モンスター姉妹

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    Hoje é o dia das irmãs do senhor Kirk chegarem. Os dias passaram como se fossem o sopro do vento jogando uma folha seca para longe da árvore. Só pra me lembrar que essa época do ano é sempre um pesadelo. Aquelas meninas me odeiam desde sempre. E eu tento fingir que elas gostam, mas eu sei que não gostam.
   — Ohayou. — Sam se espreguiça, dizendo bom dia.
   — Ohayou. — Eu me levanto e já me preparo para me arrumar e ir buscar o café.
   — Você está parecendo uma sakura. — Ela sorri de leve.
   — Nunca que eu me pareço com uma sakura. — Fico tímida porque as cerejeiras japonesas são lindas e eu vi o desenho num panfleto de otou-san.
   — Tem razão, parece-se mais com uma sakuranbo. — Ela sorri mais ainda, ao falar sobre a cereja.
   — Por que me vê como uma cereja? — Acho engraçado porque não sei de onde ela tirou isso.
   — Porque você é doce e fica vermelhinha quando está tímida. — Ela fala de um jeito que me faz ficar mais tímida ainda. — Olha aí, está vermelhinha igual uma sakuranbo. É uma sakuranbo.
   — Vou me lavar e buscar o café, Sam. — Saio apressada, morrendo de vergonha e sem saber onde escondo minha cara.
    Entro no banheiro e fecho a porta bem rápido. Se eu fosse uma criança, estaria me escondendo atrás da mãe. Coloco minha mão no peito e sinto meu coração acelerado. Sei que isso deve ser coisa só de amiga, o que ela fez. Só que isso me deixa muito... Ai, meu coração! Eu vou morrer!
    Respiro fundo para voltar ao normal e vou fazer o que preciso fazer porque Sam está me esperando. Mas eu quero dizer uma coisa para você que está lendo... Você sabe que eu gosto da Sam, não sabe? Você sabe porque eu digo isso sempre. E eu mesma sei disso desde sempre. Mas... Sei que somos só amigas.
    Fico tão feliz que a gente esteja tão próximas. E ela me trata tão bem. Tão diferente das outras senhoras. Mas sei que ela não sente por mim as coisas que eu sinto por ela. Ela deve amar o senhor Kirk. Está até grávida dele. Nunca que ela iria gostar de uma mulher. Ninguém gostaria.
    Isso é loucura da minha cabeça. Imagina só gostar de mulher assim. Acho que eu sou estranha. Não sei o que está acontecendo comigo, nem com o meu corpo ou com meu coração. Não entendo que está acontecendo comigo. E não tenho com quem falar. Ninguém entenderia o que eu sinto pela Sam. Nem ela.
    Nunca que ela iria gostar de mim. Mas eu fico feliz por estar perto dela. Nunca pensei que estaria perto dela. Eu sempre pensei que ela era a lady japonesa, igual ao que dizem das lady's, e eu seria a empregada que limparia a casa com todo o cuidado para não irritar a patroa.
    Me lembro de um dia, um pouco antes de o senhor Kirk partir, que a senhora Yha estava gritando comigo e jogou um tanto de coisas no chão e me mandou pegar porque eu não limpei como ela queria. Sam passou por nós e não fez nada. Só olhou e seguiu.
    No outro dia, ela estava sentada, sozinha, embaixo da jabuticabeira. Me olhou por um momento. Eu senti que ela queria falar comigo, sabe? Mas ela voltou a olhar para o livro como se não tivesse me visto. Logo depois, o senhor Kirk foi se sentar com ela. Ficaram lá um tempo e foram comer algo. Já eu... Eu limpei a mesa depois que eles saíram.
    Eu sempre via ela como a senhora vinda do Japão que nunca iria chegar perto de mim. Mas ela chegou. Isso é muito mais do que eu pensei que teria. E ela me chamar de cereja não é uma coisa tão grande. Ela só está sendo gentil comigo.
