu vou ficar no mesmo quarto que o dela. Vou estar ali. Isso me deixa tão feliz que eu tenho vontade de cantar como mamma canta.
Chego em casa. Meu pai está sentado na mesa da cozinha, enquanto minha mãe cozinha o jantar. Ele lê mais um panfleto em japonês e consigo ler a palavra você. Isso me deixa feliz, pois eu estou lendo de verdade.
- Otou-san. - Faço a reverência em respeito ao meu pai e ele faz um pequeno aceno, ao ouvir eu chamando ele de pai.
- Bambina, como foi seu dia? - Minha mãe se vira e sorri para mim
Por ser italiana, ela não gosta de usar a reverência com as mãos. Isso não é bem um costume da Itália. Mas meu pai só gosta de ser chamado de otou-san e exige que o respeito aos costumes sejam cumpridos.
- Mamma, foi bom e o da senhora? - Tento sorrir.
Estou com medo do meu pai, pois eu preciso ir logo ver Samanun, mas ele já havia me avisado que está combinado de eu me encontrar com meu noivo pela primeira vez.
- Foi buono. - Ela continua a sorrir e resolvo falar com ele.
- Otou-san... - Abaixo a cabeça. - Senhora Samanun me mandou dormir lá todas as noites porque está se sentindo só sem o marido.
- Chin está para chegar. Fique uns minutos e fale com seu noivo. - Ele dá a ordem e eu preciso acatar.
- Sim, otou-san. - Faço a reverência e me sento em outra cadeira.
- O Japão conquistou a China. - Vejo o orgulho em sua voz.
Minha mãe e eu não falamos nada. Meu pai não aceita nossa opinião sobre essas coisas. E nós também não temos muito o que falar.
Mamma é italiana e seu lado italiano não quer saber sobre a Itália perder a guerra. Assim como meu pai não quer ver o Japão perder. Nonno é outro que não aceita opinião feminina, mas adora gritar com meu pai sobre como a Itália vai vencer o Japão e que o Japão deveria tomar vergonha na cara e abandonar Hitler. Até Getúlio abandonou, ele grita com orgulho!
Meu pai e ele não se dão bem, eu já disse. Só que, às vezes, meu avô não se controla e ultrapassa os limites. Tenho até medo de, um dia, isso se transformar em algo ruim. O sangue quente italiano do meu avô poderia deixar meu pai sem paciência.
Ouvimos uma batida na porta. Eu atenderia, normalmente. Ou mamma iria. É a obrigação da mulher fazer as cortesias da casa. Só que sabemos que é meu noivo. E as cortesias de atender a porta para o noivo devem ser feitas pelo pai.
Meu pai se levanta e vai até à porta, abrindo-a... Vejo quando ele faz reverência para Chin. Vejo quando Chin entra e como aparenta ter tomado um banho, pois é a primeira vez que vejo ele tão limpo.
- Se a Mon já chegou, Jim já chegou. Vou lá ver ela. - Nop sai apressado, pois é o dia dele visitar a Jim para a cortesia do noivo.
- Konbanwa, Mon-san. - Chin faz reverência para mim, ao falar boa noite.
- Konbanwa, Chin-san. - Retribuo.
Meu pai vai para a cozinha e se senta na cadeira, observando nós na sala. Eu me sento numa caixa de madeira e ele se senta em outra, que é o nosso sofá. Eu fico em silêncio e ele também. Até que o tempo vai passando...
- Já está tarde. - Meu pai fala depois de um tempo.
- Oyasuminasai, Mon-san. - Chin se apressa em dizer boa noite, se despedindo, e fazendo a reverência.
- Oyasuminasai, Chin-san. - Faço o mesmo e vou para a cozinha, enquanto meu pai leva ele até à porta.
- Bambina, vai querer a janta? - Minha mãe me olha com interesse.
- Não, obrigada, mamma. Tenho que voltar porque a senhora Samanun pode estar brava me esperando. - Eu estou com fome, mas não posso esperar mais.
- Está certo... Vai lá, bambina. - Minha mãe volta para o que estava fazendo.
Vou andando e me despeço do meu pai. Saio de casa e ainda consigo ver Chin andando indo para a casa dele. Está andando olhando para o chão. Todo incurvado.
