Capítulo 11

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Ana chegou logo cedo. Viu a cozinha organizada e temeu que a patroa lhe mandasse embora. Justo agora que o menino estava em seu pior momento. Então se ocupou com café de verdade, que para ela era feito no fogão, não na máquina. Estava de costa quando foi surpreendida por Rafaella, que lhe beijou a cabeça.

- Bom dia, Aninha!-

- Bom dia, menina!- A governanta virou para abraçar a babá e Luca em seu colo. - Senti falta do pequeno zoião, como você o apelidou.-

- Ele também sentiu sua falta.- Rafaella disse se sentando na cadeira. O cheiro do café estava divino. Viu que Ana tinha os olhos marejados. - Como está seu enteado, Ana?-

- Nada bem, Rafa. Ainda ontem estive com ele no hospital. Parece que os remédios já não fazem resultado.-

- Nunca te perguntei isso, e se quiser, não responda... O que o seu enteado tem?-

- Essa conversa teremos depois que o café ficar pronto. Vamos nos sentar lá fora, não quero acordar o restante do pessoal.-

Rafaella aguardou a senhora terminar seu café, ajudou com o bolo que ela havia feito e trazido para o trabalho, e a seguiu para fora. Sentaram em uma mesa um tanto afastada da cozinha, e depois de servidas, Ana começou seu desabafo.

- Eu me casei com o João ainda muito jovem. Foi um arremedo de casamento. Nem meus pais, nem os dele foram. Depois de uns dois anos morando na Bahia, viemos para São Paulo. Eu estava grávida do meu primeiro menino. E foi aí que tudo começou... Ele saía de casa cedo e voltava bêbado, me batia tanto que perdi nosso menino. E com ele, meu útero. João ficou ainda mais violento, chegando ao ponto de me surrar até perder as forças.-

- Mas e seus pais, Ana? Ninguém quis te ajudar?-

- Não. Eu via meu pai surrar a minha mãe. Eu mesma apanhei dele varias vezes... Eu não pude ser mãe então ele me colocou para trabalhar. Um dia o João começou com uma febre que não cedia por nada. Tonteira, depois veio as feridas e a diarreia... Ele sempre dizia que não era nada, até o dia que a amante dele foi bater em casa, junto dos pais. A menina devia ter uns doze anos... Disse que estava com uma doença ruim e que ele era o causador. Como se não bastasse, ainda me trouxe o filho. Disse que não cuidaria de um menino doente. Para não ser preso por fazer safadeza com uma menina de doze anos, ele ficou com o Vinicius. João morreu um ano depois de ser infectado com AIDS, e a menina eu nunca mais vi. Toda a sorte é que o filho dele não desenvolveu a doença, mas tem o virus.-

- Mas Ana, você aguentou tudo isso sem nem ao menos pensar em voltar para a Bahia?-

- Tem uma coisa que eu não te contei.- Ela olhou Rafaella fixamente. - Eu tinha treze anos quando me envolvi com o João. Ele era casado e tinha oito filhos. No dia que a mulher nos pegou, no meio da roça de milho, me surrou até eu fazer xixi na roupa. Depois me levou até a minha casa e disse que as surras agora seriam minhas... Eu busquei aquilo Rafa, e me envergonho disso. Por favor não me julgue.-

- E como eu vou te julgar? Você era uma criança quando passou pelas mãos dele. E eu te entendo Ana. Vivi um casamento horrível e não consigo passar um dia sem ter a impressão que estou sendo desleal com o Antônio.-

- Não faça como eu, menina. Vai viver a sua vida, ainda é jovem e bonita. Se dê uma chance para amar de novo.- Ana pegou a mão dela entre as suas. - Se eu tivesse uma filha minha, queria que fosse como você.-

Rafaella sentiu a garganta apertar. A mãe morreu há tanto tempo, que ela havia se esquecido de como era o olhar materno para si. Aceitou o carinho da governanta por um tempo, até que a senhora se afastou, voltando a dizer:

- Vi que a cozinha está arrumada. Acho que a patroa não precisa mais dos meus serviços.-

- Precisa sim! A pobre da cozinheira sofreu nas mãos dela. Gizelly ficava dizendo que "Ana sabia desde sempre o que fazer".- Rafaella disse com a voz mais grave. O que fez a mais velha rir com o cenho franzido.

Uma babá para Luca. (GIRAFA)Onde histórias criam vida. Descubra agora