Rafael Lange
Após algumas horas naquela sala observando todas as câmeras, optamos por dar uma pausa. Estamos muito cansados e precisamos nos dar um tempo, pelo menos, às vezes. Por agora, estou no refeitório do hospital, acompanhado por mais alguns médicos, que também estão em seu horário livre. Suspiro, olhando para os lados e notando o quanto esse lugar virou um cotidiano em minha vida. Posso contar nos dedos quantas horas passo em minha casa durando a semana, pois na maioria das vezes, estou aqui. Sempre cumprindo alguma carga horária extra, ou de algum médico que não está. Gosto de estar aqui, de poder ajudar o máximo de pessoas possíveis. A sensação de ser o salvador de diversas pessoas, é extraordinária. Entretanto, isso realmente está me fazendo bem? Sou capaz de ajudar tantos, mas não a mim. Parece até uma piada como os meus pacientes estão ficando bem, mas eu apenas me deterioro não me dando um único período de férias. Desde que todo esse show de horrores vem acontecendo, sinto que me cobro bem mais que o normal. Estou lutando pelo cargo de Mikhael, apenas pelo fato de não ser ocupado por Batista, porém tenho dúvidas sobre realmente conseguir ser bom. A maioria das coisas que venho fazendo ultimamente, é muito mais pelos outros, e não por mim. Não sei quando vou conseguir relaxar, ainda mais sabendo que minha mente nunca para.
Após alguns minutos tentando me distrair com os médicos, prefiro me retirar e caminhar em passos lentos até o quarto de Felipe. Não sei o que acontecerá com ele, na verdade, nem sei dizer se vou vê-lo uma outra vez, até porque, Batista é capaz de qualquer coisa. Tudo que sei, é que jamais conseguirei me perdoar caso qualquer coisa aconteça a ele, ainda mais, sendo o seu médico. Prometi cuidar dele e seria um extremo não conseguir cumprir tal coisa. A verdade, é que sou totalmente apaixonado pelo Felipe e daria tudo para ficarmos juntos, mas isso não é possível. Somos médico e paciente, com certeza, uma relação que não iria a lugar algum. Além de que sua condição mental é muito para eu conseguir suportar em um relacionamento. Apenas prefiro poupar ele da confusão que sou, levando em consideração que o mesmo já tem uma em sua cabeça. Somos amigos e não pretendo passar disso. Muitos podem não entender a minha decisão, até porque, o meu sentimento por ele, é reciproco, porém vai além de qualquer entendimento. É algo que ninguém além de mim precisa entender.
— Será que você tá bem? — Seguro em seu urso de pelúcia, aquele que ele não consegue dormir sem. Seguro minhas lágrimas, tentando me manter estável. Não posso ter uma recaída agora. Não houve tanto tempo para pensar, pois logo me viro rapidamente em direção a porta após ouvi-la sendo aberta bruscamente.
— Claro que eu tô bem. — Felipe está a minha frente, mas nitidamente instável e segurando uma faca em uma de suas mãos. Engoli em seco quando vejo-o vindo em minha direção. — Eu preciso fazer uma coisa, mas... Prometo que vai ser rápido! — Me afasto o máximo que consigo. Provavelmente, essa é a pior crise que ele já teve dentro desse hospital. O melhor que posso fazer, é tentar deixa-lo consciente outra vez, mesmo sabendo o quanto é difícil.
— Felps... Você sabe quem eu sou, né? — Sorri trêmulo, vendo ele arquear uma das suas sobrancelhas. — Sou eu, o Cellbit... — Pela aproximação, começo a suar frio. Suas ações são imprevisíveis e a faca está muito próxima a mim.
— Você... — Ele começa a recuar, parecendo entender o que disse, mas logo sinto fúria em seu olhar. — Você me enganou! — Gritando, coloca a lâmina em meu pescoço. — Eu pensei que você me amava, mas agora... Preciso te matar por ele! — Sinto um leve corte sendo formado em minha pele e a única coisa possível a se fazer nesse momento, é tentar me acalmar para poder fazer o mesmo com ele.
— Quem mentiu pra você, meu amor? Eu amo você mais do que qualquer outra coisa nesse mundo. — Lentamente, aproximo minha mão de seu rosto, fazendo um breve carinho, sentindo a faca sendo retirada de meu pescoço. — Me conta quem falou essas bobagens pra você... Vamos fazer ele pagar pelo o que fez, tudo bem? — Aos poucos, consigo me aproximar dele, lhe dando um abraço. Isso foi o suficiente para ouvir algo caindo no chão, o que deduzi ser a faca.
— Foi o Batista... Ele mentiu pra mim! — Sinto socos sendo desferidos em minhas costas. Apenas suspiro, deixando ele descontar toda a sua raiva, porque sei que assim, o mesmo vai conseguir retomar a consciência. — Ele disse que você é uma pessoa horrível... Como fui capaz de acreditar? — Mais alguns socos até sentir suas lágrimas molhando meu jaleco. — Eu acho que Batista tá aqui no hospital... Ele veio comigo! — Sua convicção me faz acreditar fielmente em suas palavras, mesmo sabendo que ele está em uma crise. Sempre confiei nele e agora não será diferente. Convoquei os policiais que já estão no hospital e assim, ele conseguiu explicar tudo com calma e em detalhes. O fato de ter conseguido acalma-lo em uma crise tão ruim, só me faz entender o porquê trabalho tendo pouco descanso. Tudo o que faço, está sim, sendo recompensado. Ver que estou sendo um bom médico, não tem preço algum que pague.
Após toda a explicação, com a ansiedade tomando conta de nós, finalmente conseguimos o mandado de prisão de Batista. Como é flagrante, precisamos ser rápidos para conseguirmos fazer isso dar certo. Nunca tivemos essa oportunidade até o momento, por isso, vamos tentar aproveitar ao máximo. Fomos até a porta dos fundos do prédio, onde Batista possivelmente iria entrar no hospital. No caminho, consegui chamar Tarik, para que assim, pudessemos acompanhar tudo bem de perto. Apenas segui o Felipe a todo o momento, tendo esperanças de que ele está certo. Foi o momento perfeito, porque Batista havia acabado de entrar para poder iniciar o seu turno. Confesso que senti uma felicidade imensa ao vê-lo totalmente assustado e algemado. Ele realmente pensou que conseguiria usar o meu próprio paciente contra mim. Logo eu que sei com quem estou lidando. Fico totalmente satisfeito por saber que as palavras de Felipe foram levadas em consideração. Uma parte já foi feita, agora é incrimina-lo por cada crime cometido aqui dentro, o que creio que não será difícil, até porque, quem fez a prisão não foram os investigadores que já estão há meses no caso, mas sim, os policiais que ofereceram ajuda nesses últimos dias. De qualquer forma, estamos mais perto do que nunca de conseguirmos o que tanto queremos.
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Falsas pistas (Mitw).
Mystery / ThrillerÀs vezes, não é necessário procurar pelo culpado. Ele pode estar nesse exato momento, ao seu lado.