Me sinto mal por estar noiva dele. Acho ele feio e estranho. Ele é muito alto e desengonçado. E eu não queria estar noiva, muito menos, me casar. Mas meu pai mandou, eu tenho que fazer. Dar os netos e aumentar a família. Ou melhor, dar netos homens!
Eu vou ter que beijar aquele homem e fazer filhos com ele. Que nojo! Se eu pudesse, fugiria para bem longe. Não viveria nada disso. Seria livre em outro lugar. Eu sou estranha. Diferente da Jim que sonha em se casar e ter filhos. Eu odeio os homens. Eles são nojentos e feios. Não combinam comigo. Eu sei, sou estranha!
- Por que demorou? - Lady Samanun está deitada com uma roupa de dormir japonesa na cor bege.
- Desculpe, senhora. Meu pai me pediu para ficar um pouco e não pude negar. - Não falo sobre Chin, pois ela não precisa saber sobre isso, é coisa de camponês.
- Separei essa roupa para você. Coloque e deite-se. Logo, apagarei a vela. - Ela aponta para a roupa de cor azul claro em cima da cama.
- Senhora, estou suja. Dormirei no chão. - Fico muito sem graça com essa situação de dormir com ela na cama, ainda mais estando tão suja do trabalho.
- Amanhã, quando eu for tomar banho, você irá comigo. A banheira é grande e cabe nós duas. Hoje, você dormirá assim. Não há problemas, Kornkamon. - Ela parece não se importar comigo estando suja na cama dela, mas tomar banho juntas me pegou pelas calças.
Eu fico olhando para ela sem entender o que está acontecendo. Ela está, mesmo, me chamando para tomarmos um banho juntas? Isso não acontece. Mas ela está ali me olhando com aquele ar de quem está muito tranquila e sabendo muito bem o que está fazendo.
- Vamos tomar banho juntas? Eu não posso mostrar minhas vergonhas para a senhora. - Não sei como me sentir sobre isso, até porque minhas partes são feias!
- Sim, tomaremos banho juntas, Kornkamon! Somos mulheres! Mulheres não precisam sentir vergonha de mulheres! Eu vou te ensinar como tomar banho na banheira, não precisa ficar acanhada. - Ela fica me olhando como se fosse algo simples, mas não é.
Não sei como explicar... Me sinto confusa, pois não sabia que mulheres adultas e noivas ou casadas podiam tomar banho juntas. Não sabia nem que mulheres solteiras poderiam. Eu nunca tomei banho com a Jim.
Vou explicar algo... Mesmo que sonhe em beijar Samanun e odeie que ela faça algo sexual com seu marido, eu tenho vergonha dela. Sei que é bobo e estranho, mas é como me sinto. E estar pelada perto dela me deixa envergonhada. Porque, até onde eu sei, mulheres noivas ou casadas não tomam banho com as amigas. Nem com os maridos elas tomam!
- Sim, senhora. - Concordo e vou pegar a roupa porque ela é a patroa.
Se ela manda, eu devo respeitar. Então, pego o tecido da cama... Sinto o tecido de seda em minhas mãos. É tão macio! Nunca peguei um tecido tão macio e leve. Parece até a pluma de uma ave. Parece as penas de pássaros que caem no chão e eu costumo pegar.
Solto o tecido, por perceber que devo tirar a roupa do meu corpo e me trocar. Olho Samanun para ver se ela está me olhando. Estou me sentindo tão envergonhada. Mas ela está lendo o livro e parece nem me olhar. Isso diminui, um pouquinho, a minha vergonha.
Retiro minhas roupas, bem rápido, para colocar a roupa que ela me deu. Fico só de calçola. E minha calçola é velha. Tem uns buracos como se tivesse num tiroteio. Dou graças à madonna mia por ela não estar olhando essa peneira velha.
Coloco o tecido fino e caro em meu corpo bem rápido pra tampar isso. Sinto que a sensação na pele é tão delicada. Me sinto tão estranha vestindo isso. É como se não fosse pra ser meu. Como se eu estivesse vestindo a pele de outra pessoa. Mas eu gosto da sensação do tecido. Se eu fosse a patroa, amaria vestir isso todos os dias.
