Capítulo Dois

2.8K 173 14
                                    

Perdi a noção de quantos minutos permaneci de olhos fechados rezando pelo meu irmão ali na pista e somente quando a chuva aumentou eu voltei à minha realidade.

De relance observei alguém abaixado ao meu lado e virei meu rosto para ver quem era. Quando meus olhos encontraram os olhos claros do homem, senti todo o meu corpo se arrepiar mais uma vez. Não era a presença de um anjo e sim de um demônio ao meu lado. O que ele estava fazendo ali? Zombando de mim?

Me levantei e fechei o meu casaco, dando alguns passos para trás para me afastar dele. A última pessoa que eu desejava ver estava bem ali na minha frente, me encarando como uma afronta, faltando somente rir do que tinha acontecido há cinco anos.

— Scarlett — ele disse e se levantou. Seus pés deram dois passos que me fizeram me afastar mais ainda, então ele parou.

Eu ainda me lembrava como se fosse ontem do dia do acidente, de quando Max saiu do seu carro para ver como Alex estava. Eu me encontrava aflita para saber o que tinha acontecido com o meu irmão, observando tudo pela pequena televisão do box da McLaren. Ele tinha causado o acidente, ele tinha fechado Alexsander na curva para se beneficiar e acabou fazendo meu irmão bater contra o muro com força. Max matou o meu irmão por causa da sua sede de ganhar.

Enquanto a ambulância e os bombeiros tiravam meu irmão da ferragem eu saí no pit lane e me encostei na grade chorando como uma bebê, mas não deixei ninguém da equipe se aproximar. Eu me lembrava de como todas as outras equipes ficaram me olhando arrasados. Foi quando Max chegou, visivelmente abalado também e se aproximou. Ele se abaixou na minha frente e segurou os meus ombros. Se fosse por qualquer outro momento, eu me sentiria bem em tê-lo ali comigo, mas não naquela circunstância. Foi a última vez em que o vi pessoalmente.

— O que você está fazendo aqui? — perguntei para ele, observando-o.

— O mesmo que você, visitando o lugar onde seu irmão faleceu.

— Você deveria ter vergonha na cara e não aparecer aqui hoje — senti as lágrimas começarem a rolar dos meus olhos novamente.

Ele assentiu e abaixou a cabeça por alguns segundos, então a levantou novamente para me olhar. Seus olhos passearam por mim, provavelmente ele estava procurando as palavras para usar naquele momento, mesmo que qualquer coisa que dissesse não seria válida para mim.

— Já se passaram cinco anos, Scarlett. São cinco anos que tento fazer contato com você e não obtenho resposta. Achei que vir aqui hoje seria a única forma de falar com você novamente.

— E o que você quer falar para mim, Max? — levantei o meu tom de voz. — Quer falar todas as bobagens de quem está arrependido e acha que vai mudar em algo?

— Não acho que vá mudar, só quero... Sei lá, eu quero que você fale comigo. Você me abandonou.

Abri minha boca e me aproximei, ficando completamente irritada. Como ele acha que eu iria reagir? Ele matava o meu irmão e eu continuaria sendo amiga dele? E eu o abandonei? E todas as vezes que ele me abandonou?

— Você só pode estar brincando. Você foi o causador do acidente, você fez aquilo por idiotice, sabia que não conseguiria passar e mesmo assim forçou! Ficou feliz por isso? — gritei com ele, que não me respondeu absolutamente nada. — Eu te odeio, Max, sempre vou te odiar! Eu queria nunca ter te conhecido!

Nesse momento as lágrimas já se misturavam com a chuva que caía e nos molhavam por completo ali no meio da pista. Eu queria poder ter forças para bater nele e descontar toda a minha raiva que eu guardava por anos, mas tudo que eu conseguia fazer era gritar e chorar como uma criança na frente dele e o seu silêncio era pior do que se ele estivesse batendo boca comigo.

— Eu te odeio — falei por fim, abaixando o meu tom de voz.

— Scarlett! — ouvi a voz de Charles gritar pelo meu nome e não tive nem forças de me virar para ele. Logo senti seus braços me rodearem. — O que faz aqui, cara? — ele perguntou para Verstappen que permanecia no mesmo lugar.

