Falsas pistas (Mitw).

Recíproco.

Rafael Lange

Mesmo não querendo, decidi tirar uma folga de algumas obrigações aqui do hospital e também, da investigação, levando em consideração que os investigadores já estão conseguindo fazer tudo desde que Batista confessou algumas coisas. Por mais que ainda tenha muitas dúvidas no ar e a minha maior vontade seja tentar decifra-las, por agora, preciso focar nas coisas que realmente são importantes: Meus pacientes. O fato de ser bastante instável mentalmente me impossibilita de muitas coisas, mas não foi isso que me desanimou para conseguir o meu diploma de medicina. Fui muito subestimado por conta disso, principalmente pela minha família. Eles não escondiam o fato de serem contra a tudo o que eu queria fazer, porque sempre sonhei grande. E por conta desses sonhos, é aqui que estou hoje em dia. E é com a minha força, que sou capaz de encorajar aqueles que estão ao meu redor para realizarem aquilo que acreditam ser possível. É essa visão que tento passar diariamente para quem está dentro desse hospital. E já sabemos o desfecho dessa história: Assim que consegui o meu trabalho, os meus familiares se arrependeram e mudaram de ideia sobre mim, mas eu não deixe-me levar por um discurso tão barato. Sozinho fui capaz de quebrar barreiras e tenho certeza que continuarei assim.

A situação entre mim e Tarik continua a mesma. Desde que o beijo aconteceu, nenhum de nós dois falamos sobre o ocorrido. Mas, determinado irei resolver essa pendência hoje. Isso não atrapalha a nossa convivência em si, mas no geral, é uma sensação que incomoda até a Felipe, que não tem nada haver com a situação toda. Já que acabei iniciando aquele ato, nada mais justo do que iniciar uma conversa sobre. Não sei como ele irá reagir, mas me disponho a entender todos os seus sentimentos. No momento, me sinto confuso. Fiz aquilo pensando em Zaghetti, e no quão sentia a sua falta. Ao mesmo tempo, não é segredo que Pacagnan sempre me despertou de alguma maneira desde que chegou aqui. Nunca passou de disso, mas quando tive uma oportunidade, não pude desperdiçar. Não tento mais entender todas as emoções que sinto, principalmente por agir de maneira tão momentânea, mas não me arrependo por nada que fiz. Ainda não sei o que nossa relação poderá se tornar um dia, principalmente tendo Felipe no meio disso tudo. Prefiro viver um dia de cada vez e ir descobrindo aos poucos. Me encarreguei de levar a sua comida e fazer companhia para o almoço, já que Felipe tem alguns exames para fazer com outros médicos. Sinto que é o momento perfeito para nós dois.

Foi com esses pensamentos que cheguei até a porta de seu quarto, onde bati poucas vezes, sendo atendido por ele, quase que instantaneamente. — Você atrasou 5 minutos! — Suas primeiras palavras antes de me deixar entrar.

— Dessa vez não foi tão ruim assim! — Ele cruza os braços, tentando fazer uma feição séria. — Eu tô melhorando, cara! — É incrível poder ter uma intimidade tão grande com alguém que era apenas para ser meu paciente.

— Vou te dar mais essa chance. — Não demora muito para pegar a comida de minhas mãos e levar até sua pequena mesa. — Fico feliz que tenha tirado uma folga. Você tá realmente precisando. — Ele olha para os próprias mãos, parecendo um pouco tímido com a minha presença. — Me preocupo com a sua saúde.

— Agradeço por isso, mas eu quem deveria me preocupar com você, mocinho! — Bagunço seus fios, antes de me sentar ao seu lado, também com minha comida. — Queria conversar com você. — Tento ser o mais curto e direto possível, no intuito de acabar logo com toda essa situação. Recebo sua atenção quase que instantaneamente.

— Se for sobre o beijo, saiba que tá tudo bem, e...

— Não tá tudo bem, Tarik. Eu fiz isso. E nada mais justo do que eu mesmo me responsabilizar pelo o que aconteceu. — Decido interromper sua fala. Sinto medo vindo dele. Não sei do que exatamente, mas preciso seguir em frente. De qualquer forma, mesmo que ele não queira falar o que sente, preciso fazer isso por mim. — Confesso que no começo, não era algo pensando em você, mas quando rolou, foi intenso, sabe? — Desvio o olhar para a janela, vendo alguns carros passando lá embaixo. — Não quero te pressionar e nem que retribua o que eu tô sentindo. Só foi significativo demais para mim. É algo que ficou cravado em minha mente. — Poucos segundos nossos olhares se cruzam. — Eu sinto algo muito forte por Felipe, mas também por você! — Sinto um peso imenso saindo de minhas costas, por finalmente dizer o que eu realmente sinto. — Respeito seu espaço, o seu luto... Só doía demais segurar tudo isso dentro de mim. — Sua feição assustada me preocupa. Me faz pensar se valeu a pena dizer tudo isso de maneira tão clara e objetiva. Não quero que nossa amizade se desfaça por conta de um sentimento tão confuso, jamais iria me perdoar por tal coisa.

— Eu também me sinto assim, Rafa. — Mesmo baixo, consigo ouvir claramente o que acabara de dizer. — Meu amor pelo Mike jamais irá embora. Ele é o amor da minha vida. Só que ao mesmo tempo, você e o Felps me despertam algo grande também. — Suas lágrimas aparecem quase que instantaneamente quando fala sobre Mikhael. Minha intenção nunca será tomar o lugar dele em sua vida, principalmente por saber o quanto significava te-lo aqui. Apenas quero ter certeza que posso estar aqui e desenvolver essa relação, assim como venho desenvolvendo com Felipe.

— Preciso que você confie em mim mais do que nunca agora. — Seguro em suas mãos, tentando te passar todo o conforto necessário. — Não vou ultrapassar nenhum limite. Eu prometo! — E pela primeira vez desde que iniciamos aquela conversa, ele se permite me olhar. É a confirmação que eu precisava para começar a me aproximar e ter para mim, aqueles lábios novamente. Dessa vez, sem confusão ou desespero. Senti falta disso mesmo sem sequer ter conhecimento. Quero ter certeza que estou indo com calma e respeitando todos os seus sentimentos. A morte de Mikhael ainda é muito recente e sei que dói como nunca, mas torço para eu e o Felipe sermos o seu alicerce nesse momento.