- Ficou bonito em você. - Ela me olha de uma forma que eu nunca vi nenhuma mulher me olhar antes.
- Obrigada pela roupa, senhora. - Agradeço fazendo a reverência japonesa para ela saber que estou bastante grata.
- Deite-se. Já vamos dormir. - Ela coloca o livro no criado e pega o castiçal que também está no criado.
Vou e puxo as cobertas finas para cima e me deito bem na beirada da cama, pois não quero que a senhora sinta meu cheiro fétido do trabalho em seu corpo cheiroso. Fico longe para ela ter a cama toda para ela.
Mas que porcaria! Eu deveria ter usado aquele tempo com o Chin para lavar, pelo menos, as partes. Sentar em cima da bacia e fazer o flop flop não seria nada mal. Pelo menos, eu não me sentiria tão suja assim. E nem tão envergonhada. Samanun merecia algo mais cheiroso em sua cama. Eu estou uma carniça!
Fico encolhida sentindo a leveza do pano em cima do meu corpo e a maciez embaixo, pois meu colchão é feito de palha e é muito duro. Os panos daqui são tão diferentes dos panos de casa. O colchão é tão macio que parece uma nuvem, de tão gostoso.
Fico sentindo a sensação da leveza, até tudo se tornar um breu, pois ela apagou as velas. Não dá pra ver nada. Está um completo silêncio, apenas quebrado pelos grilos e a coruja lá fora.
Fico parada. Meu coração começa a bater muito forte. Parece que ele retumba para fora de mim. Sinto ela se deitar e ficamos deitadas quietas. Eu evito até respirar muito alto e atrapalhar ela dormir. Nunca que eu iria retirar o sonho perfeito que ela merece ter.
- Por que está na ponta da cama? - Ela quebra o silêncio após um tempo.
- É melhor aqui, senhora. - Tento sorrir e passar a impressão que está tudo bem, mesmo que me sinta bem apertada.
- Venha mais pra cá, senão vai cair durante a noite. - Ela manda com uma voz calma.
- Eu estou fedida, senhora. - Fico com vergonha.
- Eu não me importo com essas bobagens. Mas você se importa, né? Já sei o que posso fazer para acalmá-la. - Ela se levanta e acende, de novo, a vela.
Olho para trás e vejo ela indo até a cômoda e pegando algo em cima. Depois, vejo ela vindo até onde eu estou. Fico sem entender o que ela vai fazer, ao mesmo tempo que meu coração dispara de medo de ela fazer algo comigo, como me bater por eu não obedecer. Senhora Yha já me bateu e não foi só uma vez. Mas também não foram tantas vezes assim.
- Pronto, vou passar um pouco do meu perfume em você! Assim, você se sente mais tranquila e confortável, já que tem o meu cheiro. Se levante um pouco. Me deixe passar. - A voz dela é tão calma e meu coração está sem controle.
- Sim, senhora. - Faço o que ela manda, tentando não morrer na frente dela.
Ela molha o dedo no vidro e toca no meu pescoço. Estou me esforçando para não tremer. Fico olhando para ela, pedindo para Madonna mia não deixar que meu coração exploda e eu morra na frente dela.
Sinto tantas coisas em meu coração. É tanto! Tanto, tanto! Mas olho para ela tentando não... Né? Enquanto ela passa, com a maior calma do mundo, o líquido em meu pescoço. Parece que eu vou explodir. Mas ela é tão gentil que parece que vai ser sempre só a lady Samanun. Tão donzela! E eu, aqui, sendo a Mon.
- Levante seus pulsos. Me deixe passar neles. - Ela fala com tanta calma que eu pareço uma criança com medo.
- Sim, senhora. - Obedeço e vejo quando ella passa nos meus pulsos.
- Agora, esfregue levemente um pulso no outro para espalhar o cheiro. - Ela manda e eu obedeço. - Agora, cheire! Veja que o seu cheiro é o mesmo que o meu. Não há mais diferença entre nós, Kornkamon.
Eu obedeço e cheiro meu pulso direito. O cheiro leve entra em meu nariz e sinto como se minha alma flutuasse para fora do chão. Sim, é o cheiro dela! Eu já sentia esse cheiro nela quando estávamos perto uma da outra. É um cheiro inconfundível. Só que sentir ele em mim me faz sentir como se nós fôssemos uma só. Isso é loucura, né?