    Eu preciso acalmar meu coração. Aquieta, coração! Fique feliz só por ter ela por perto! Não invente expectativas onde não existe! Amigas podem chamar amigas de cereja. Eu nunca chamei a Jim, mas pode ser que seja um costume desconhecido, onde outras meninas chamam. Pronto, chega! É um costume que não conheço, só isso!
    Saio do banheiro e dou de cara com as irmãs Hamada. Que droga! Eu não esperava por isso. Elas chegaram mais cedo do que de costume. Sempre chegam depois do almoço. Não eram pra estar aqui nessa hora. E para o meu azar, elas me veem e vêm até mim.
    — Que roupa é essa, Monmon? Roubou as roupas de Samanun? — Tee me olha de uma forma bem má.
    Devo dizer... Assim como a senhora Yha e todos da fazenda, elas vestem roupas ocidentais. Só Sam que se veste como japonesa. E acho que sou a única que se veste também porque a Sam me deu as roupas dela para me vestir.
    — Monmon está vestida como se fosse dona da casa, mas é só uma serva inútil. — Kade começa a rir.
    — Não tens vergonha de vestir a roupa de sua senhora? Odeio gente que não sabe seu devido lugar. — Tee me olha irritada.
    — Vamos falar com Samanun, o tipo de pessoa que você é. Ela veio do Japão, não sabe como é aqui. Está sendo inocente! Está te deixando andar por essa casa como se fosse dona. Mas com a gente aqui você vai saber seu lugar. — Kade me olha com nojo.
    — Vou te colocar no seu lugar, rapidinho! Vá limpar meu quarto! E se ele não estiver como gosto, já sabe! — Tee ordena.
    — Depois, vá m limpar o meu quarto e se a virmos por aí, como se fosse uma dama, outra vez, nós mostraremos seu lugar do jeito que você merece. Onde já se viu? Ficamos longe estudando e quando voltamos, a empregada está agindo como se fosse mais dona da casa do que nós. Vou dar só a chances de ela mostrar o serviço, antes de fazer o que tenho vontade. — Kade sorri de uma forma que me deixa com medo.
    — Sim, senhoras. — Saio correndo para pegar as coisas para limpar o quarto de uma e depois o da outra.
    Estou limpando as coisas e me segurando para não chorar. Eu sei que deveria estar acostumada com esse tratamento. Elas já fizeram coisas ruins comigo antes. Eu já estou acostumada, mas dói, a humilhação.
    Se eu fosse uma patroa e não uma empregada, nunca que iria tratar alguém assim. Eu iria ser uma patroa legal e minha empregada iria me amar. Eu seria gentil e faria ela sentir que é bem tratada. Eu não sei o que é isso. Iria dar o que não tenho.
    Estoui limpando e ficam vindo tantas lembranças ruins de coisas que não queria me lembrar. São coisas que essas duas já fizeram comigo. As maldades, humilhações...
    É difícil viver essa vida. Já pensei em fugir tantas vezes. Mas eu ia pra onde? E minha família? A gente não abandona a família. Família é importante demais. Minha mãe ia ficar tão triste. Meu pai ia sentir que desonrei o nome dele. Mas eu já tive muita vontade de ir embora daqui. Eu não gosto daqui. Odeio aqui. Só a Sam me faz gostar de estar aqui.
    Quando Sam apareceu, os dias ficaram mais bonitos porque eu olhava para ela e tudo tinha cor. E esse é o problema. Eu me esqueci, nos últimos dias, como sou, apenas, a empregada. Apenas, a camponesa. Eu sei que não devia ter esquecido disso porque, agora, fico me lembrando de todas as coisas que já passei nessa maldita casa.
    Aos nove anos, elas me trancaram no quarto delas e falaram que, se eu tentasse sair, seria pior. Naquele dia, elas foram para a escola que fica em São Paulo. Eu fiquei dois dias naquele quarto sem poder fazer barulho, com muito medo e muita fome e sede. Além da vontade de fazer as necessidades.
