Meus amigos me usam de lareira sem culpa alguma. Isso daria um bom ganha-pão?

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"Não é porque o céu está nublado, que as estrelas morreram."

                                                                                           - Chico Buarte




[Luccas]

Eu estava pronto para pular e ir atrás deles, todos nós estávamos na verdade mas a passagem do ônibus foi fechada antes que conseguíssemos, estávamos amontoados na escada de acesso quando aquela coisa voltou a acelerar com tudo.

- Ei! - Yan fez cara feia, cada um de nós fuzilou o motorista com os olhos. - Volta lá!

- Está brincando comigo? - O homem pisou mais no acelerador. - Viu o tamanho daquele urso? Nunca ouvi falar de um tão grande! Eu odeio ter que fazer isso, de verdade, não queria ter que deixar ninguém para trás, principalmente três crianças mas aqui dentro estamos em cinquenta! Não são opções nada balanceadas, mas estamos em maior número! Me perdoem pelos amigos de vocês mas... mas são prioridades!

Vendo o suor e o desespero tomar conta dele nossa raiva foi aos poucos indo embora, seus olhos estavam marejados de culpa, sua voz falhava e ele parecia se forçar em não olhar nenhum dos espelhos retrovisores, não queria olhar para trás. Nos escouramos na porta fina para tentar ver alguma coisa mas já estávamos longe demais, apesar das luzes dos postes da estrada estava escuro demais para qualquer coisa mais distante que dois metros fosse realmente vista, raios iluminavam o céu hora ou outra.

Lá atrás era possível perceber os demais passageiros ajudando uns aos outros como podiam, pelo visto aquela mulher não teve dificuldade nenhuma de passar por eles, quebrou vários ossos para isso sem demora alguma. Um sentimento ruim apertava meu coração. Só esperava que ficassem bem.

Para a nossa sorte chegamos até que bem rápido na rodoviária, descemos com outros ônibus e dezenas de outros passageiros sem problema algum, os que estavam feridos foram direto para um hospital já os demais para a delegacia mais próxima.

- O que vamos fazer? - Emberly perguntou. - Voltar?

- Alguém aqui lembra o caminho...? - Yan teve esperanças, mas morreram assim que viu nossas caras.

- Não seria melhor esperarmos aqui? - Amanda propôs. - Eles sabem para onde o ônibus estava indo antes do ataque, eles devem vir atrás de nós. Não é?

- Mas eles sabem o caminho? - perguntei

- Acho que fica mais fácil para eles virem da estrada até a rodoviária do que nós voltarmos, é um caminho apenas para automóveis afinal de conta, o nosso sentido fica mais complicado por que... bem, quantas pessoas vão de uma cidade a outra à pé no meio de uma avenida como aquela? Vir de fora para dentro acho que não é tão complicado. Pelo menos na minha cabeça isso faz sentido.

Ela falou e falou e antes do fim eu já tinha perdido o nó dado no início, me perdi completamente mas fiquei com preguiça de falar. Ela era inteligente, com certeza sabia do que estava falando, então só a seguimos até o primeiro banco de mármore que encontramos. Tentamos ficar ali sentados mas simplesmente ficar olhando para o nada não dava certo para nós, em menos de dez minutos já estávamos espalhados pelo lugar passando os olhos curiosos pelas lanchonetes super caras de lá. Meu estômago roncou, como eu queria ter lembrado de levar dinheiro mortal comigo.

Passei lentamente os olhos pelas revistas na banca, todas organizadas por assunto de forma que meu TDAH agradecia muito. Perdi a noção de tudo me afundando na sessão de músicas estrangeiras, principalmente em uma em específico com uma mulher na capa tocando violão e cantando alto e sorridente em cima de um palco oliminado por lâmpadas redondas e bonitas. Peguei com um sorriso pequeno no rosto. O lugar ainda estava do jeito que eu me lembrava. Ela estava tão linda quanto eu me lembrava. Passei carinhosamente os dedos por cima de sua foto. Senti o coração apertar.

Meio Sangue- Missão de resgateOnde histórias criam vida. Descubra agora