- Agora, vou apagar a vela e você vai sair dessa beirada. Senão, vai se machucar. - Ela é sempre muito calma.
Vejo o breu cair pelo quarto, mais uma vez após ela ir e apagar a vela mais uma vez. Sinto quando ela começa a se deitar na cama. Me afasto um pouco da beirada da cama porque ela mandou que eu me afastasse.
Acho que é o suficiente aqui onde estou. Assim, eu não fico com meu corpo tão colado ao dela, mas não fico bem na beira. Só sei que seria desrespeito me deitar ali perto dela. Eu sei o meu lugar. Acho que aqui é o suficiente.
Eu estou deitada na cama dela, com o cheiro dela e posso sentir até o calorzinho que emana do corpo dela. Eu não poderia pedir mais nada na minha vida. Eu tive muito mais do que mereço. Isso é bem mais do que eu acreditei que teria dela. Ainda mais que ela me trata tão bem. Isso é tão incrível! Eu estou no paraíso!
Tento dormir, mas minha barriga começa a fazer barulho. Não comi nada à noite e sinto muita fome. Estou acostumada a ficar quase sem comer, mas hoje ela resolveu fazer barulho como se urrasse em desespero por um naco de alguma coisa. Porcaria de barriga! Justo, hoje!
- Kornkamon... - A voz da senhora quebra o barulho da minha barriga.
- Sim, senhora... - Estou me afundando nessa cama fofa de tanta vergonha.
- Está com fome? Pensei que havia comido em sua casa. Por isso, a demora. - Ela fala calmamente.
- Não comi, senhora. Desculpe o barulho. Se estiver incomodando, eu vou embora. - Fico mais sem graça ainda.
- Você vai até à cozinha e vai pegar algo para que possa comer. - Continua a falar calmamente e isso me deixa sem reação.
- A senhora Yha vai achar ruim. - Fico com medo.
- Eu vou, então. - Ela se levanta rápido.
- Não precisa, senhora! - Me apresso em dizer.
- Pare! É uma ordem! Eu vou e já volto. - Ela acende a vela e fico olhando, vendo ela sair do quarto e me sentindo muito envergonhada.
Fico olhando para o teto sem saber como me sentir. Ela está sendo tão legal comigo. Nunca tinha sido tão bem tratada aqui nessa casa. As senhoras são tão duras e bravas. Mas Samanun é tão boa comigo. Tão diferente. Eu não sei como me sentir, nem sei o que pensar.
- Pronto. Pegue. - Ela entra no quarto com um copo de leite e uma fatia grossa de bolo.
- Não precisava, senhora. - Quero me afundar ainda mais.
- Coma e vá dormir. - Ela ordena. - Quando terminar, coloque o prato e o copo no chão. Me avise que terminou e eu apagarei a vela.
- Sim, senhora. - Eu como o bolo delicioso e bebo o leite, bem rápido, fazendo meu estômago parecer estar feliz. - Pronto, senhora.
O breu atinge o quarto outra vez. Nós duas nos deitamos ao mesmo tempo. Sinto o corpo dela tocar o meu. Uma onda de choque me percorre por dentro. Eu sinto vontade de tocar o corpo dela. Mas isso é loucura! Mulheres não sentem essas vontades por mulheres! Ela é casada, é minha patroa e eu sou noiva! Isso não é nada normal!
Eu sei que é loucura, mas sinto vontade de tocar. O cheiro dela está em meio nariz. A pele dela é tão quente. A sensação é tão estranha. Mas ela se deita e eu também me deito. O silêncio toma conta de tudo. Escuto a respiração dela. Mordo meus lábios. Acho que estou nervosa. Fecho os olhos bem forte. Que Madonna mia me ajude! Eu estou perdida! Meu coração vai, mesmo, explodir!
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Illicit Affairs (REPOSTAGEM REVISADA E MELHORADA)
FanficApenas mais uma fic Monsam com nome de música da Taylor Swift. Mas essa aqui é de um caso ilícito. Aqui tem menção á história de verdade. Quem quiser aprender um pouco sobre cultura japonesa, história do Brasil, Japão e da 2 Grane Guerra, esteja à v...