    Meu pai me procurou pela fazenda toda e me bateu muito quando me encontraram presa no quarto. Foi a única vez que ele me bateu, mas foi a surra da minha vida por ele pensar que eu fiz de propósito. Ele disse que eu devia ter gritado para alguém me soltar. Disse que desonrei a família diante dos olhos do senhor Hamada e sua esposa. Mamma não fez nada e nem podia fazer. Otou-san é quem manda. E as marcas daquele dia ainda doem na minha pele. Também... Do meu coração. Mesmo que eu saiba que já tem muitos anos.
     Eu poderia dizer das vezes em que elas jogaram bolo no chão e me mandaram comer, falando que eu era uma morta de fome e devia comer como os porcos. Eu não comia, lógico. Aí elas me empurravam no chão.
     Acho que você pode estar pensando que eu estou mentindo porque ninguém é tão ruim assim. Elas são! Mas eu não posso chorar porque chorar é pior. Ainda mais, se elas me verem chorar. Elas gostam do choro. O choro dá mais poder para elas. Elas se sentem mais felizes com a minha dor.
     — O que faz aí, Kornkamon? Você não apareceu com o café. Te procurei pela casa toda. — Sam fala atrás de mim, na porta do quarto.
    — Estou fazendo meu trabalho, senhora Samanun. — Continuo a passar pano no chão limpo porque já tinha sido limpo pela Mhe.
    — Venha... — Ela fala com calma.
    — Senhora, eu preciso limpar. — Melhor eu desobedecer a Sam do que as irmãs.
    — Venha, Mon. — Ela continua calma e não parece ser uma ordem, parece ser um pedido.
    — Sim, senhora. — Coloco o rodo encostado na parede e vou atrás dela.
    Ela está calma como sempre. Anda com aquela leveza, e quando eu estou estabanada. Seu rosto, tão bonito, está calmo e sereno. Olho para ela pensando o que ela vai fazer porque ela não foi para o quarto dela. Ela está indo rumo até onde estão as senhoras, na sala de jantar.
    — Quem mandou Kornkamon limpar aquele quarto? — Ela está calma, mas consigo perceber a raiva em sua voz.
    — Não fui eu. — Senhora Yha bebe café e corta um pedaço do bolo.
    — Nem eu. — Tee dá de ombros.
    — Nem eu. Às vezes, ela gosta de limpar, né? — Kade também dá de ombros.
    — Seja quem for, não mande mais. Kornkamon é minha dama de companhia. Senhor Hamada deixou-me ter Kornkamon me ajudando a estudar o português e me ajudando com as coisas. Eu estou grávida e meu marido está na guerra. Deixem minha dama de companhia em paz! — Ela volta a falar calmamente e sem raiva, enquanto todas olham para ela sem acreditar.
    — Você está grávida? — Tee arregala os olhos.
    — Já escreveu para Kirk? — Kade pergunta.
    — Faz sentido você estar grávida. Vive passando mal. — Senhora Yha revira os olhos, como se não se importasse, mas eu consigo perceber a raiva por Sam poder estar com o herdeiro na barriga.
    — Kornkamon, pegue a bandeja e me encontre no quarto. — Ela sai andando sem responder nenhuma delas.
    — Sim, senhora. — Vou para a cozinha com pressa porque ela está esperando por mim.
    Quando entro na cozinha, vejo que Jim está falando com minha mãe. Estranho, porque mamma nunca vem aqui. O que só pode indicar que aconteceu alguma coisa com Nop ou com meu pai. Então, fico preocupada.
    — Mamma? — Chego nela com pressa.
    — Bambina, já faz tempo que não te vejo! E está tão linda com essa roupa! Parece uma princesa. — Ela sorri de um jeito que faz parecer sentir orgulho, o que me deixa tímida e feliz.
    — Senhora Samanun me deu essas roupas. — Mostro para ela, ainda tímida.
    — Está muito bonita, bambina. Così bello! — Ela continua a sorrir e faz a mão que só os italianos fazem.