— Eu só queria me desculpar, mas pelo visto nunca vou conseguir — o ouvi dizer e levantei meu olhar. Max ainda me olhava, mas agora seu olhar era totalmente de culpa. Eu não sabia o que sentir quando nossos olhares se encontravam. Antes de toda a merda acontecer, nós éramos ótimos amigos.

— Vamos, Scar, está chovendo muito — Charles me falou, puxando-me suavemente para fora da pista.

[...]

A chuva já tinha parado quando chegamos na casa de Leclerc a noite. Seus dois irmãos, sua namorada e sua mãe estavam lá. Embora eu gostasse muito de todos eles — menos a nova namorada, porque eu não a conhecia — ainda não estava tão à vontade para conversar com todos.

A verdade era que eu não conseguia tirar da minha mente a cena de Max na chuva me olhando com aquele olhar de arrependimento. Ele me disse que há cinco anos tentava falar comigo e não conseguia. Será mesmo que ele fazia isso? Por estar bloqueado em minhas redes sociais, nenhuma notificação chegou para mim durante esse tempo todo. Ele poderia estar só tentando confundir minha cabeça.

Se eu dissesse que não gostava da nossa amizade antigamente, estaria mentindo. Max não era uma má pessoa fora das pistas, mas dentro delas ele sempre foi sério e se irritava por tudo. Eu tinha até receio de chegar perto dele quando perdia a corrida, porque se tornava completamente diferente.

— Você vai ficar para assistir ao Grand Prix dessa vez, Scarlett? — Pascale perguntou, levando uma travessa de comida para a mesa enquanto eu a ajudava.

— Não, vou embora amanhã para Houston.

— É uma pena, os meninos sentem falta de te ver no box. Arthur sempre está lá e perguntando por onde você anda, ele não tem te mandado mensagem?

Encolhi os ombros. Eu e Arthur éramos amigos, mas não tão próximos como eu e Charles. Me admira saber que ele perguntou por mim para os outros.

— Não manda com frequência. E eu ainda não estou pronta para enfrentar uma corrida de perto.

Ela assentiu e ao deixar a travessa na mesa, encostou sua mão em meu ombro.

— Eu sei o quão difícil é. Perdemos o padrinho e o pai de Charles e ficamos arrasados, mas se você não olhar para a frente, nunca conseguirá se livrar disso.

Eu sabia daquilo, sabia que precisava me livrar dos fantasmas do passado e encarar o meu trauma, mas ainda não me sentia pronta. Só de ter visto Max mais cedo eu já estava nervosa.

Assenti e forcei um sorriso para ela. Pascale era uma ótima pessoa e uma mãe maravilhosa.

Quando terminamos de servir tudo sobre a mesa de jantar, nos aproximamos e nos sentamos. Antes de servirmos a comida Pascale fez uma breve oração incluindo o nome de Alex e achei aquilo muito gentil da parte dela, especialmente por ser o dia da morte dele ainda.

O jantar ocorreu normalmente, com brincadeiras típicas de Charles com Arthur enquanto a namorada do meu amigo só ficava sorrindo timidamente. Alexandra não parecia ser uma má pessoa, mas toda vez que eu a olhava ainda me lembrava de Charlotte. Elas tinham uma grande semelhança. Talvez meu amigo não tivesse superado ou tivesse um tipo certo de mulher na vida dele.

Mais tarde naquela noite meus pais optaram por ir embora e Arthur me convidou para permanecer ali, mas neguei com a desculpa de que teria que ir embora terminar de arrumar as malas — que já estavam arrumadas desde o dia que cheguei.

— Você tem certeza que quer ir embora amanhã? — perguntou meu pai quando chegamos em casa. — Fique o restante das férias.

Ponderei por alguns segundos, eu ainda tinha praticamente um mês de férias, já que só tinha usado três dias dela.

— Vou embora, pai. Não quero ficar aqui nem mais um dia — disse antes de subir para o meu quarto.


Me and the Devil | Max VerstappenOnde histórias criam vida. Descubra agora