    — Está mesmo, né, dona Giulia? — Jim também sorri.
    — Aconteceu alguma coisa? — Eu fico preocupada.
    — Mon, seu pai disse que hoje você precisa ir para casa à noite, por um tempo, e poderá voltar para dormir com a senhora Samanun. Você tem que chegar mais cedo para se arrumar para o yuino. — Minha mãe me olha com alegria, enquanto eu tento esconder meu desespero, pois não quero noivar oficialmente com aquele homem feio. — Avise para a senhora Samanun. Ela vai deixar você sair para o seu yuino. O senhor Hamada sempre deixa quando alguém vai fazer o seu.
    — Sim, senhora, mamma. — Concordo porque não tenho alternativas, mas minha vontade é de gritar ou fugir.
    — Já estou indo. Muita coisa pra fazer. Te vejo mais tarde, bambina. — Ela sorri e sai bem apressada.
    — Seu yuino vai ser antes do meu, mesmo eu namorando o Nop há mais tempo. Chin deve gostar muito de você. Até terminou a casa mais depressa, né? — Jim parece estar surpresa e eu estou só com rancor disso porque sei bem a pressa de que aquele homem tem, pois a gente sabe o que os homens querem.
    — Preciso de dois pedaços grandes de bolo, um café com leite e um sem. E também uma laranja descascada. — Acho que é suficiente para levar para Sam.
    — Você come junto com a senhora, não é? — Ela lança aquele olhar de quem sabe a resposta, enquanto coloca o bolo na bandeja.
    — Ela me dá um pouco. — Não minto.
    — Você tem sorte. Também queria comer um pouco. — Ela suspira e coloca o café em cima da bandeja.
    — Eu te trago um pedaço depois. — Ofereço de coração porque me lembro que ela merecia comer até mais que eu, já que é ela quem faz.
    — Melhor não. Se a senhora Yha descobrir, vai bater em nós duas. Não vale a pena. — Ela termina de descascar a laranja e coloca na bandeja. — Pronto.
    — Um dia, a gente vai ter uma vida melhor. Vamos ser mais felizes, né? — Digo algo que eu sempre digo para ela, desde criança.
    — Com sorte, vamos sair daqui. Mas vai lá com a senhora Samanun. — Ela dá um tapinha nas minhas costas.
    — Pode anotar, um dia eu vou embora daqui e volto pra te buscar. — Olho para ela antes de sair, mas penso que nem eu e nem ela acreditamos muito nisso.
    Passo pelas senhoras na mesa e elas me tratam como se eu não existisse. Vou direto para o quarto de Sam. Ela está sentada na cama lendo um livro. Eu coloco a bandeja na cômoda e entrego o prato com o bolo junto com o café com leite. Ela come tranquila.
    — Sam, eu vou precisar sair hoje à noite. — Me incomoda ter que dizer isso para ela, mas eu preciso.
    — Sem problemas. Vai visitar seus pais? — Ela me olha parecendo que sabe bem que não vou ver eles.
    — É o dia do meu yuino. — Suspiro, querendo morrer por dizer isso para meu grande amor.
    — Pode ir. Não vejo problema. — Ela permanece calma como sempre e eu estou aqui só querendo fugir desse lugar.

Esse capítulo terá curiosidade da fic... As maldades das irmãs podem parecer exagero, mas tem gente ruim assim e até pior. É só pegar histórias de trabalho escravo de mulheres que foram raptadas e viveram a vida toda com a família. Muitas ficam sem comer por dias e tudo mais. Mas isso é até que normal. Qual doméstica ou diarista vai trabalhar e não tem nem café para ela? Então... Foi baseada nisso que eu fiz o trabalho escravo da Mon. E eu já dei sinais que não é só a Mon. A Jim também sofre ali. Na minha cabeça, é mais fácil trabalhar fora daquela casa, lá no campo.

Illicit Affairs (REPOSTAGEM REVISADA E MELHORADA)Onde histórias criam vida. Descubra agora